Intervenção de Rita Rato na Assembleia de República

Novos e velhos problemas na abertura do ano lectivo

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Declaração política a propósito da abertura do ano lectivo, tecendo críticas à política educativa seguida pelo Governo e dando conta da apresentação de um conjunto de propostas no sentido de garantir a todos os portugueses o acesso à educação, nomeadamente através de um projecto de lei que contemple a gratuitidade de todo o ensino público, com distribuição gratuita dos manuais escolares no ensino obrigatório já no presente ano lectivo

Sr. Presidente,
Srs. Deputados: A abertura do novo ano lectivo trouxe os velhos problemas de outros anos, aos quais acrescem outros, criados nos últimos meses pelo Ministério da Educação. Ao contrário da propaganda do Governo PS, nem pais, nem estudantes, nem funcionários, nem tão-pouco os professores têm razões para sorrir.
Despedimo-nos do ano lectivo anterior sem saudades da precariedade e do desemprego dos trabalhadores deste sector e de uma política educativa que nos últimos cinco anos abriu o período mais negro da escola pública desde o 25 de Abril. Despedimo-nos com o Governo a impor um reordenamento da rede escolar contra tudo o que são critérios objectivos e contra todos os que lutaram para que a sua voz fosse ouvida.
Chegamos à abertura do ano lectivo 2010/2011 com o Governo PS a avançar como um bulldozer: enterrou 4 resoluções da Assembleia da República que exigiam a suspensão deste processo; fechou mais de 700 escolas e criou 86 mega-agrupamentos impostos à comunidade educativa e preparados durante as férias, baseado em razões economicistas e classistas que visam desinvestir na educação e desfigurar a escola pública.
A instalação e funcionamento destes mega-agrupamentos é uma odisseia: existirão departamentos pedagógicos com mais de 70 professores; o crédito de horas para apoiar alunos com dificuldades reduz-se drasticamente — no mega-agrupamento de Castro Daire, de 220 horas passam a existir 18 horas!
Para este Governo modernização tecnológica é fechar mais de 3500 escolas desde 2005. Manda o primado pedagógico, social e de desenvolvimento regional para as urtigas e avança na
desertificação do País.
Mas transita também do ano lectivo anterior o ataque aos professores: a desvalorização da carreira, a precariedade, os baixos salários, o desemprego. Desde 2007 por cada 38 professores que saíram do quadro por aposentação, entrou 1. As necessidades permanentes das escolas com professores, técnicos especializados, funcionários, são preenchidas com o recurso generalizado e ilegal à precariedade.
Contra os direitos laborais dos professores, o Governo PS insiste em manter este modelo de avaliação porque sabe que é um travão administrativo da progressão na carreira, promove o desemprego e institui a precariedade como regra; os horários de trabalho desumanos transformam os professores em tarefeiros administrativos, a substituir a componente pedagógica e lectiva; aumenta o número de alunos por turma, inclusive nas que integram alunos com necessidades educativas especiais; o modelo de gestão escolar é menos participativo e menos democrático.
De norte a sul do País multiplicam-se exemplos como estes: na EB1 de São Bartolomeu, em Coimbra, existem 2 funcionários para cerca de 80 alunos, muitos com necessidades educativas especiais e, apesar de ser a escola de referência do distrito para educação bilingue, há falta de formadores de língua gestual e terapeuta da fala.
Na Escola Básica Integrada 1.º, 2.º e 3.º ciclos Quinta da Boa Água, em Sesimbra, para 800 alunos existem 3 funcionários! Abriu a escola, mas não tem quadro de pessoal que garanta o seu funcionamento. O Governo só autoriza recurso a contratos de emprego-inserção ou ao regime de horas (com horários de trabalho de 3 horas e meia por 3 € à hora).
Os custos do ensino não param de crescer todos os anos, mas a acção social escolar, que era pouca, com os cortes nas prestações sociais é quase nada — chegou tarde e a más horas. O que devia ser um instrumento para concretizar a igualdade de oportunidades é um apoio claramente insuficiente para muito poucos que conseguem ter acesso. É uma ofensa às famílias os «aumentos» insignificantes de 10 cêntimos até 1,60 € de comparticipação para os manuais escolares e a decisão de manter inalteráveis os valores para o material escolar e o alojamento. É uma ofensa anunciar que estudantes do secundário vão receber 135 € para manuais escolares, sem dizer que são apenas os que têm escalão A e se encontram no 1.º escalão do abono de família. São estudantes cujo rendimento mensal do agregado familiar é de 209 €!
