Projecto de Resolução N.º 1308/XII/4.ª

Núcleos urbanos das ilhas-barreira da Ria Formosa

Núcleos urbanos das ilhas-barreira da Ria Formosa

Pelo reconhecimento do valor social, económico e cultural dos núcleos urbanos das ilhas-barreira da Ria Formosa e imediata suspensão das demolições de habitações na Culatra, Hangares, Farol, península do Ancão e ilhotes da Ria Formosa

A Ria Formosa é uma das mais importantes zonas húmidas de Portugal, pela sua dimensão, diversidade e complexidade, cobrindo uma superfície de cerca de 18.000 hectares, incluindo a área submersa, que se estende ao longo de 57 km pelos concelhos de Faro, Loulé, Olhão, Tavira e Vila Real de Santo António. A sul é delimitada por um sistema de ilhas-barreira constituído por cinco ilhas e duas penínsulas arenosas (Ancão, Deserta, Culatra, Armona, Tavira, Cabanas e Cacela). Constitui um valioso património natural, encontrando-se inserida no Parque Natural da Ria Formosa, criado pelo Decreto-Lei n.º 373/87, de 9 de dezembro.
Além do seu valor natural, a Ria Formosa reveste-se de grande importância do ponto de vista económico, social e cultural, estando intimamente ligada à vida, cultura e tradições das populações locais, em particular dos concelhos de Faro, Loulé, Olhão, Tavira e Vila Real de Santo António.
No Plano de Ordenamento do Parque Natural da Ria Formosa, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 78/2009, de 30 de abril de 2009, afirma-se que o Parque Natural foi criado com “o objetivo de preservar a fauna e flora específicas da região, com especial relevo para as aves migratórias e os respetivos habitats, e promover um uso ordenado do território e dos seus recursos naturais assegurando a continuidade dos processos evolutivos e promovendo o desenvolvimento económico, social e cultural da população residente de forma compatível com os valores naturais e culturais existentes na área” (sublinhado nosso).
O PCP entende que a proteção dos recursos e valores naturais deve ter em conta os hábitos, práticas e atividades tradicionais das áreas protegidas, não podendo contribuir para afastar as populações das áreas e valores a proteger.
Há muitos anos que sucessivos governos, quer do PS, quer do PSD/CDS, a coberto de uma suposta defesa dos valores naturais, procuram expulsar as comunidades locais das ilhas-barreira da Ria Formosa, assim como limitar ou mesmo eliminar o direito das populações à utilização dessas ilhas-barreira como espaço de residência, de desenvolvimento da sua atividade económica e também como espaço de lazer e fruição, com o objetivo – nunca declarado – de entregar este valioso património natural aos grandes interesses privados para que estes os explorem em seu benefício.
Assim, a renaturalização das ilhas-barreiras não passa de um mero pretexto para entregar uma das mais valiosas parcelas da orla costeira nacional (das poucas que escaparam no Algarve) à avidez dos grandes grupos económicos, sacrificando os direitos das populações, os seus hábitos e meios de subsistência e a própria conservação da natureza a esse objetivo.
Recentemente, por intermédio da Sociedade Polis Litoral Ria Formosa, o Governo acelerou a ofensiva contra as comunidades locais das ilhas-barreira, dando início ao processo de demolições de habitações, primeiro nos ilhotes e na península do Ancão e posteriormente nos núcleos da Culatra, do Farol e dos Hangares da ilha da Culatra.
Quando se exigiam intervenções no sentido de proteger e salvaguardar os recursos e valores naturais, de proteger a orla costeira de processos de erosão e de melhorar o funcionamento do sistema lagunar por via de dragagens, quando se exigiam investimentos na requalificação das zonas edificadas nas ilhas-barreira, quando se exigia o apoio às atividades económicas e em particular às atividades de pesca e marisqueio de que dependem milhares de famílias, o Governo opta por gastar milhões de euros do erário público em demolições de habitações.
Na realidade, todas as intervenções anunciadas com pompa e circunstância aquando da criação da Sociedade Polis Litoral Ria Formosa resumem-se às demolições, visando expulsar as comunidades locais das ilhas-barreira da Ria Formosa para abrir caminho à "renaturalização" destas ilhas e posterior entrega aos grandes interesses privados num percurso que contou com a ativa promoção e envolvimento dos governos PS e PSD/CDS.
