Caros amigos e camaradas
Com a entrada no Euro e com as regras ditadas pela Alemanha de que o BCE não financiaria os Estados, o nosso País não só foi penalizado por uma moeda muito valorizada em relação à estrutura da economia, como voltou à situação do século XIX, isto é, ficou totalmente dependente dos ditos mercados para se financiar.
Ora os mercados – grandes bancos, companhias de seguros e fundos de aplicação de capitais – especulam e procuram ganhar o máximo com as suas aplicações. É o que têm feito com o nosso País, que designadamente depois de 2007 se viu confrontado com taxas de juros agiotas porque os “mercados” perante a escassez de liquidez, sabendo da dependência absoluta dos Países da União Europeia para se financiarem e conhecendo as nossas fragilidades foram especulando exigindo taxas de juro incomportáveis.
A nossa dívida pública que antes da crise estava ao nível da Alemanha e da média da União Europeia, foi subindo em flecha em consequência das erradas respostas à crise; da passividade e cumplicidade dos grandes Países da UE com os ditos mercados e a recusa do BCE em abrir, pelo menos, uma excepção perante a crise financiando os Estados, como acontece com o Banco do Japão, da Inglaterra ou a FED nos EUA. Mas a dívida cresceu assustadoramente também porque o sistema financeiro com o apoio dos seus governos (Sócrates e Barroso) tem estado a procurar resolver o seu desendividamento e capitalização à custa da vida pública. É a resolução da dívida bancária (privada), à custa do Orçamento de Estado (dívida pública), isto é, dos contribuintes.
É bom lembrar que, se em 2008, a dívida pública portuguesa em percentagem do PIB, estava ao nível da média da União Europeia, já a dívida privada, quer a das sociedades não financeiras, quer financeiras, era muito superior à média da União Europeia. Mas sobre a dívida privada e designadamente do sistema bancário continua a prevalecer o pacto de silêncio.
Hoje todos reconhecem que o serviço desta dívida pública é um fardo pesadíssimo que compromete o presente e o futuro do País por longuíssimos anos.
O PCP assumindo as suas responsabilidades tomou a iniciativa de defender publicamente a renegociação da dívida.
Esteve sozinho na Assembleia da República e só mais tarde foi acompanhado pelo Bloco. Durante muito tempo o Governo e os comentadores de serviço ou procuraram ignorar a nossa proposta ou a consideraram inoportuna, porque segundo eles o País tinha que mostrar primeiro que cumpria os compromissos da troika. Ou ainda, com má fé e desonestidade intelectual arrumavam sistematicamente a questão afirmando que o PCP simplesmente não queria pagar a dívida ou que tal proposta significava a saída do Euro.
Chegaram a afirmar que a reestruturação seria um desastre, mas mais à frente fizeram uma reestruturação primeiro ao nível dos juros e depois ao nível dos prazos, à boleia da Grécia e da Irlanda. Mas foram reestruturações extremamente limitadas.
Quanto à oportunidade de que falavam, é hoje uma evidência que o País estava então em muito melhores condições – económicas, sociais e financeiras para renegociar a dívida, que no essencial era detida por estrangeiros. Estávamos também numa altura em que o Euro sofria forte contestação e em que a Srª Merkel com eleições à vista não estava em condições de deixar cair nenhum País da União Europeia!
Hoje as condições são piores inclusivamente porque o montante da dívida é muito mais elevado e porque uma parte significativa desta está na mão de instituições e da banca nacional!
Caros amigos e camaradas,
Quais são actualmente os principais argumentos contra a renegociação da dívida?
Há quem afirme que para haver renegociação é necessário convencer os credores a aceitarem renegociar.
Esta é uma falsa questão. É fácil demonstrar que a dívida é impagável, a não ser que se transforme a maioria dos portugueses em escravos. Por isso, a questão não está em convencer os credores, mas em tomar a iniciativa com clareza e determinação.
O nosso País com um governo patriótico teria voz, razão e força para exigir uma renegociação responsável ao serviço do povo e do País.
