"O governo do AKEL tem o apoio do povo"

Entrevista a Andros Kyprianou, Secretário Geral do AKEL
Avante Edição N.º 1857, 02-07-2009

Andros Kyprianou, de 53 anos, foi eleito secretário-geral do AKEL em Janeiro último, substituindo no cargo o actual presidente da República de Chipre, Demetris Christofias, que, apesar das suas funções de chefe de Estado, permanece na direcção do partido como membro do seu Comité Central. Nesta entrevista, Andros Kyprianou, que durante longo tempo foi responsável pelas relações internacionais do AKEL, respondeu por escrito às perguntas do Avante!, dando-nos conta dos progressos nas conversações sobre a reunificação da ilha e do crescente apoio popular que goza o único governo de um Estado membro da UE liderado por comunistas.

Avante! - Em que ponto se encontra actualmente o processo de reunificação de Chipre? Já se vê alguma luz ao fundo do túnel?

Andros Kyprianou - Durante o período preparatório no Verão de 2008, foi acordado entre os dirigentes de ambas as comunidades um quadro para a procura duma solução para o problema de Chipre. A solução deverá consistir numa federação bizonal e bicomunitária, com igualdade política, conforme foi definido nas resoluções das Nações Unidas. Chipre reunificado será um Estado único, com uma única soberania, uma cidadania única e uma personalidade internacional única. Já se iniciaram, e continuam a decorrer desde princípios de Setembro de 2008, negociações globais neste sentido. Até agora já foram dados alguns passos na direcção certa. Já se deram convergências em determinados assuntos, mas há também divergências quanto a algumas questões sérias que estão em discussão.
Não estamos tão satisfeitos como desejaríamos quanto ao decorrer das negociações. Infelizmente a direcção cipriota-turca coloca exigências excessivas na mesa das negociações. A parte turca apresenta posições que nos desiludem e entristecem, da mesma maneira improdutiva que o tem feito ao longo de todos estes anos. A sua posição contrasta com a necessidade de criar condições de paz e segurança, de progresso e prosperidade para todo o povo cipriota, e apresenta a parte turca como estando interessada não em alcançar uma solução, mas sim em reforçar o pseudo-Estado. Apesar de tudo isto, não existe outra opção senão a de enfrentar a batalha para levar as negociações a um resultado positivo.
O presidente da República continua a apresentar propostas lógicas à mesa das negociações; propostas conformes com o quadro de negociação já acordado; propostas ao serviço de princípios, da justiça, de Chipre e de todo o seu povo, os cipriotas-gregos e os cipriotas-turcos; propostas que respondem às preocupações dos nossos compatriotas cipriotas-turcos sem contudo socavar nem a unidade e viabilidade do Estado nem os direitos humanos.

Como é que o AKEL avalia o papel da «comunidade internacional» na questão cipriota?

O presidente Christofias continua a procurar a internacionalização, sublinhando a necessidade de que os intervenientes internacionais usem da sua influência para pressionar Ankara no sentido de mudar a sua política e assim tornar possível uma solução ao problema de Chipre. Gostaria de vos lembrar que quando Demetris Christofias assumiu a presidência, a República de Chipre estava encurralada e sob grande pressão para que levantasse o alegado isolamento dos cipriotas-turcos. Estas acções eram de certo modo inaceitáveis, mas aconteceram. Através de iniciativas constantes, do apego consequente aos princípios, mas também com flexibilidade no que diz respeito à táctica, Demetris Christofias tem conseguido persuadir a comunidade internacional de que estamos realmente interessados em solucionar o problema de Chipre. Ele tem rejeitado decididamente as exigências de levantamento do chamado isolamento dos cipriotas-turcos, ao mesmo tempo que, em grande medida, já isolou a política externa turca no que diz respeito ao problema de Chipre.
Os americanos e os britânicos têm historicamente desempenhado um papel negativo, contrário aos interesses do povo de Chipre. O papel dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU é vital para nós, e nele a Federação Russa e a China são apoiantes fortes e consequentes de Chipre. Além disso, o governo de Christofias tem tomado importantes iniciativas junto da Liga Árabe e da Conferência Islâmica para aumentar o apoio às posições da República de Chipre no seio destas organizações e para contrariar decididamente quaisquer esforços da Turquia para reforçar o pseudo-Estado.

