Em 2007, o Governo do Partido Socialista criou a Contribuição de Serviço Rodoviário. Com o propósito formal de financiar as Estradas de Portugal, servia essencialmente para retirar do Orçamento o gigantesco volume de receitas públicas que era necessário transferir para as PPP rodoviárias.
Os portugueses não só pagaram as PPP rodoviárias por via das portagens, como ainda foram chamados a pagar a Contribuição de Serviço Rodoviário que incidia sobre a gasolina, o gasóleo e o GPL, sujeitos ao Imposto sobre os Produtos Petrolíferos (ISP). O montante a pagar era de 87 euros por cada 1000L de gasolina, de 111 euros por cada 1000L de gasóleo, e de € 123 por cada 1000 Kg de GPL. A Contribuição era paga pelos sujeitos passivos de ISP, mas sendo o ISP um imposto especial de consumo, o encargo recaia efetivamente sobre o consumidor final.
Sucede que em fevereiro de 2022, o Tribunal de Justiça da União Europeia considerou ilegal a Contribuição de Serviço Rodoviário que foi abolido em dezembro de 2022.
Isto foi aproveitado por algumas gasolineiras para tentar uma verdadeira fraude: reclamar do Estado a devolução da CSR paga, apesar dessas gasolineiras não terem pagado CSR, mas sim cobrado a CSR aos utentes e transferido depois esse valor para o Estado.
Trazemos aqui esta questão porque, tendo as gasolineiras recorrido a tribunais arbitrais, o Estado já foi condenado a pagar a uma gasolineira 5,9 milhões de euros só referentes a 2019, sendo possível que o total de indemnizações ascenda a 2,6 mil milhões de euros.
Vejam bem, senhores Deputados:
Os consumidores pagaram a CRS no preço dos combustíveis, mas são as gasolineiras, que se limitaram a transferir as verbas para o Estado, que pretendem vir a receber o dinheiro que não lhes pertence, e o que é grave é que já houve decisões arbitrais que, com o extraordinário argumento que as gasolineiras venderam menos combustível porque os preços eram mais altos por via da CRS, terão ficado a perder dinheiro, e tem de ser o Estado a demonstrar que assim não foi. E como o Estado não tem forma de o demonstrar, ficam as gasolineiras com o dinheiro pago pelos contribuintes.
Um segundo caso que aqui trazemos diz respeito à ANA Aeroportos. Não satisfeita com o verdadeiro jackpot que o Governo PSD/CDS lhe outorgou com a concessão dos aeroportos nacionais por 50 anos, que ameaça tornar-se em 70 a pretexto da construção do Novo Aeroporto de Lisboa, a VINCI avançou para a criação de um Tribunal Arbitral contra o Estado Português procurando extorquir mais 200 milhões de euros invocando a necessidade de equilibrar uma concessão que já lhe rendeu, em 10 anos, muito mais do que pagou pela ANA.
Como é seu direito, o Grupo Parlamentar do PCP questionou o Governo sobre os termos em que estará a funcionar esse tribunal arbitral: em que ponto está o processo? Quem representa o Estado? O que defende o Estado perante a absurda reivindicação da ANA?
A resposta recebida do Governo foi a seguinte:
“As entidades que promovam, com caráter institucionalizado, a realização de arbitragens voluntárias, têm o dever de guardar sigilo sobre todas as informações que obtenham e documentos de que tomem conhecimento através do processo arbitral.”
Não pode ser, Senhores Deputados.
Como o PCP tem dito inúmeras vezes, este tipo de processos são uma fonte de riscos de corrupção, particularmente quando se trata de determinar diferendos de ordem financeira entre o Estado e os grupos privados. Este processo em concreto pode levar ao desvio de mais de 200 milhões de euros do erário público. A opacidade do seu processo facilita a corrupção. Num país onde o IPO precisa de visto prévio para comprar um medicamento, há uma porta aberta para retirar 200 milhões de euros ao Estado, em função da negociação levada a cabo entre três pessoas.
E é aqui que nos recusamos a aceitar a recusa do Governo em fornecer as explicações pedidas. Não questionámos o governo sobre «as informações que obtenham e documentos de que tomem conhecimento através do processo arbitral», mas sobre atos concretos realizados pelo Governo ou em nome do Governo.
O que estes dois casos têm em comum é a aceitação pelo Estado de envolver milhões de euros de recursos públicos em processos arbitrais que nada têm de transparentes e de que o Estado sai invariavelmente a perder sem que se perceba como nem porquê.
Nós não aceitamos.
Os belos discursos que tantas vezes ouvimos contra a corrupção, caem pela base quando se aceita o saque de recursos públicos por via da arbitragem.
Nós não aceitamos.
Disse.