Intervenção de Jorge Machado na Assembleia de República

Nova declaração de guerra do Governo aos trabalhadores Portugueses

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Declaração política verberando potenciais novas alterações ao Código do Trabalho

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
Depois de aprovado um Orçamento do Estado, que é um violento ataque aos trabalhadores portugueses, o Governo avança com uma nova declaração de guerra aos trabalhadores.
Primeiro foi o FMI a dizer que «o valor das indemnizações aos trabalhadores, por motivo de despedimento, com ou sem justa causa, terá de se reduzir em Portugal». Ao mesmo tempo, defende o FMI o nivelamento por baixo dos níveis de protecção, sabendo muito bem que Portugal já é dos países com mais trabalho precário na Europa.
Depois, veio Bruxelas e o seu comissário dos assuntos económicos dizer que Portugal tem que rever a definição de despedimento por justa causa e reduzir «substancialmente» as indemnizações.
Ora, face às pressões, os membros do Governo multiplicaram-se em declarações. A Sr.ª Ministra do Trabalho disse que algumas das propostas de alteração à legislação do trabalho são «completamente desajustadas», e que a intenção do Governo era apenas «potenciar» instrumentos já existentes, dando claramente a entender que não pretendia rever a legislação do trabalho.
Depois foi o Primeiro-Ministro que afirmou que o Governo português «não precisa de sugestões de ninguém», mas, como para o Primeiro-Ministro o mundo muda em menos de uma semana, o que foi dito ontem não vale nada hoje.
Assim, depois da reunião com os chamados «grandes exportadores» e depois dos recados do FMI e de Bruxelas, temos um outro Primeiro-Ministro que já admite alterar a legislação laboral e que defende quer a diminuição das indemnizações dos trabalhadores que são despedidos, quer a associação do salário à dita «produtividade e qualidade do trabalho prestado».
Assim, em menos de uma semana, o discurso do Primeiro-Ministro mudou e o Governo PS prepara-se para um novo ataque aos direitos de quem trabalha.
Hoje mesmo saíram notícias que dão conta de que o Ministro da Economia afirma que «a questão das indemnizações é uma questão que está em cima da mesa», e que o Governo quer mudar a «contratação colectiva».
Mas analisemos o que está, efectivamente, em cima da mesa: quer o Presidente da CIP quer o Primeiro-Ministro defendem — e não é por acaso — a necessidade de associar o salário mínimo nacional à dita «qualidade do trabalho». Isto quer dizer que uma parte dos salários dos trabalhadores ficaria «refém» da produtividade.
Ora, quer o Presidente da CIP quer o Primeiro-Ministro sabem muito bem que a produtividade não depende exclusivamente dos trabalhadores. Se os meios de produção estão desactualizados, se a empresa está mal organizada, se faltar matéria-prima, então chegamos à inaceitável situação de quem paga são os trabalhadores uma vez que ficam sem uma parte do seu salário.
Importa também referir que o critério de «qualidade» do trabalho ou «produtividade» é de tal maneira subjectivo que na prática isto significaria que os patrões tinham um instrumento para baixar, ainda mais, os salários dos trabalhadores.
Uma outra proposta que está em cima da mesa é a de reduzir os montantes das indemnizações que um trabalhador recebe em caso de despedimento.
Assim, o verdadeiro objectivo do Governo é tornar o despedimento mais barato, fragilizando ainda mais os trabalhadores e, deste modo, facilitar os despedimentos em Portugal.
Um outro argumento com o qual querem enganar os portugueses é o de que com estas medidas «vamos ser mais competitivos e vão ser criados mais postos de trabalho».
Isso não passa de uma mentira que visa atirar areia aos olhos dos portugueses. Um estudo da própria Comissão Europeia demonstra que os jovens trabalhadores portugueses são os mais penalizados da União Europeia pela precariedade. Os contratos precários já representam mais de 53% e o desemprego ronda os 23%, sendo também uma das taxas mais elevadas da Europa.
Assim, cai por terra a ideia de que é preciso flexibilizar, precarizar as relações laborais para criar mais emprego. Isso é mentira da grossa, é mentira descarada, de quem quer enganar os portugueses.
Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
É absolutamente inaceitável que o caminho deste Governo PS, seguindo o pior dos arautos do neoliberalismo que conduziu o País ao estado em que se encontra, seja o de serem
sempre os mesmos a pagar e atacar quem trabalha e vive do seu salário.
Explorar ainda mais quem trabalha é o único mote, é o único diapasão que o Governo conhece.
O Governo sabe muito bem que os custos do factor trabalho não são, nem de perto nem de longe, o factor com maior peso para a competitividade das empresas portuguesas.
Os custos com transportes, com telecomunicações e os custos com a energia, seja ela eléctrica seja com os combustíveis, são muito mais determinantes para a competitividade nacional.
É bastante revelador que, quando se pretende discutir a competitividade da nossa economia, o Governo PS não discuta a organização e a modernização das empresas. O Governo não se preocupa com o tipo de mercadorias produzidas e as mais-valias realizadas.
Para o Governo PS não se discutem os custos de produção, como a electricidade e os combustíveis que, de acordo com notícias vindas na comunicação social, vão aumentar entre 10 e 15%.
Não! O Governo PS só sabe discutir os custos do factor trabalho. Para o PS a única via para a manter a competitividade é explorar ainda mais quem trabalha, é aumentar a injustiça social.
Depois da greve geral, que foi uma das mais importantes jornadas de luta realizada em Portugal depois do 25 de Abril, o Governo persiste neste caminho de atacar quem trabalha para aumentar os lucros de meia dúzia de privilegiados que acumulam cada vez maiores fatias da riqueza nacional.
O Governo PS insiste na injustiça social e no agravamento das condições de vida da grande maioria dos portugueses. A resposta destes portugueses vai ser a resistência e a luta por uma ruptura com estas políticas de direita, sejam elas concretizadas pelo PS ou pelo PSD com ou sem o CDS-PP.
Com os trabalhadores e o povo esteve, está e estará o PCP!
(…)
Sr. Presidente,
Sr.ª Deputada Maria José Gambôa,
É óbvio para todos que reina uma grande confusão na agenda, porque, efectivamente, a Sr.ª Ministra do Trabalho diz uma coisa, o Sr. Ministro da Economia diz uma coisa distinta, o Sr. Primeiro-Ministro diz uma terceira coisa, e todos eles disseram uma coisa na semana passada e dizem hoje outra substancialmente diferente!
Sr.ª Deputada, o Governo quer reduzir indemnizações no Código do Trabalho! O Ministro da Economia afirmou hoje que o Governo quer discutir o custo das indemnizações pagas aos trabalhadores despedidos, o Sr. Primeiro-Ministro quer ligar o salário à qualidade do trabalho — são várias as notícias, Sr.ª Deputada!
Mas nós sabemos qual é a agenda do Governo. Discutindo-se a competitividade, Sr.ª Deputada, podemos discutir n factores, para perceber como o País poderá ser melhor, mas o Governo só conhece um caminho — utilizando uma expressão que é grata ao Sr. Ministro da Defesa Nacional, hoje, mas Ministro dos Assuntos Parlamentares, no momento em que a proferiu: «malhar» nos trabalhadores é o único caminho que o PS e este Governo conhecem!
Portanto, é com enorme preocupação que assistimos às declarações públicas — e não estamos a falar de projectos de intenções, estamos a falar de declarações públicas — que apontam, efectivamente, para um caminho de alteração do Código do Trabalho num sentido que é
absolutamente inaceitável, Sr.ª Deputada! E eu gostava de ouvir a opinião da bancada do Partido Socialista relativamente a esta matéria, porque não disseram uma palavra. Acha aceitável reduzir as indemnizações?
Acha aceitável condicionar os salários em função da dita produtividade? Que critérios são estes? São, claramente, para aumentar a exploração de quem trabalha, mas este caminho é absolutamente inaceitável.