Qual é o papel de ambas as comunidades cipriotas no processo de reunificação?

As duas principais comunidades de Chipre, os cipriotas-gregos e os cipriotas-turcos, partilham um interesse comum, o dum futuro pacífico e próspero para todo o povo de Chipre. O relacionamento pacífico entre as duas comunidades constitui um elemento fundamental para se alcançar uma solução viável e duradoura para o problema de Chipre. Por isso é que a aproximação entre as duas comunidades é considerada pelo nosso partido como de vital importância para se resolver o problema de Chipre e para a construção duma pátria comum para os cipriotas-gregos e os cipriotas-turcos. O nosso partido considera que a aproximação é parte integrante da luta do nosso povo contra a ocupação, dando-lhe assim um significado social e político. A aproximação traz à luz o aspecto fundamental do problema de Chipre, que é a continuação da ocupação dum país soberano por parte da Turquia, em violação do direito internacional e dos direitos humanos em Chipre desde há 35 anos.
O AKEL e todas as forças progressistas em cada comunidade devem continuar a lutar contra os sectores nacionalistas e chauvinistas que se opõem a uma solução federal para o problema de Chipre e à reunificação do nosso país e do nosso povo. Ao mesmo tempo, consideramos que os contactos normais entre cipriotas-gregos e cipriotas-turcos são muito importantes, pois ajudam a dissipar sentimentos de desconfiança que possam existir entre eles, e ao mesmo tempo permitem-lhes compreender tudo o que ambas as comunidades têm em comum.

Em todo o mundo, os povos enfrentam uma profunda crise do capitalismo. Que efeitos tem esta crise em Chipre, e que medidas é que o governo está a tomar?

A crise económica global está a aprofundar-se cada vez mais, sem que se vislumbrem quaisquer sinais de recuperação no horizonte. A União Europeia está no meio da crise económica global. A actual crise económica, sem precedentes pela sua dimensão e efeitos, é simultaneamente uma crise do sistema socioeconómico capitalista e do modelo neoliberal. A anarquia dos mercados, que constitui de facto o princípio fundamental do neoliberalismo, é que levou à crise actual, cujo custo está a ser pago pelos trabalhadores dos países europeus. Os meios dirigentes da UE tomaram medidas para enfrentar a crise, muitas das quais ampliam o papel interventor e regulador do Estado, um papel que as forças de esquerda sempre sublinharam e pelo qual lutaram, mas que foi rejeitado pelo neoliberalismo conservador da direita e também pelos sociais-democratas. Claro que estas intervenções procuram mais uma vez favorecer os interesses das multinacionais e do grande capital. Ao mesmo tempo, a classe operária e os povos da Europa são chamados a pagar o preço da crise. Aqui em Chipre, as consequências da crise são em certa medida menores, pois temos um poderoso AKEL, um movimento sindical de classe muito forte e outras forças com as quais cooperamos de modo a não permitir a imposição de políticas neoliberais.
As forças de direita queriam vender os bens públicos, promovendo a privatização dos organismos semi-estatais, e queriam especular com o fundo da Segurança Social no jogo do lucro fácil e rápido. Hoje, a federação patronal e industrial quer congelar os salários.
O AKEL, por outro lado, sempre favoreceu políticas de apoio a uma intervenção estatal activa, virada para a salvaguarda dos interesses populares; políticas de apoio a uma maior consolidação e modernização dos organismos semi-estatais, para que estes possam fornecer, nas actuais condições, muitos mais serviços aos cidadãos de Chipre; políticas que levaram a enfrentar radicalmente os problemas do Fundo de Segurança Social, apoiando-o economicamente com uma primeira contribuição de 200 milhões de euros, para que os reformados e também todo o povo possam receber apoio numa fase inicial; políticas que procuram melhorar o nível de vida de todos os cidadãos. O governo já demonstrou na prática que está a enfrentar resolutamente problemas que vêm de há muito, problemas que existem há muitos anos e que ninguém até agora se tinha atrevido a tocar e a resolver radicalmente. O AKEL e o movimento popular estão a contribuir decisivamente para preservar o nosso sistema de economia mista e para conter o neoliberalismo.