Naturalmente, se conseguir uma posição conjunta com outros Países, deve fazê-lo.
Um outro argumento, é o de que a dívida portuguesa é pagável e sustentável!
Assim há quem afirme: a dívida é sustentável pois, “se não o fosse os credores privados não estariam dispostos a emprestar ao Estado a 4,5% a 10 anos”.
Este é outro falso argumento. Os credores emprestam porque sabem que os juros são bons e que se Portugal não pagar pagará a União Europeia! É por isso que os mercados também têm emprestado à Grécia, à Espanha, à Itália e à Irlanda.
Depois de Mário Draghi, ter assumido em Julho de 2012, que o BCE tudo faria para preservar o Euro, a questão do “default” de tal ou tal País foi lateralizada.
Por isso, é que a colocação dos nossos empréstimos têm tido sempre uma procura superior à oferta, tal como tem acontecido com os outros Países endividados. Juros altos e reembolso garantido é o que qualquer credor deseja.
Há ainda quem baseie a sua afirmação de que a dívida é sustentável com argumentos falsos mas mais quantitativos, avançando com dados sobre o crescimento da economia e saldos primários orçamentais, embora manifestamente irrealistas. É o caso da troika e do FMI, que apresentam dados – que não são sequer previsões – totalmente fantasiosos, sobre a evolução da economia portuguesa, como já foi demonstrado por várias entidades e economistas e por Octávio Teixeira, nas jornadas parlamentares do PCP.
Também o primeiro-ministro não podendo continuar a fazer como a sua ministra das finanças – que afirma e repete pura e simplesmente que a dívida é sustentável sem qualquer demonstração -, avançou com um modelo de crescimento nominal anual de 2,5% (1,5% real com a inflação de 1%) com um excedente primário de 1,8% do PIB e com uma taxa implícita da dívida na ordem dos 3,8%, afirmando que com estes pressupostos, menos exigentes reduziria a dívida ao nível do acordado em Maastricht!
Como já foi demonstrado, com estes dados apresentados pelo primeiro-ministro, para a dívida chegar aos 60% do PIB – objectivo de Maastricht – seriam necessários 70 anos!
Setenta anos (2084), de austeridade e de letargia, eis o que nos propõe o fantástico primeiro-ministro! Com uma taxa média de crescimento real de 1,5% Portugal continuaria a manter taxas de desemprego inaceitáveis. Depois mantendo a austeridade ditada pelo Tratado Orçamental dificilmente se obteria mesmo a modesta média anual de crescimento de 1,5%. Não há austeridade expansionista. Esta é também uma questão a que o Secretário-geral do PS, foge sistematicamente a responder e quando afirma que a reposição dos rendimentos dos portugueses seria gradual, defendendo ao mesmo tempo o «cesarismo burocrático» do Tratado Orçamental que nos impõe doses acrescidas de austeridade, está também a dizer que tal gradualismo não teria fim! A sua “divergência insanável” é cada vez mais formal e mostra-se tão irrevogável como a do outro!
Ainda em relação à renegociação da dívida e no quadro do magno problema de se saber se Portugal deve ter uma saída dita à irlandesa ou assistida, como se esse é que fosse o grande problema, o Presidente da República veio também dar uma resposta indirecta sobre a sustentabilidade da dívida, eventualmente, para mais tarde também poder dizer – no estilo de conselheiro Acácio – que ele já tinha lembrado, por absurdo, que a dívida era impagável.
Na verdade Cavaco Silva o que diz é que a austeridade vai continuar mostrando também por absurdo que num cenário de crescimento nominal do PIB e taxas de juro de 4% e com um excedente primário de 3% a dívida só regressaria a 60% do PIB em 2035.
O Presidente da República também não vê outra solução senão a continuação da austeridade para lá de 2035. Grande Presidente da República, sempre comprometido com a Banca, com os grandes interesses e com este governo e sempre tão preocupado a ver se fica bem na fotografia!