Os cortes nas prestações sociais no ensino superior vão afastar milhares de estudantes das bolsas de acção social escolar e diminuir drasticamente o seu reduzido valor. É uma política de desresponsabilização do Estado que obriga milhares de estudantes a endividarem-se contraindo empréstimos bancários para ter acesso ao ensino superior. Só nos últimos anos, o valor das propinas aumentou mais de 300% por via do subfinanciamento crónico.
O PCP recusa-se a assistir a este rumo e apresentará um conjunto de propostas no sentido de garantir a todos os portugueses o acesso à educação, nomeadamente através de um projecto de lei que contemple a gratuitidade de todo o ensino público, com distribuição gratuita dos manuais escolares no ensino obrigatório já no presente ano lectivo. Também já apresentámos a apreciação parlamentar do ECD (Estatuto da Carreira Docente), com propostas de valorização da progressão na carreira e estabilidade do corpo docente.
Bem pode continuar a zanga de comadres em torno da escola pública e das responsabilidades do Estado.
Que fique bem claro que o PS tem feito no Governo o que critica no projecto de revisão constitucional do PSD: a liquidação da escola pública e democrática.
A vida demonstra que, se fosse fácil liquidar a escola pública, a escola de Abril, há muito que o PS, o PSD e o CDS já o teriam feito. Ontem como hoje, podem estar certos de que, contando com a oposição e a denúncia do PCP, contarão seguramente com a luta dos professores, dos trabalhadores do sector, dos estudantes, dos pais, que não abdicam de defender o direito de acesso ao conhecimento através de uma escola pública universal, gratuita, de qualidade e democrática.
(…)
Sr. Presidente,
Começo por agradecer ao Sr. Deputado do CDS a questão que colocou ao Grupo Parlamentar do PCP.
Sr. Deputado, de facto, todos os partidos da oposição estiveram contra este reordenamento da rede. Foram aprovados quatro projectos de resolução nesta Assembleia da República e foram simbolicamente metidos na gaveta pelo Governo, que, de norte a sul do País, avançou como um bulldozer e encerrou 700 escolas. Crianças de seis anos vão ter que sair de casa às 7 horas da manhã e chegar a casa de noite, faça chuva ou faça sol, à beira da estrada, à espera que chegue o autocarro ou o táxi para as levar à escola.
Creio que isto é bem revelador da realidade que temos e da situação a que este Governo nos conduziu.
Mas também é reveladora a luta e a importância da luta dos autarcas, dos pais, dos professores, que, contra esta medida, vão continuar a fazer ouvir a sua voz e a exigir o direito à educação em condições dignas para os seus filhos.
Sobre a questão, que me colocou, da acção social escolar e do ridículo aumento de comparticipação para os manuais de acção social escolar, devo dizer que ridicularia semelhante só me lembro do vídeo da Ministra da Saúde, o qual, de facto, nos merece a maior estranheza e a maior ridicularia. Estamos a falar de aumentos de 10 cêntimos a 1,60 € na compra dos manuais escolares, quando houve, nos últimos anos, um aumento fulcral no preço dos livros. Falamos de 625 € por ano, em média, por cada estudante no ensino secundário.
O PCP entende que todos os estudantes devem ter direito à escola pública de forma gratuita,
nomeadamente aos manuais escolares. Por isso, apresentámos, na sessão legislativa anterior, o projecto de lei que garantia este direito, este importante instrumento de trabalho a todos os alunos, independentemente das suas condições económicas, e em relação ao qual, infelizmente, não tivemos a aprovação do CDS.
A questão é esta: quando apresentámos este projecto de lei, fizemos as contas e deu qualquer coisa como menos de 1% do orçamento total do Ministério da Educação. Por isso, quando o CDS vem perguntar se o PCP está disponível para aprovar o diploma do CDS, eu retribuo a pergunta: o CDS está disponível para fazer aprovar uma proposta da maior justiça social, que é reconhecer o direito a todos os estudantes deste País de terem acesso a manuais escolares,
quando isto representa tão pouco, isto é, menos de 1% do orçamento global do Ministério da Educação, Sr. Deputado?
