Notas sobre a Cimeira de Lisboa - três anos depois

Apesar do tema principal da Cimeira de Lisboa ter sido o emprego e de se terem criado expectativas quanto a objectivos quantificados sobre a redução do desemprego, a Cimeira foi dominada pela chamada nova economia, ou seja, pelas políticas de liberalização económica.

A União Europeia estabeleceu na Cimeira de Lisboa um novo objectivo estratégico a alcançar até 2010: "tornar-se na economia baseada no conhecimento mais dinâmica e competitiva no mundo, capaz de garantir um crescimento económico e sustentável, com mais e melhores empregos, e com maior coesão social".

Ao mesmo tempo introduziu novos conteúdos e metas na estratégia europeia de emprego, nomeadamente a adopção do principio do pleno-emprego, a fixação de um objectivo para o crescimento (3%) e a fixação de objectivos a serem alcançados em 2010, para a taxa de emprego (de 61% para um valor na ordem dos 70%) e para a taxa de emprego feminino (de 51% para mais de 60%). Alcançar mais empregos mas também melhores empregos. Em meados de 2001, a Comissão Europeia define indicadores da qualidade do emprego, mas já num momento em que este tema perde relevância no discurso dominante sobre o emprego.

Passados três anos o sentimento é de frustração, não obstante terem-se verificado alguns progressos na taxa de emprego e desemprego. A própria UE o reconhece quando afirma, no relatório Conjunto sobre o Emprego de 2002, que "graves fragilidades estruturais caracterizam ainda os mercados laborais da UE".

A estratégia europeia de emprego iniciou-se num momento de melhoria do emprego estimulado pelo crescimento. De 1997 a 2001, a UE cresce 2,9% em média anual. O emprego aumenta ao ritmo de 1,6% e a taxa de desemprego passa de 10,6% em 1996 para 7,4% em 2001. Esta evolução contraria as teses dominantes, segundo as quais a melhoria do emprego é explicada pela moderação salarial e pela flexibilidade do mercado de trabalho.

A situação actual é de aumento do desemprego, tanto a nível da UE como do nosso País. De acordo com os dados do Eurostat, a taxa de desemprego dos Quinze passou de 7,4% em Janeiro de 2002 para 7,9% em Janeiro do corrente ano. E apesar de ter uma taxa relativamente baixa no padrão comunitário. Portugal foi dos países em que o acréscimo foi mais elevado. O abrandamento económico coloca fortes interrogações à capacidade da UE em atingir os objectivos a que se propôs.

No nosso país, o desemprego aumentou fortemente em 2002, tendo-se saldado num crescimento homólogo de 26,3% relativamente a 2001.

O desemprego está a agravar-se, diariamente, nos primeiros meses deste ano na generalidade dos sectores de actividade, em empresas de dimensão diversa, e nas várias regiões, tornando-se mais agudo nas regiões do interior onde não existem empregos alternativos, o que tem obrigado os trabalhadores e os seus sindicatos a desenvolverem importantes lutas em defesa dos postos de trabalho e a exigirem políticas económicas geradoras de emprego de qualidade.

Como demonstra um levantamento feito, recentemente, pela CGTP-IN, o desemprego tende a agudizar-se em resultado das políticas económicas seguidas, das privatizações e segmentações e também das deslocalizações de empresas que se estão a verificar em vários sectores nomeadamente têxteis, calçado e material eléctrico.

A este propósito queremos saudar como positiva a aprovação pelo PE da resolução sobre o encerramento de empresas após terem recebido ajuda financeira da UE por proposta do Grupo GUE / NGL.

Se não forem contrariadas as políticas económicas seguidas e assentes no Pacto de Estabilidade e Crescimento, que têm impactos negativos sobre o crescimento económico, nomeadamente em Portugal, continuará a verificar-se quer a deterioração da situação económica, quer o aumento do desemprego.

Para além da previsão da Comissão Europeia de que o PIB português irá crescer abaixo dos nossos parceiros em 2002, 2003 e 2004, ficando portanto longe da meta de 3% ao ano definida na Cimeira de Lisboa, persistem e agravam-se vários problemas de fundo. Referem-se apenas alguns:

  • Elevado nível de precariedade do emprego (cerca de 22% em 2002) que continua a aumentar (o aumento homólogo este ano foi de 7,2%) e a ser mais elevado que a média da UE (13,4% em 2001);
  • Maior taxa de empregabilidade dos menos habilitados em Portugal do que na UE, fruto do modelo económico que tem sido seguido e que assenta em mão-de-obra barata, pouco qualificada e precária. É ainda forte o aumento do emprego dos não qualificados, o que faz com que a estrutura de qualificações não se tenha alterado muito entre 1998 e 2002;
  • O desemprego tem aumentado entre os licenciados (25% entre Fevereiro de 2002 e Fevereiro de 2003). O desemprego é também elevado nos níveis intermédios (3º ciclo e secundário);
  • Contínua a perda de emprego na indústria (excepto construção) desde 1998;
  • A posição das mulheres continua a ser mais desfavorável, nomeadamente no que toca à segregação sectorial e ocupacional;
  • O abandono escolar precoce, para além de ser o mais elevado da UE, teve uma diminuição pouco acentuada desde 1998, tendo mesmo aumentado de 2000 para 2001;
  • Reduzida participação da população em idade activa na educação e formação (apenas 3,3% em 2001).

Portugal e a UE precisam de verdadeiras políticas que favoreçam o crescimento económico e o emprego e que não se centrem na aplicação de um Pacto de Estabilidade penalizador do desenvolvimento, nomeadamente dos países com maiores atrasos, como é o caso do nosso. As políticas económicas, Estratégia de Lisboa e a Estratégia do emprego devem ser revistas tendo esta necessidade como princípio.

No nosso país o Governo PSD/PP tem responsabilidades muito fortes na presente situação de degradação económica e social porque:

  • não contraria a actual matriz de desenvolvimento baseada na mão-de-obra barata, pouco qualificada e precária;
  • alimentou a ideia da crise o que conduziu à rápida perda de confiança das empresas e das famílias;
  • tem como única e exclusiva preocupação o equilíbrio orçamental, não lhe importando as consequências em termos do aparelho produtivo e das condições de vida da população;
  • está a travar de um modo brutal os salários;
  • sacrificou o investimento público;
  • aliena ou pretende alienar importantes empresas nacionais entregando-as ao capital estrangeiro.

É contra esta política que a CGTP-IN e os trabalhadores portugueses têm vindo e continuarão a lutar, exigindo políticas geradoras de crescimento e desenvolvimento económico e social, o que passa pelo investimento produtivo, pela modernização tecnológica, pela qualificação dos trabalhadores, por empregos de qualidade, pelo aumento do poder de compra dos salários e pensões, pelo desenvolvimento regional, por um Estado eficiente.

José Ernesto Cartaxo
Dirigente sindical da CGTP-IN