Intervenção de

Obras públicas - Intervenção de José Soeiro na AR

Sobre a decisão governamental da suspensão brutal de adjudicações, de autos de medição e de pagamentos em obras públicas, para os últimos quatro meses do corrente ano

 

Sr. Presidente,
Sr. Secretário de Estado,

Ouvi atentamente a sua intervenção e mais uma vez creio que o País tem de enfrentar uma situação complicada. De facto, temos um Governo real que nos apresenta um País virtual e temos um País real que é governado virtualmente! Até quando? Ainda não conseguimos compreender!

Há um ano, em vésperas do debate do Orçamento do Estado, convém lembrar, tivemos um Governo que nos prometeu, com menos dinheiro, fazer mais obras. Na altura, garantiu perante esta Câmara que aquele era um Orçamento «sem truques», tendo até reduções nalguns capítulos para corresponder aos gastos reais que iam ser efectuados. Perguntámos, então, como é que, com menos dinheiro, se fariam mais obras, mas creio que agora já começámos a perceber como é que isso se faz... Mandam avançar as obras e a «meio do campeonato» dizem que não pagam, transferindo a despesa para o próximo ano!

Assim, conseguem alcançar vários objectivos, visto que fazem obras sem dinheiro do Orçamento e reduzem o défice à custa dos atrasos nos pagamentos.

E porque poderiam pensar que estou a falar de algo virtual, trago aqui um documento, uma circular, que penso ser real. Esta circular tem o número 1328 e, ao contrário do que o Sr. Secretário de Estado diz, não manda parar os investimentos para «corrigir o tiro», ou seja, para investir melhor o dinheiro de que dispomos. O que aqui se diz é que, a partir de 31 de Agosto, «não há nada para ninguém», independentemente de as obras serem boas ou más, ou de serem bons ou maus os investimentos.

Não se trata, sequer, de uma medida particular do Ministério das Obras Públicas, o que ainda é mais grave.

Isto é geral, pelo que, para responder a estas questões não devia estar aqui um representante do Ministério das Obras Públicas mas, sim, o Sr. Primeiro-Ministro!

O Sr. Primeiro-Ministro é que devia estar aqui a prestar contas ao País pelo que está a acontecer hoje, com múltiplas associações confrontadas com cortes cegos nas verbas a que têm direito, o que tem repercussões gravíssimas na vida das pessoas! Este é que é o País real!

Se o Sr. Secretário de Estado não percebe quais são as consequências de suspender pagamentos de obras e de projectos em curso...

E, não me referindo apenas a obras e projectos da sua tutela, podia, contudo, confrontá-lo com uma série de questões concretas. Lembra-se de uma vez, após um discurso empolgado que proferiu em Beja, eu ter-lhe dito para ter cuidado, porque deixou de «ler a ficha» e, como tal, passou a dizer coisas que não estavam escritas?

É que o senhor passou a prometer aquilo que não estava em condições de cumprir. Por isso lhe pergunto se o IP8 já é real ou se continua a ser virtual.

O IP2, da Vidigueira para Beja, já é real ou ainda é virtual?

As passagens desniveladas entre Beja e Castro Verde são virtuais ou são reais?

E podíamos estar aqui mais tempo a fazer outras perguntas, Sr. Secretário de Estado, porque o senhor e o seu Governo não cumpriram nem vão cumprir. E, se até aqui já não era possível cumprir estes objectivos, com esta circular não há mesmo mais nada a fazer, porque as promessas não vão ser cumpridas!

Vamos, mais uma vez, como no ano passado, ter um PIDDAC virtual que podia e devia ter sido concretizado. Se assim tivesse sido, este Governo podia ter vindo dizer-nos, com autoridade e não manipulando os factos e os números, que, na verdade, tinha feito mais e melhor e que estava a cumprir. Como isso não se verificou, Sr. Secretário de Estado, gostava de saber se o senhor é capaz de me dizer que aquilo que apontei como virtual é real!