(…)
Sr. Presidente,
Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia,
Agradeço a questão que me colocou.
De facto, o Governo, ao mesmo tempo que inaugurou escolas, encerrou, desde 2005, mais de 3500 escolas por todo o País.
O Governo preferiu fechar, cortar e encerrar, em vez de criar condições objectivas de modernização tecnológica e condições mínimas de dignidade em todas as escolas.
Srs. Deputados, permitam-me que partilhe um contacto que recebemos de um pai que, após fazer a préinscrição da filha numa escola do pré-escolar, lhe foi sugerido que aqui, no concelho de Lisboa, pudesse inscrever a filha em mais quatro escolas para o caso de não conseguir vaga. E assim o fez. Qual foi o espanto deste encarregado de educação quando, no último dia de inscrições, foi informado que a filha, de facto, conseguiu vaga na Escola do Parque das Nações/Sul, mas a escola ainda não está construída. Portanto, até a escola estar construída, o pai só tinha de procurar uma vaga numa creche privada. Mas a creche custa 436 € por mês e, pelo menos até Dezembro, segundo foi informado pelos serviços da escola, este pai, como todos
os outros pais que têm necessidade extrema de uma vaga na rede pública do ensino pré-escolar, vai ter de «abrir os cordões à bolsa» (uma bolsa já muito vazia) e pagar 436 € por mês.
Esta situação é inadmissível quando temos um Governo do Partido Socialista que todos os dias vem à televisão e aos jornais gabar-se de defender o Estado social. Este é o Governo que, ao mesmo tempo que se zanga todos os dias com o PSD numa zanga de comadres, faz, na prática e enquanto política educativa, o que o PSD propõe em matéria de revisão constitucional.
O PCP continuará sempre a defender o reforço da rede pública de ensino préescolar, bem como de outros níveis de ensino, o que nas grandes cidades é uma necessidade muito importante para a maioria das famílias. O Partido Socialista pode também continuar a contar com a oposição
do PCP quando o Governo insiste em não aumentar realisticamente e de forma efectiva a acção social escolar.
(…)
Sr. Presidente,
Sr.ª Deputada Paula Barros,
Agradeço a questão que nos colocou.
Bem podem o Grupo Parlamentar do Partido Socialista e o Governo vir falar de responsabilidade, porque têm, de facto, responsabilidade. Têm responsabilidade na destruição da escola pública, da escola de Abril, da escola que tem como objectivo democratizar o acesso, independentemente da condição económica, a todos os estudantes. Nesta matéria, existe uma responsabilidade maior de todos os sucessivos governos, que, seguindo exactamente as mesmas pisadas dessa política educativa, têm contribuído para a desfiguração da escola pública, fundamentando-se em objectivos economicistas que têm em vista não a modernização
tecnológica mas a poupança à custa dos salários da maioria dos portugueses e da redução do défice. No entanto, a redução do défice nunca pode ser feita limitando o acesso à educação, fechando escolas ou impedindo que os estudantes tenham o direito de frequentar escolas no seu concelho e na sua freguesia. Este é um retrocesso histórico que ficará para sempre marcado na política educativa do Partido Socialista.
Se me permite, Sr.ª Deputada, a propósito da questão que colocou, a do reordenamento da rede escolar, gostaria ainda de dizer que foi, de facto, vergonhoso e muito triste para a história da escola pública em Portugal que o Governo do Partido Socialista, depois de promulgar cartas educativas municipais, tenha adoptado um reordenamento do território que rasga, espezinha e coloca na gaveta todas as cartas que foram discutidas com as autarquias e com os parceiros locais.
Percebo que é difícil hoje, aqui, a sua intervenção, Sr.ª Deputada. A escola pública atravessa momentos de agonia, mas certamente podem contar com a luta dos professores, dos estudantes, dos pais e dos funcionários na defesa de uma escola pública de carácter democrático, igualitário e universal.
(…)
Sr. Presidente,
Sr. Deputado Pedro Duarte,
Agradeço as questões que colocou.