Como reage o povo às medidas do governo, e até que ponto as organizações de massas estão envolvidas na luta contra os efeitos da crise e pelo desenvolvimento económico e social do país?

Os trabalhadores têm reagido positivamente às medidas tomadas pelo governo para enfrentar as consequências da crise económica mundial. Os sindicatos e os movimentos populares e progressistas encontram-se ao lado do governo, e apoiam as suas políticas. Estão satisfeitos pelo facto de Chipre estar altamente colocado entre os países europeus, sendo o único país cujo Produto Interno Bruto está a aumentar, com baixas taxas de desemprego e de inflação.

Que experiências o AKEL tem retirado deste primeiro ano de governo de Demetris Christofias?

Pela primeira vez nos 48 anos de existência da República de Chipre, a esquerda concorreu à presidência com um candidato próprio, o Secretário-Geral do Comité Central do AKEL, camarada Demetris Christofias, e conseguiu elegê-lo. A sua eleição representa não apenas uma vitória significativa, mas constitui um marco na história contemporânea de Chipre. É o resultado de oito décadas de luta da esquerda em Chipre, que demonstrou agora ser capaz de funcionar não apenas como força de pressão e luta a favor das pessoas, mas também como força política de governo, e que é capaz de governar melhor do que qualquer outra força. Demonstrou que é capaz de servir correctamente Chipre e o nosso povo. A diferença entre este governo e os anteriores é patente. O povo cipriota sente a mudança positiva que houve, e valoriza esta realidade. Todas as sondagens indicam uma forte aceitação do governo de Christofias e do próprio presidente; aceitação esta que transcende em muito as fronteiras e área de influência da esquerda. Apesar das dificuldades e problemas, o governo de Demetris Christofias está a pôr em prática o seu programa, com o apoio principalmente do AKEL. Infelizmente, alguns problemas resultam da oposição niilista da direita nas matérias socioeconómicas, mas infelizmente também de sectores no interior dos partidos que participam no governo, bem como de outras forças de extrema-direita e chauvinistas que se opõem ao presidente e ao AKEL.

Como avalia o apoio dos partidos comunistas à luta do povo cipriota pela reunificação do seu país e de que forma poderá ser reforçado?

Guiados pelos ideais da solidariedade internacional, a esquerda e os partidos comunistas sempre apoiaram a luta do povo de Chipre por uma solução do problema cipriota que leve à libertação e reunificação da nossa ilha, pátria comum dos cipriotas-gregos e dos cipriotas-turcos. A esquerda e os partidos comunistas da Europa, nomeadamente através do grupo GUE/NGL no Parlamento Europeu, são os apoiantes mais consequentes da paz em Chipre.
Gostaria nesta ocasião de agradecer ao Partido Comunista Português e aos outros partidos comunistas e de esquerda pelo seu valioso apoio e solidariedade desde há longos anos. Nas actuais condições de esforços do presidente Christofias para uma solução definitiva ao problema de Chipre, o apoio dos partidos comunistas e de esquerda é mais do que nunca necessário, na difusão de conhecimentos e informação sobre o problema de Chipre junto das suas sociedades e governos, no apoio a todas as iniciativas e actividades visando a reunificação de Chipre.