(...)

Sr. Presidente,
Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares,
Sr. Secretário de Estado Adjunto, das Obras Públicas e das Comunicações,

Ouvi atentamente as respostas que o Sr. Secretário de Estado não deu!

Mas não estou só espantado, estou surpreso, boquiaberto! Estou mais do que isso porque, na verdade, perante o número de malabarismos a que temos estado a assistir, estou maravilhado!

Repito, estou maravilhado, porque o Governo faz um clique e sai um IP! Faz outro clique e sai um IC!

Assim as obras fazem-se rapidamente, Sr. Secretário de Estado. Resolvemos os problemas do PRN, do plano ferroviário e das entradas ou saídas marítimas pelas auto-estadas ou pelas estradas, enfim, o que o senhor quiser. Fica tudo feito!

Auto-estradas marítimas - Sr. Ministro não se ria - é um conceito do Governo.

Não me diga que estava distraído e que ainda não tinha percebido que existiam as autoestradas marítimas?

Portanto, creio que, prometer, o Governo tem prometido muita coisa. Aliás, referi aqui um conjunto de promessas, Sr. Secretário de Estado, e lembrei precisamente que essas promessas não estão cumpridas.

Estão por cumprir! Se estivessem a ser cumpridas, deveríamos estar agora a assistir, por exemplo, a uma obra que nos impediria, à saída da A2, de seguir pela velha estrada, que continua a ser a única coisa real que lá temos, porque, além da placa que diz IP8, o resto é tudo conversa! Portanto, esta é a realidade.

Quanto ao resto, que lhe disse há pouco, poderia repeti-lo, mas vou poupar o tempo, porque continuo a considerar que quem deveria estar aqui, nesta Casa, hoje, não era alguém do Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, mas, sim, o Sr. Primeiro-Ministro. E era o Sr. Primeiro-Ministro porque, para além dos casos referentes às obras públicas, a circular existe (como o Sr. Secretário de Estado confirma) e dirige-se não apenas às obras públicas mas a todos os serviços autónomos do Ministério.

Podia-lhe mostrar já documentos de associações que estão a queixar-se das gravíssimas situações com que estão a ser confrontadas porque o Governo não está a cumprir os pagamentos que lhes são devidos e as consequências que estes não pagamentos estão a ter para pessoas concretas.

Não se trata de pessoas virtuais, Sr. Secretário de Estado, mas de pessoas concretas!

Aliás, ainda ontem apresentei um requerimento sobre uma associação, que, neste caso, nem precisou de esperar por 31 de Agosto. A «papelada» estava despachada, todas as facturas estavam entregues e, no dia 19 de Agosto, seguiu tudo. Mas, até hoje, pagamentos: zero! Repito, pagamentos: zero! E há trabalhadores que deveriam estar a ser pagos com esses fundos e não o são; há compromissos assumidos que deveriam ser pagos e não são; há responsabilidades bancárias que deveriam ser cumpridas e não são. E isto é que é a realidade, Sr. Secretário de Estado!

É contra isto que temos de nos insurgir, e é por isso que dizemos que o Governo não pode recorrer a este tipo de truques para procurar aposentar-se daqui a uns tempos dizendo que cumpriu com o défice, que respeitou aquilo que prometeu, porque, na verdade, com truques, é o que têm feito os governos no passado, e todos têm cumprido. E agora quem tem de pagar a factura é o povo português, é o País!

Portanto, é preciso que acabem este tipo de situações!

É isto que deixamos, para já. É preciso que o Governo cumpra e respeite os seus compromissos, e estas circulares, de facto, não deveriam existir. É isto que o Governo deveria ter em conta e não venha dizer que os documentos são virtuais, porque não são, são reais.

 

 

 

 

 

  • Economia e Aparelho Produtivo
  • Assembleia da República
  • Intervenções