De facto, a acção social escolar devia garantir a igualdade de oportunidades e, hoje, assistimos a uma grande dificuldade, aliás, a uma odisseia praticamente inacessível à maioria das famílias e dos estudantes para terem direito a este tipo de apoio. Estamos a falar da acção social escolar no ensino secundário. Um agregado familiar em que os dois membros recebam o salário mínimo nacional e tenham dois filhos não tem qualquer tipo de apoio para a aquisição de manuais escolares ou para a alimentação. É disto que estamos a falar.
O Governo orgulha-se tanto dos 135 € para o ensino secundário quando quem recebe 135 € são
estudantes do ensino secundário cujo rendimento do agregado familiar é de 209 € mensais. Isto é fazer propaganda com a miséria das pessoas, e para isso não contem com o PCP!
É, de facto, uma vergonha reconhecer que existem famílias em Portugal que sobrevivem com 209 € mensais e que têm um apoio de 135 € para manuais escolares! É uma vergonha!
Se me permite, e porque falou de um aspecto importante, o dos computadores Magalhães, na abertura da 2.ª Sessão Legislativa e início do ano lectivo, não posso deixar de fazer referência aos trabalhadores da JP Sá Couto. São quase todos jovens trabalhadores com contrato precário. A empresa tinha perspectiva de novas encomendas, mas todos os contratos dos trabalhadores eram temporários. Trabalhavam a temperaturas muito superiores ao que é permitido pela lei, trabalhavam sem as mínimas condições de dignidade e foi a luta destes trabalhadores por melhores condições de trabalho e por aumentos salariais que levou à intervenção do sindicato no sentido de obrigar a que a entidade patronal cumprisse a contratação colectiva e lhes aumentasse o salário.
Quando o Governo se vem gabar dos Magalhães e da modernização tecnológica, muitas vezes o que está por detrás disto são linhas de montagem da precariedade, jovens trabalhadores que têm a sua vida hipotecada, mas que, também pela força da sua luta, têm tido importantes vitórias.
Por isso, o PCP deixa uma palavra de solidariedade com a luta destes trabalhadores e de ânimo para continuação da defesa do direito a uma vida melhor para todos.
(…)
Sr. Presidente,
Sr.ª Deputada Ana Drago,
De facto, o Governo inaugurou escolas, muitas escolas foram construídas; no entanto, no ano lectivo anterior, a Escola Básica Integrada 1.º, 2.º e 3.º ciclos Quinta da Boa Água, em Sesimbra, funcionava parcialmente.
O Governo, respondendo a uma pergunta do PCP sobre a inexistência de quadro de pessoal naquela Escola, disse que era preciso perceber as necessidades em termos de recursos humanos e que só agora, com a escola a funcionar a 100%, seriam criadas as condições que permitiam saber quantos funcionários seriam necessários. A Escola abriu, o ano lectivo começou, mas a Escola mantém-se, para 800 alunos, com 3 funcionários. A Direcção Regional de Educação de Lisboa (DREL) não autorizou a abertura de concurso público, o que autorizou foi, mais uma vez, o recurso aos contratos de emprego-inserção. Isto, trocado por miúdos, é mais ou menos o mesmo que um desempregado estar na escola 12 meses, cumprir a sua tarefa, adquirir a sua formação profissional e, ao fim de 12 meses, ser deitado fora.
Portanto, toda a sua formação profissional adquirida, todo o conhecimento que tem do dia-a-dia da escola, toda a ligação que tem com os alunos e com a comunidade educativa é desperdiçada.
Para além disto, há uma realidade bem visível de precariedade e de recurso ilegal à precariedade pelo facto de existirem nas escolas funcionários que, para horários de três horas e meia por dia, recebem 3 € à hora.
É, de facto, inadmissível que, no século XXI, o Governo do Partido Socialistas se orgulhe de confrontar os trabalhadores com este grau de exploração e de humilhação, tendo em conta as necessidades que existem.
Perante necessidades permanentes de professores, técnicos especializados em territórios educativos de intervenção prioritária, funcionários, psicólogos, o que têm a oferecer à escola pública e a todos estes profissionais é precariedade. Precariedade ano lectivo após ano lectivo.
Por isso, o PCP, mais uma vez, aqui, na Assembleia da República, mas também nas ruas e nas escolas, vai lutar contra esta política educativa, que não serve os interesses da escola pública e que apenas contribui para o aprofundamento das desigualdades sociais e para a destruição da escola de Abril.

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