No contexto da actual situação internacional, muito complexa e exigente, como é que o AKEL vê o reforço da cooperação entre partidos comunistas, e a relação desta com o reforço da frente anti-imperialista?

Nas actuais condições de agressividade imperialista, o diálogo contínuo e a troca de opiniões e experiências entre partidos comunistas e de esquerda são de grande importância, pois através deste processo é possível articular posições comuns e coordenar as nossas actividades e lutas. Pensamos que os partidos comunistas e de esquerda devem focalizar a sua cooperação nalguns temas essenciais. Temos que defender os direitos dos trabalhadores, que se encontram sob um ataque constante e crescente. Temos que apoiar e reforçar os sindicatos de classe nos nossos países e ajudá-los a reforçarem os laços internacionais entre eles.
Temos que lutar pelo respeito da independência, soberania e integridade territorial dos Estados, pela primazia do direito internacional, pela democracia. Temos que defender os direitos dos povos face aos ataques imperialistas dos EUA e seus aliados em todo o mundo. Precisamos de construir um forte movimento pela paz, que opere contra novas guerras de agressão.

Que avaliação faz o AKEL dos resultados das recentes eleições europeias?

Os resultados das eleições representam um êxito significativo do AKEL-Esquerda-Novas Forças. Os 34,90 por cento alcançados significam uma subida de sete por cento em comparação como as eleições europeias de 2004 e uma subida de 3,9 por cento em comparação com as eleições legislativas de 2006. O AKEL é um dos raros partidos no governo que nestas eleições europeias não só conseguiu manter a sua votação mas também aumentá-la.
Apesar dos ferozes ataques contra o AKEL durante a campanha eleitoral, por parte de quase todas as forças políticas e órgãos de comunicação de massas, o AKEL teve um resultado positivo. Atribuímos isto à política correcta e às posições do partido relativas ao problema de Chipre e às questões internas; às relações e laços duradouros, constantes, fortes e interactivos entre o Partido e o povo, em especial com o povo trabalhador; ao árduo trabalho político e organizativo da direcção, dos quadros, dos militantes e amigos do partido; à nossa bem sucedida política de comunicação; à lista de candidatos que incluiu figuras prestigiadas do espectro do partido e das forças aliadas e ao apoio prestado por partidos, movimentos e personalidades que uniram as suas forças connosco nesta batalha eleitoral.
Em larga medida o êxito deve-se igualmente à forma correcta, responsável e patriótica como o presidente da República tem tratado o problema de Chipre, bem como à governação bem sucedida do país no interesse do povo pelo presidente Christofias e o seu governo. O fortalecimento do AKEL-Esquerda-Novas Forças dá ao Partido energia para continuar a apoiar com ainda maior eficácia o governo de Demetris Christofias na sua luta por uma solução justa para o problema de Chipre e por uma sociedade mais justa. Os resultados das eleições europeias provam na prática que o povo rejeita e condena o anti-AKELismo, o anticomunismo e as calúnias sobre um AKEL alegadamente «eurocéptico».
O AKEL, como um partido que luta pela politização constante do povo, não ignora nem subestima a elevada taxa de abstenção registada nestas eleições. Iremos analisar em pormenor as razões que conduziram a esta elevada taxa de abstenção e trataremos em especial a abstenção entre os eleitores da esquerda. Não obstante, é evidente que a União Europeia e as suas instituições não conseguiram convencer os povos e isto deve-se em larga medida às políticas que estão a ser seguidas contra os interesses dos povos.
Na sequência destas eleições, renovamos o nosso compromisso de continuar a luta no Parlamento Europeu pelos direitos do Chipre e os interesses do nosso povo, em particular do povo trabalhador e das camadas baixas e médias. O AKEL, no seio do Grupo da Esquerda no Parlamento Europeu continuará a travar a batalha pela Europa dos povos, pelos direitos e interesses dos trabalhadores, por uma União Europeia mais democrática e sensível às questões ambientais e isenta de políticas militaristas agressivas.

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