Pergunta-me a Sr.ª Deputada: as declarações do Presidente da UGT e do Secretário-Geral da CGTP não merecem confiança? Merecem, Sr.ª Deputada! Mas sabe o que é que em todo este «jogo» nunca merece confiança? É precisamente a palavra do Governo! Quantas e quantas vezes o Governo diz uma coisa e, amanhã, faz precisamente o seu contrário?! Ora, o Governo pode ter dito uma coisa às confederações dos trabalhadores, à CGTP e à UGT, e também pode ter dito, com certeza, uma coisa substancialmente diferente às entidades patronais, à Europa e ao FMI.
Sabemos, no entanto, aquilo que o Governo diz publicamente, e isto a Sr.ª Deputada não consegue desmentir: as declarações do Primeiro-Ministro, do Ministro da Economia e, mesmo da Ministra do Trabalho, são altamente preocupantes relativamente ao caminho que o Governo quer seguir de «malhar» nos trabalhadores, quando podia olhar para a organização das empresas e para os custos de produção. Porque é que não olha para os custos de produção, Sr.ª Deputada?
Porque é que a EDP e a Galp registam, ano após ano, lucros absolutamente obscenos para os seus accionistas e, ao mesmo tempo, continuam a aumentar os preços da electricidade e dos combustíveis, de uma forma absolutamente inaceitável e que compromete a nossa economia?! Porque é que o Governo não olha para esses factos? É porque se o fizesse ajudava muito mais a
economia portuguesa a ser competitiva! Não! O Governo só sabe um caminho: aumentar a exploração de quem trabalha, para aumentar os lucros dos grandes e não, como devia, a justiça social.
(…)
Sr. Presidente,
Sr. Deputado Pedro Mota Soares,
Agradeço-lhe a sua questão.
Antes de responder-lhe, Sr. Deputado, permita-me um aparte para estranhar o absoluto silêncio da bancada do PSD sobre este assunto. É de registar o seu silêncio comprometido — diga-se! — sobre esta matéria.
Com certeza, no futuro, iremos ter mais um «baile» ou mais um «tango» em relação a esta matéria…
Sr. Deputado Pedro Mota Soares, tenho de admitir que teve coragem para avançar para um pedido de esclarecimento sobre este tema e apontou aqui um aspecto verdadeiro, que é o
das profundas contradições dos diferentes membros do Governo, que são óbvias e bem reveladoras da sua posição e do seu comportamento concreto.
Também é verdade que uma boa parte das orientações relativas à legislação laboral vêm do FMI e de Bruxelas. Agora, o que também lhe pergunto, em jeito de resposta, é que posição assumiu o CDS no passado, quando idênticas pressões foram feitas, e se o CDS-PP, no passado, piorou ou não a legislação do trabalho. É porque piorou!
Efectivamente, temos o FMI e Bruxelas a fazerem pressão e a encontrarem, no nosso País, parceiros privilegiados para cederem a essa pressão. Seja o PS, seja o PSD, com ou sem o CDS-PP, a verdade é que as alterações à legislação laboral têm vindo a ser de mal para pior e
o que temos hoje é um Código do Trabalho que já é mau que chegue, Sr. Deputado!
O que é importante dizer-se aqui é que temos de inverter este caminho de uma legislação laboral que não protege quem trabalha; que não dignifica nem compensa devidamente os trabalhadores; que compromete a contratação colectiva; que compromete os salários; e que é um ataque sem precedentes àquele que é o mínimo para viver com dignidade na nossa sociedade.
O que devíamos estar aqui a fazer era a transformar a legislação para melhor e não para pior, mas, para isso, não contamos, com certeza, com o CDS-PP nem com o PSD nem com o PS!
Temos de promover alterações de fundo na nossa sociedade, para que se criem condições para alterar a legislação laboral, porque o caminho que é encontrado pelos mesmos — PS, PSD ou CDS-PP —, ao longo destes últimos 30 anos, depois do 25 de Abril, é sempre o mesmo. Não há uma medida que vise trazer mais equidade e justiça, no que diz respeito ao Código do Trabalho!
Temos vindo a assistir a um caminho de deterioração consecutiva da legislação laboral, privilegiando sempre as entidades patronais, em prejuízo dos trabalhadores. É com esse caminho que importa romper e para isso, Sr. Deputado, o PCP não conta, naturalmente, com as suas oposições e divergências ideológicas que são claras e objectivas.

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