O chamado pacto para as migrações e asilo reflete a tragédia moral por que passa a União Europeia.
Em matéria de asilo, a União Europeia tem uma moral seletiva, em que o direito de asilo deixou de ser determinado por razões humanitárias ou de proteção contra perseguições políticas ou religiosas para passar a ser um instrumento de política externa. Abre-se uma passadeira vermelha para refugiados da guerra da Ucrânia, mas fecha-se a porta aos afegãos deixados à má sorte ditada pelos talibãs. Abriram-se as portas para refugiados da guerra civil na Síria, mas fecham-se agora quando os terroristas islâmicos carinhosamente chamados de rebeldes tomaram o poder em Damasco.
Em vez de um pacto para as migrações, estamos perante um pacto para as deportações.
A União Europeia invoca a regulação e a integração, mas o que faz na realidade é tentar impedir os imigrantes de chegar à Europa e encontrar os meios mais expeditos de expulsar, seja para onde for, os que a duras penas conseguem chegar a território europeu.
A União Europeia semeou e semeia ventos, mas estranha colher tempestades.
As potências europeias, que basearam a sua prosperidade, ao longo de séculos, na exploração colonial e que ainda hoje beneficiam da exploração neocolonial dos recursos naturais de países que sendo ricos em recursos, são condenados à miséria e espoliados por multinacionais em conluio com as elites locais, estranham que os povos espoliados tentem fugir à fome e à miséria e procurar condições de vida em países mais desenvolvidos.
As mesmas potências europeias que contribuem para semear o caos político e social em terras alheias, como fizeram no Afeganistão, na Líbia, no Iraque ou na Síria e que asfixiam com sanções económicas os povos de países que não se conformem com as suas imposições políticas, estranham que os povos de países devastados procurem condições de vida longe das suas fronteiras.
Que a Europa, a braços com o desafio demográfico imenso de ser um continente envelhecido, precise de imigrantes que garantam a sua própria sustentabilidade económica e social, é um dado inquestionável.
Que a Europa, após a segunda guerra mundial, garantiu a reconstrução dos seus países devastados à custa da importação massiva de mão de obra de imigrantes de países do sul, tendo uma dívida de gratidão para com essas comunidades, é outro dado inquestionável.
No entanto, esta Europa, que tanto beneficiou da imigração e que tanto precisa de imigrantes, está hoje refém de uma extrema direita xenófoba que hostiliza as comunidades imigrantes, que promove a sua estigmatização e segregação associando-a falsamente à criminalidade e que, em nome da regulação e de uma integração que não pretende, remete as comunidades imigrantes para a ilegalidade sob a ameaça da deportação.
Em vez de manter políticas de cooperação e de não ingerência que evitem a fuga das populações e promovam a sua fixação nos países de origem, o que faz a União Europeia é encontrar mecanismos que evitem a entrada de imigrantes no seu território, fazer acordos com países a quem possa pagar para que recebam imigrantes deportados, selecionar politicamente os requerentes de asilo e ceder perante os ventos de xenofobia que a extrema-direita semeia pela Europa promovendo a estigmatização das comunidades imigrantes, e tudo, sempre, em nome das melhores intenções, as tais de que está o inferno cheio.