Para se ter uma noção do realismo das projecções que temos aqui mencionado, basta lembrar que a taxa de crescimento média anual desde que Portugal entrou para o Euro é de 1,5% negativos! Um desastre. Depois, como se sabe não há crescimento sem investimento, ora o investimento público e privado está em queda há vários anos, num nível inferior ao dos anos 90.
No campo dos que se opõem à renegociação da dívida de forma directa ou indirecta, há ainda os banqueiros, respectivos accionistas e os que gravitam à sua volta com o receio de que a renegociação também os atinja. Utilizam argumentos interesseiros ou pura e simplesmente dizem que a dívida não deve ser negociável, porque não, ponto final.
Caros amigos e camaradas,
Nos últimos tempos tivemos também a apresentação de uma petição sobre a renegociação da dívida em que no essencial estamos de acordo e o “Manifesto dos 70”.
O “Manifesto dos 70” embora com propostas muito recuadas teve o mérito de pela voz de vários quadrantes, afirmar que a dívida não é sustentável e que é preciso renegociá-la!
Em relação a este “manifesto” há reacções que são politicamente significativas.
- Tivemos o repúdio de um banqueiro que em público não “aguentou” ficar sentado e aplaudiu de pé Passos Coelho, quando este se referiu aos que assinaram a petição “por essa gente”.
- Tivemos o primeiro candidato do PSD às eleições para o Parlamento Europeu a soletrar e a martelar sílaba a sílaba o vocábulo – inoportuno! Reparem que ele não disse que não era necessária a renegociação ou que não era justa. Ficou-se pelo i-no-por-tuno. Quererá dizer que noutra altura será oportuno?
- Tivemos o candidato do PS ao Parlamento Europeu, sempre tão “palavroso” e que, tanto quanto se saiba, até hoje não disse nada sobre o “manifesto”. Tirou umas férias sabáticas! É o que se chama procurar passar por entre os pingos da chuva!
- E tivemos o Secretário-geral do PS que embora especialista nas ambiguidades sempre precedidas do: “eu quero dizer com clareza”, optou pelo silêncio, ficando o PS com um pé dentro, através das assinaturas de alguns destacados militantes e, com um pé fora, através do não comprometimento da sua direcção!
A mesma ambiguidade com que a certa altura passou a defender a diminuição do serviço da dívida através do alargamento dos prazos e da diminuição das taxas de juro sem chamar o boi pelos nomes, renegociação da dívida, para que não se diga que foi a reboque de comunistas e bloquistas.
Caros amigos e camaradas,
A renegociação e reestruturação da dívida com a diminuição significativa do seu serviço o que passa pela diminuição da taxa de juros, alargamento dos prazos mas também dos seus montantes é uma condição absolutamente necessária para que o País se possa livrar desta gangrena e conseguir taxas de crescimento significativas. Mas não é suficiente, é necessário uma ruptura com a política que vem sendo seguida e afrontar os grandes interesses.
Mas mesmo em relação à dívida depois de renegociada o País deverá estabelecer que o serviço da dívida anual nunca deverá ultrapassar uma % a definir, das suas exportações e do seu crescimento económico.
A questão da redução substancial do serviço da dívida é uma questão da máxima urgência que quanto mais cedo for colocada melhor e mais fácil será para o País.
Os que defendem verdadeiramente os interesses do povo e do País, não são os que com relógios de cuco anunciam ao País, que vamos continuar com a troika sem troika, ao serviço dos banqueiros e dos grandes senhores do dinheiro, mas aqueles que com firmeza e determinação, lutam para que Portugal se liberte não só da troika estrangeira, mas também da sua política, que se liberte do Tratado Orçamental e de uma política ditada pelos interesses da senhora Merkel e do Directório das Grandes Potências.
Uma política não ao serviço dos plutocratas e oligarcas mas sim ao serviço dos trabalhadores e do povo, ao serviço de um Portugal democrático, livre, soberano e independente.