Intervenção de Paula Santos na Assembleia de República, Reunião Plenária

Sobre as alterações do Código de Processo Civil, relativas à distribuição de processos

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Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados,

As alterações legislativas em matéria de distribuição de processos, com a introdução de mecanismos de distribuição eletrónica dos processos judiciais na jurisdição comum e na jurisdição administrativa, tem sido objeto de justa contestação, gerou entropias e contribuiu para a burocratização e opacidade do sistema.

Como se sabe, a base destas alterações relativas à distribuição de processos nos tribunais, foi o facto de ter vindo a público que «nos tribunais portugueses nem sempre se estava a seguir o princípio do juiz natural na distribuição dos processos».

Contudo a introdução destas alterações tornou o processo desgastante e pouco transparente. Para além de impor a reunião e presença física diária de um juiz, um magistrado do Ministério Público, um oficial de justiça e um advogado, se a Ordem dos Advogados assim o entender, impôs-se ainda uma ata assinada por todos, a publicitação do resultado e de todos os atos ou factos que podem condicionar os algoritmos, agravado pelo facto de que essa distribuição pode ter que ser feita mais do que uma vez por dia. Como a distribuição dos processos é eletrónica, são utilizados softwares, não sendo possível o seu escrutínio por quem está a assistir.

Naturalmente tudo isto se verificou impraticável e merecedor de muitas críticas por parte dos operadores judiciários, ainda mais tendo em conta a falta de meios e de capacidade técnica para assegurar a fiabilidade dos mecanismos e do respetivo controlo, porque nem sequer há recursos humanos disponíveis.

Por ter sido reconhecida a complexidade destes procedimentos, foi determinada, a necessidade da simplificação possível, assim como da avaliação dos seus impactos, cujo relatório já conhecido, produzido pelo Observatório Permanente da Justiça do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, confirma a necessidade de reavaliação do sistema e propõe inclusivamente a eliminação do atual sistema.

Sendo indiscutível a necessidade de garantir transparência, a aleatoriedade de distribuição dos processos a um juiz ou a um coletivo em particular e a imparcialidade na administração da justiça, o sistema não pode funcionar assente numa base de desconfiança, com atos burocráticos e ineficazes, e com a introdução de mecanismos que conflituam com o trabalho normal do dia a dia de um tribunal.

O princípio constitucional do juiz natural é um princípio que o Estado de Direito não deve prescindir, pelo contrário deve salvaguardar, garantido as exceções, quando fundamentadas com as escusas ou impedimentos, mas não abdicando da aleatoriedade do sistema.

Avaliar o sistema, resolver o grave problema de falta de recursos humanos na Justiça e garantir a transparência de todos os atos administrativos e processuais nos tribunais é um direito fundamental dos cidadãos.    

 

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