Projecto de Resolução N.º 606/XII-2ª

As novas regras da faturação e a comunicação dos elementos das faturas emitidas

As novas regras da faturação e a comunicação dos elementos das faturas emitidas

A entrada em vigor das normas previstas no Decreto-Lei n.º 198/2012, de 24 de Agosto, veio introduzir novas regras para a faturação e novos procedimentos de comunicação dos elementos das faturas emitidas, aumentando o conjunto de obrigações e exigências, e respetivos custos administrativos, à generalidade das micro, pequenas e médias empresas (MPME).

As alterações a esta legislação vieram impor às MPME um conjunto de obrigações que, como é público, geraram uma elevada instabilidade e a assunção de novos encargos, resultantes da ausência de critérios económicos e fiscais nas novas regras, bem como da falta de informação sobre o real alcance das alterações introduzidas. Mais uma vez se evidenciou a postura arrogante do Governo, que ignora as opiniões e sensibilidades dos representantes da MPME, dos diferentes sectores e dos profissionais de contabilidade.

As alterações na faturação introduzidas com o decreto-lei são desproporcionadas e assumem uma postura de desconfiança do Governo em relação aos MPME, responsabilizando-os pelo elevado grau de fuga e evasão fiscal. Dessa forma, o Governo pretende desresponsabilizar-se das suas opções políticas, que permitem a fuga e evasão fiscal dos grandes grupos económicos e financeiros e as práticas abusivas de planeamento fiscal, profundamente lesivas da fazenda pública e que conduzem à sobrecarga tributária que recai sobre os trabalhadores e os MPME.

Nos últimos anos, os sucessivos governos têm vindo a acentuar esta opção política assente na responsabilização dos MPME pela fuga e evasão fiscal, iludindo a opinião pública ao não distinguir níveis de informalidade, de subsistência, com a criminalidade financeira, com o branqueamento de capitais e com os «esquemas» e engenharias financeiras de planeamento fiscal, apenas acessível aos grandes grupos económicos e financeiros e às grandes fortunas.

Ficamos esclarecidos, quando se cotejam estas novas regras de facturação, apresentadas como o alfa e o ómega do combate à evasão fiscal, e o silêncio e cumplicidade com que é tratado o que veio a lume sobre as “atribulações” fiscais de um grande banqueiro da nossa praça, onde é elemento central, as amnistias fiscais conhecidas como Regimes Especiais de Regularização Tributária (RERT) – e já vamos em três (2005, 2010, e 2012) destinadas a legalizar exportação ilegal de capitais para offshores e a lavagem de capitais, ao preço de taxas módicas de imposição fiscal!

Esta opção tem-se revelado numa constante alteração do quadro tributário, dos procedimentos e obrigações tributárias dirigidos aos MPME. Esta crescente instabilidade fiscal, concretizada ano após ano com a aprovação da Lei do Orçamento do Estado, tem sido responsável pelo agravamento dos custos administrativos da generalidade das MPME, não representando um ganho de eficiência fiscal proporcional.

Estas constantes alterações têm vindo a ser denunciadas pelos próprios MPME e pelos profissionais da contabilidade, entre os quais se destacam os técnicos oficiais de contas. Às denúncias do mau funcionamento do sítio da administração fiscal e das respetivas aplicações, essenciais para o cumprimento das obrigações em constante mutação, não permitindo a consolidação dos procedimentos e das aplicações, acrescem os erros e omissões na legislação e orientações que vão sendo alteradas, reflexo da postura arrogante do Governo, também presente na política fiscal.

Este conjunto de erros e omissões resultam em oportunismos que se concretizam em sobrecustos para muitas MPME. Perante o esperado e muito divulgado pânico que se gerou entre os empresários, nomeadamente em setores de atividade com grandes especificidades, o Governo optou por ignorar e desvalorizar os apelos à razoabilidade oriundos de quem estava a ser confrontado com os problemas e a pressão de aquisição de equipamentos e de software.

O resultado está presente em dezenas de testemunhos de MPME que optaram por adquirir equipamentos e software aparentemente desnecessário ou optaram por encerrar as portas dos seus estabelecimentos pela incapacidade em fazer face a novo investimento, em muitos casos aparentemente desnecessário, assim como na dificuldade que os quadros da administração fiscal têm tido em responder às muitas dúvidas que muitos MPME e técnicos de contabilidade têm colocado nas iniciativas de esclarecimento que, um pouco por todo o País, as associações empresariais têm promovido.

