Intervenção de Carla Cruz na Assembleia de República

A nova ofensiva contra o Setor Público da Comunicação Social é um ataque à Democracia

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Declaração política acusando o Governo de ter contribuído para que o serviço público de rádio e televisão (RTP) e o serviço noticioso e informativo de interesse público (Lusa-Agência de Notícias de Portugal) estejam cada vez mais enfraquecidos
Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
Passados dois anos de Governo, o serviço público de rádio e televisão (RTP) e o serviço noticioso e informativo de interesse público (Lusa-Agência de Notícias de Portugal) estão cada vez mais enfraquecidos devido às indefinições sobre o modelo de serviço público pretendido, ao estrangulamento financeiro, ao desmantelamento das delegações e dos centros regionais e à precarização dos vínculos dos trabalhadores da RTP e da Lusa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, façamos o exercício da evocação dos principais acontecimentos ocorridos nestes dois anos que incidiram sobre a RTP e a Lusa.
No decurso destes dois anos, foram vários os modelos e as conceções que saíam do estudo que cada ministro encomendava sobre a RTP. Mas, no fundamental, todas as conclusões vão no sentido de desmantelar e de destruir o serviço público plural, independente, que proceda à divulgação da cultura e da língua portuguesas, que salvaguarde e garanta a coesão e a soberania nacional.
Primeiro, foi defendida e apresentada ao País como inevitável a privatização da RTP, depois a concessão de um dos canais, mantendo-se o outro na esfera pública. A cada novo modelo apresentado os Deputados do PSD apressavam-se a elogiar e a afirmar que «agora, sim, vamos resolver os problemas da RTP!».
Afastada por agora a privatização, o desmantelamento da RTP prossegue através do plano de desenvolvimento e redimensionamento apresentado pelo Conselho de Administração e sufragado, mais uma vez, pelo Governo e pelo PSD.
Com a saída do Ministro Relvas e a entrada do Ministro Poiares Maduro, depois de «baralhar e voltar a dar», eis que é conhecido mais um modelo de governo da RTP e o contrato de concessão de serviço público para a rádio e televisão.
Como afirmou o Sr. Ministro, trata-se de um contrato de concessão de serviço público «simplista». Porém, não se trata de uma proposta simplista, mas sim de um conjunto de «serviços mínimos» que são impostos ao serviço público de rádio e televisão.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, a proposta de contrato que o Sr. Ministro apresentou ao Parlamento mais não é do que a consumação dos alertas e avisos que o PCP tem feito no decurso destes dois anos: um ataque ao serviço público de rádio e televisão, um ataque aos trabalhadores, um ataque a um pilar da democracia que é o serviço público de rádio e televisão.
A proposta de contrato de concessão de serviço público, ao contemplar o fim da produção própria, está a sentenciar o fim da rádio e da televisão pública, tal como a conhecemos e defendemos.
Ao restringir a produção própria ao domínio da informação, esta proposta de contrato de concessão rasga os princípios basilares que sustentam um serviço público de rádio e televisão e que estão consagrados na legislação, entre outros, a promoção e formação cultural da língua e da diversificação.
Não há um serviço público de rádio e televisão sem produção própria! O fim da produção própria na RTP vai levar à destruição de 300 postos de trabalho — número confirmado pelo Conselho de Administração aos sindicatos —, empurrando mais trabalhadores para a situação de desemprego e, desta feita, para engrossar o número de portugueses que não têm trabalho.
Para os que ficam restará a precariedade. Para além disto, o fim da produção própria representa a eliminação de uma capacidade essencial para a sustentação da RTP.
Mas não é só a televisão que é fortemente penalizada com esta proposta de contrato de concessão de serviço público; também a rádio está envolta em incertezas e ameaças. Desconhece-se o destino dos centros regionais, que são o garante do cumprimento da coesão territorial e nacional, e também não fica claro, nem parece estar salvaguardado, o património e a riqueza da rádio.
Se o fim da produção própria conduz a inquietudes e incertezas quanto ao fim do serviço público de rádio e televisão, a confirmação da alteração do modelo de financiamento, o fim da indemnização compensatória, confirmado na proposta de Orçamento do Estado para 2014, ontem entregue aqui no Parlamento, passando a RTP apenas a receber o financiamento por via das receitas da publicidade e da contribuição do audiovisual aumentam as preocupações do PCP quanto ao futuro do serviço público de rádio e televisão.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em síntese, a proposta de contrato de concessão de serviço público do Ministro Poiares Maduro reduz o serviço público de rádio e televisão a um cardápio de «serviços mínimos» que colide com o que está consagrado na lei.
Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
Os tempos de indefinição, de incerteza e de desmantelamento do serviço público também afetam a Lusa. Por força dos cortes orçamentais, a empresa encerrou delegações, precarizou vínculos laborais dos correspondentes nacionais e internacionais e despediu trabalhadores.
Esta situação é incomportável e afeta, indelevelmente, o cumprimento das obrigações de serviço público a que a Lusa está obrigada.
O PCP rejeita liminarmente os cortes no financiamento do serviço público.
A manter-se a situação inscrita na proposta de Orçamento do Estado para 2014, inviabilizar-se-á a prossecução dos objetivos do serviço público de rádio e televisão e levar-se-á à liquidação do papel insubstituível que legalmente está atribuído à agência de notícias Lusa, prestadora de serviço noticioso e informativo de interesse público.
Para o PCP não é possível assegurar aos cidadãos serviços públicos de rádio e televisão e informação noticiosa em qualidade, quantidade e extensão sem a atribuição das correspondentes contrapartidas por parte do Estado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O balanço destes dois anos de Governo é desastroso para Portugal, para os portugueses e para o serviço público de comunicação social.
O cenário de destruição do serviço público de rádio e televisão terá, certamente, resposta dos portugueses, dos democratas e de todos os que compreendem a importância democrática da existência de um serviço público de rádio e de televisão.
(…)
Sr. Presidente,
Quero, em primeiro lugar, agradecer ao Sr. Deputado Pedro Delgado Alves as questões que colocou.
Gostaria de dizer que este contrato de concessão de serviço público mostra uma certeza: a certeza de que este Governo pretendia desmantelar o serviço público de rádio e televisão e também desmantelar o importantíssimo serviço público que é prestado pela agência Lusa. A única coisa de que não tínhamos a certeza era o modo, era como é que esse desmantelamento iria acontecer, ora pela privatização, ora pela concessão.
A certeza que temos — e hoje confirma-se isso — é, de facto, a da vontade do Governo do PSD de desmantelar um serviço público de rádio e televisão com todas as implicações que isso tem para a democracia, para a informação, para os trabalhadores do serviço público de rádio e televisão e, no concreto, também para os trabalhadores da Lusa.
É preciso aqui dizer, claramente, que a Lusa presta um serviço público essencial à população portuguesa e às comunidades que estão no estrangeiro, mas, em contrapartida, aquilo que tem vindo a ser feito, por redução orçamental, por não resolução de um problema, que é a introdução no contrato para 2013-2015 de um fator de correção que roubou à Lusa cerca de um milhão de euros — problema que o ministro Miguel Poiares Maduro tende a não resolver —, é que se está a destruir um serviço que é fundamental, que é essencial e a verdade é que os trabalhadores da Lusa, os trabalhadores da RTP, os trabalhadores da rádio pública portuguesa estão hoje em piores condições.
É este, de facto, o caminho que o Governo tem prosseguido com todos os trabalhadores e também com os que estão na área da comunicação social.
Relativamente à manobra do financiamento, da transferência, do pagamento através da CAV, ficou claro para o Partido Comunista Português que este não é o financiamento sustentável, que não cumpre as funções do serviço público. E isto é tão claro que o próprio presidente do conselho de administração disse na 12.ª Comissão que a forma de financiamento, quer pela publicidade quer pela CAV, era insuficiente para o serviço público de rádio e televisão. Apenas será possível se, efetivamente, se cumprirem estes serviços mínimos para o serviço de rádio e televisão portuguesa.
(…)
Sr. Presidente,
Sr.ª Deputada Cecília Honório,
Agradeço as questões que colocou e, sobretudo, a reflexão que fez em torno do serviço público de rádio e televisão.
Para o PCP é claro que não há serviço público de rádio e televisão sem produção interna, sem produção própria. A produção própria é uma marca do serviço público de rádio e televisão, mas só é possível fazer esse serviço público, essa produção, com trabalhadores, trabalhadores que este contrato de concessão de serviço público delapida. É isto que está em jogo! É isto que está em causa!
Se me permitem a expressão, à laia daquilo que o Ministro Poiares Maduro diz, de apoiar a produção independente, aquilo que se está, de facto, a fazer é uma delapidação de um património que é o serviço público de rádio e televisão, um património de qualidade do serviço, um património dos trabalhadores, um património que tem a ver com o arquivo, com os canais… É importante salvaguardar tudo isso, mas isso só é salvaguardado com um financiamento adequado.
Para o PCP, voltamos a reafirmá-lo aqui, só é possível a prestação desse serviço com a indemnização compensatória. O Estado tem de assegurar um serviço público de rádio e televisão e tem de o fazer dando os meios, nomeadamente os meios financeiros, à concessionária, à RTP. Para isso, de facto, não basta a CAV, não basta a publicidade, porque no contrato de concessão que foi celebrado não está previsto o aumento das dotações da publicidade. Portanto, é preciso resolver essa dicotomia. Mas também já estamos habituados a que este Governo apresente leis que não cumpre e que faça contratos que, depois, não são cumpridos.