O Grupo Parlamentar do PCP apresentou recentemente o Projeto de Resolução n.º 1253/XII/4.ª – “Pela suspensão das demolições nas ilhas-barreira da Ria Formosa”, discutido no dia 4 de março na Comissão de Ambiente, Ordenamento do Território e Poder Local e votado dois dias depois em sessão plenária da Assembleia da República, tendo sido rejeitado pelos deputados do PSD e do CDS (incluindo os deputados destes partidos eleitos pelo Algarve).
Apesar do chumbo pela maioria parlamentar, a iniciativa do PCP possibilitou a mobilização de centenas de moradores das ilhas-barreira da Ria Formosa que se deslocaram a Lisboa para, nas galerias da Assembleia da República e no largo em frente do Parlamento, expressarem a seu veemente repúdio pela decisão do Governo de demolir as suas casas. Esta foi uma importante etapa na luta para derrotar o processo, iniciado pelo anterior governo do PS e que o atual governo do PSD/CDS pretende concretizar, de expulsão das comunidades locais das ilhas-barreira da Ria Formosa, assim como de limitação do direito das populações à utilização dessas ilhas-barreira como espaço de lazer e fruição.
Entretanto, os grupos parlamentares do PSD e do CDS apresentaram no passado dia 6 de março o Projeto de Resolução n.º 1292/XII/4.ª com o único objetivo – obviamente não declarado pelos signatários – de tentar dividir e desmobilizar a justíssima luta das populações, ganhando tempo para ir prosseguindo com a destruição de habitações e expulsão das comunidades locais. Mas esta «manobra» do PSD e do CDS não consegue esconder o facto de o Governo PSD/CDS manter a sua intenção de continuar com as demolições de habitações na Ria Formosa, sacrificando as populações, para servir os interesses dos grandes grupos económicos que pretendem apropriar-se do património natural da Ria Formosa e explorá-lo em seu proveito.
Rejeitando liminarmente esta opção do Governo e da maioria PSD/CDS, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP, nos termos regimentais e constitucionais aplicáveis, propõem que a Assembleia da República adote a seguinte resolução:
Resolução
A Assembleia da República recomenda ao Governo que:
1. Reconheça o valor social, económico e cultural dos núcleos urbanos do sistema das ilhas-barreira da Ria Formosa e adote as medidas necessárias à preservação das comunidades aí existentes, em particular suspendendo, de imediato, as demolições de habitações na Culatra, nos Hangares, no Farol, na península do Ancão e nos ilhotes da Ria Formosa.
2. Proceda à requalificação dos núcleos urbanos e dos espaços balneares das ilhas-barreira da Ria Formosa, melhorando as condições de vida das comunidades residentes nessas ilhas-barreira e garantindo o direito de fruição desses espaços por parte das populações locais e dos turistas que visitam a região.
3. Proceda à requalificação do sistema lagunar da Ria Formosa, nomeadamente, através das seguintes medidas:
a. Reforço dos meios financeiros e humanos dos organismos públicos responsáveis pela proteção e conservação da Ria Formosa, assim como dos organismos de Estado responsáveis pela monitorização laboratorial da qualidade da água da Ria Formosa;
b. Levantamento exaustivo das fontes de poluição e de deterioração da qualidade da água na Ria Formosa e adoção de medidas à eliminação dessas fontes de poluição;
c. Realização das dragagens na Ria Formosa, visando a melhoria das condições de escoamento e da qualidade da água, assim como de navegabilidade;
d. Ações de proteção da orla costeira de processos de erosão.
4. Apoie as atividades económicas desenvolvidas na Ria Formosa e implemente uma política de promoção de fileiras produtivas em torno das pescas e da produção e apanha de moluscos bivalves, que potencie a criação de emprego, o desenvolvimento da indústria, o respeito pelo meio ambiente e a melhoria das condições de vida dos trabalhadores e das populações.

Assembleia da República, em 12 de março de 2015

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