De facto, nas últimas semanas, têm sido publicados no sítio da Autoridade Tributária ofícios-circulados, portarias, esclarecimentos, que procuram criar interpretações legais como resposta às inconsistências, incoerências e lacunas da própria lei.

Setores como o pequeno comércio a retalho, pequenos estabelecimentos, mercearias, padarias, cafés e restaurantes, e os feirantes, em geral, têm sido confrontados com dúvidas que, em muitos casos, conduziram para investimentos excessivos ou soluções que não asseguram o efetivo cumprimento das novas exigências legais.

Por outro lado, muitos dos que, segundo a própria lei, efetivamente necessitavam de atualizar o software ou adquirir novos equipamentos de faturação ficaram dependentes da incapacidade de resposta em tempo útil das empresas fornecedoras presentes no mercado. Na prática, por manifesta limitação da capacidade de resposta do mercado, estas empresas estão sujeitas às sanções previstas na lei que as ações inspetivas anunciadas pelo Governo poderão gerar.

Perante o apelo da generalidade das MPME e suas organizações para o estabelecimento de um período de ação pedagógica por parte da administração fiscal, a resposta pública do Governo tem sido a simples reafirmação da data de entrada em vigor das novas regras – 1 de janeiro de 2013 – e para a concretização de ações inspetivas como forma de «apanhar» os prevaricadores.

Entretanto, com a aproximação do período de envio das faturas eletrónicas para a administração fiscal, persistem dúvidas sobre este procedimento, bem como para segurança da preservação da privacidade e do segredo comercial da informação prestada, tanto nas relações entre empresas como no próprio retalho. De que modo, em que situações concretas e por quem esta informação poderá ser utilizada? Estas são questões que carecem de resposta e garantias.

Nestes termos, e tendo em consideração o acima exposto, ao abrigo da alínea b) do Artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do número 1 do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adote a seguinte

Resolução

A Assembleia da República, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, resolve recomendar ao Governo:

1. Que conceda um período de transição, até 31 de Dezembro de 2013, na aplicação das novas regras de faturação, de modo a permitir a regularização da situação dos MPME que ainda não sejam capazes de as cumprir devido aos atrasos na entrega de novos equipamentos de faturação ou manifesta incapacidade técnica ou desconhecimento para responder às exigências legais;

2. Que durante este período de transição a Autoridade Tributária proceda à necessária clarificação das novas regras da faturação, procedendo às necessárias alterações legislativas e à sistematização dos novos procedimentos e obrigações, com destaque para a resolução das dúvidas e casos que entretanto foram sendo denunciados, nomeadamente aqueles em que as novas obrigações apresentam uma forte desproporcionalidade, face aos objetivos enunciados com a aprovação do Decreto-Lei n.º 198/2012, de 24 de Agosto;

3. Que durante este período as ações inspetivas da Autoridade Tributária se concentrem numa perspetiva pedagógica e de ajuda aos MPME que, perante a lei, se encontrem em situação de incumprimento, a par de uma campanha informativa e de esclarecimento em parceria com as associações empresariais;

4. Que sejam suspensos os processos de contraordenação ainda não concluídos e amnistiadas coimas já aplicadas, resultantes de operações de fiscalização realizadas até à data;

5. Que proceda à auscultação das MPME, dos profissionais da contabilidade e respetivas organizações representativas com o objetivo de adequar as regras da faturação e de comunicação de elementos de fatura com a realidade dos sectores e do tecido empresarial com os objetivos de transparência e de combate à fuga e evasão fiscal;

6. Que seja criado um benefício fiscal resultante do investimento em novos equipamentos;

7. Que, perante as novas obrigações de comunicação dos elementos das faturas emitidas, seja devidamente acautelada a privacidade dos dados das relações comerciais e o respetivo segredo fiscal das empresas, impedindo a possibilidade de, a partir dos dados recolhidos, se desenvolverem práticas comerciais abusivas, bem como uma ação desproporcionada por parte do Estado em relação às obrigações tributárias das empresas.

Assembleia da República, em 8 de Fevereiro de 2013

  • Economia e Aparelho Produtivo
  • Assembleia da República