Quanto à ideia de que a publicidade vai aumentar, é preciso não nos enganarmos, porque os últimos dados mostram que, efetivamente, o mercado da publicidade tem diminuído e não aumentado.
(…)
Sr. Presidente,
Sr.ª Deputada Francisca Almeida,
Entendo o exercício que tentou fazer aqui, no sentido de desvalorizar a intervenção do PCP na Comissão, mas está muito enganada, porque a Sr.ª Deputada estava na Comissão e ouviu o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português colocar várias questões sobre o contrato de concessão do serviço público.
Portanto, Sr.ª Deputada, não precisamos das suas orientações, das suas indicações. O Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português defendeu, defende e defenderá o serviço público de rádio e televisão.
Devo dizer-lhe, Sr.ª Deputada, que é o seu grupo parlamentar que tem de dar explicações, porque o seu grupo parlamentar mostra sempre muita preocupação com os trabalhadores, com a RTP e, nomeadamente, com as delegações regionais, mas não a vejo preocupada com o desmantelamento que está a ocorrer nos centros regionais. Diga-me, Sr.ª Deputada, o que é que o Partido Social Democrata tem feito em prol dos centros regionais da RTP dos Açores, da Madeira e do Porto. Nada! Nem na Comissão o fez! Mas não é isso que queremos debater aqui.
Sr.ª Deputada, fique sabendo que não há serviço público de rádio e televisão sem financiamento. Para nós, sempre foi muito claro que a forma de financiamento é aquela que consta da lei. E, na lei, são três as formas de financiamento: a indemnização compensatória, a contribuição para o audiovisual e a publicidade. É isto que é o garante do serviço público, é isto que vai permitir que a RTP sobreviva e é isto que os portugueses virão exigir, porque os portugueses precisam deste serviço público e vão unir-se em sua defesa. Os portugueses que cá estão e aqueles que estão no estrangeiro merecem-no! A Sr.ª Deputada sabe que é isso que é exigido, pelos portugueses, dos Deputados e dos partidos.
Aquilo que dizemos é que se cumpra a legislação, porque, se se cumprir a legislação, teremos, efetivamente, um serviço público de qualidade, que é aquilo a que o Estado está obrigado.
(…)
Sr. Presidente,
Sr. Deputado Raúl de Almeida,
Agradeço a sua questão e respondo-lhe muito claramente: corte o Governo nas PPP, corte o Governo nos juros da dívida e, certamente, teremos o dinheiro necessário e suficiente para pagar o serviço público de rádio e televisão portuguesa. É por isto que o Governo tem de optar, Sr. Deputado Raúl de Almeida, mas o Governo já optou há muito tempo: privilegia os grandes grupos económicos, privilegia a banca, privilegia o sistema financeiro, em detrimento dos serviços públicos, sejam eles quais forem.
Sr. Deputado Raúl de Almeida, a opção deste Governo é a de destruir os serviços públicos, sejam os de rádio, os de televisão ou os da agência noticiosa. Basta que o serviço público custe 1 € para este Governo o desmantelar e destruir.
Portanto, Sr. Deputado Raúl de Almeida, para nós, está claro: há opções, o Governo fez a sua opção; para nós, corte-se nas PPP, corte-se nos juros e teremos o dinheiro necessário e suficiente para pagar todo o serviço público, e serviço público de qualidade. Mais, Sr. Deputado Raúl de Almeida: teremos dinheiro para manter os trabalhadores que lá estão e recrutar os necessários e suficientes. É que, como o Sr. Deputado sabe, há setores no serviço público de rádio e televisão que estão deficitários. É necessário dotar o serviço de rádio e televisão de equipamentos modernizados, porque, assim, poderão fazer boas produções e bons produtos.
Também gostaria de frisar que os partidos que suportam o Governo — já o disse da tribuna e, aliás, já o ouvimos defender hoje — defendem afincadamente o modelo proposto pelo Ministro Miguel Poiares Maduro, mas também já os vimos defender o modelo proposto por Miguel Relvas. Se calhar, amanhã, se vier outro ministro propor outro modelo, os Srs. Deputados também o irão defender. Nós, não, Sr. Deputado Raúl de Almeida e Srs. Deputados do PSD!
Nós manteremos sempre a defesa intransigente do serviço público de rádio e televisão e da agência Lusa. E não somos nós que criamos o pânico, não somos nós que destruímos os postos de trabalho, quem os destrói, quem cria o pânico nos trabalhadores são as medidas deste Governo, que destrói o País, que leva o País à ruina.

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