Intervenção de Paula Santos, Deputada do PCP à Assembleia da República

«São 0,7% de urgências que levam à ruptura dos serviços ou é a carência de profissionais que o governos insistem em não resolver?»

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Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados,

Antes de se avançar com alterações legislativas importa saber do que se está a falar. Os dados que são conhecidos até ao momento constam de um relatório da IGAS, fazem referência à utilização do SNS por estrangeiros não residentes. A primeira pergunta é quem são? Quem são os estrangeiros que não estão abrangidos por nenhum acordo, não tem seguro, nem cartão europeu de saúde? São emigrantes que residem e trabalham em Portugal, mas não têm a sua situação regularizada; são turistas, que durante a sua estada em Portugal tiveram de recorrer ao SNS; são estrangeiros que só deslocam a Portugal para usufruir do SNS? Muito provavelmente nesta classificação estão compreendidas todas estas situações, mas estas situações não são todas a mesma coisa.

Sobre os estrangeiros que se deslocam a Portugal para usufruir de cuidados de saúde, quem são? Qual a sua origem? Que cuidados de saúde lhes foram prestados e em que circunstâncias? Até a própria IGAS considera que os dados existentes são insuficientes, tanto que vai avançar com uma auditoria. As decisões políticas não podem ser tomadas a partir desta ou daquela perceção, mas sim a partir da realidade concreta.

Algumas das forças políticas que aqui estão, não há muito tempo defendiam como um dos eixos para o desenvolvimento económico, o turismo de saúde e a promoção do negócio. Se forem estrangeiros endinheirados não há problema e até são bem-vindos porque encaixam-se na lógica do negócio da saúde ou os residentes não habituais a quem são atribuídos benefícios na ordem de 1700 milhões de euros, mas se forem imigrantes que veem para Portugal procurar uma vida melhor, e que não tenham a sua situação regularizada, acham mesmo que lhes deve ser recusada a prestação de cuidados de saúde? Ou será que também acham que os portugueses que procuram uma vida melhor noutros países porque o nosso país não lhes garante uma perspetiva de futuro, não devem ter acesso à saúde no País de acolhimento?

É desumano recusar cuidados de saúde a imigrantes que vivem e trabalham cá porque a sua situação é irregular e constitui uma violação de um dos mais básicos direitos que devem ser assegurados a todos os seres humanos. 

Tem vindo a público a existência de redes de tráfico, que aliciam e exploram pessoas e que exigem quantias bastante avultadas para as trazer para Portugal. É também público que as autoridades policiais desconfiam da existência dessas redes e estão a investigar. É preciso reforçar meios e concentrar esforços no combate ao crime organizado, no combate ao tráfico e a redes criminosas que se aproveitam e abusam das pessoas. 

Voltemos ao relatório da IGAS. Segundo esse relatório, em 2023 recorreram aos SNS 43.264 estrangeiros não residentes, e estima-se que nesse ano tenham sido atendidos 6 milhões de episódios de urgência. O atendimento de estrangeiros não residentes corresponde a 0,7% do número total de episódios de urgência.

São os 0,7% dos episódios de urgência que levam à rutura dos serviços de urgência, ou é a carência de profissionais de saúde e o facto de o Governo não fazer o que é preciso para valorizar e fixar os profissionais de saúde no SNS?

Para alimentar a sua agenda retrógrada e reacionária, o Chega instrumentaliza a saúde para prosseguir o seu discurso de ódio contra os imigrantes, como se todos os males, a habitação, a segurança, agora a saúde, fossem da responsabilidade dos imigrantes, que são altamente explorados e muitas vezes se encontram em situação de grande vulnerabilidade; quando os problemas resultam das opções da política de direita, de desinvestimento no SNS, que o Chega apoia e ainda quer levar mais longe. E não é verdade que os imigrantes em situação irregular não suportem os encargos com os cuidados de saúde que lhe são prestados. Quem não tem número de utente atribuído, é-lhes cobrado.

O que pretendem com estas iniciativas é construir uma narrativa contra os imigrantes, promover conceções racistas e xenófobas, dividir trabalhadores.  É isto que o CH faz e que PSD, CDS e IL alimentam.

Uma questão que importa abordar é a saúde pública. Onde fica? Recordo que no período da pandemia da Covid 19, foi decidido e bem vacinar todos os cidadãos que estavam em Portugal, independentemente da sua situação, por uma questão de saúde pública, para a proteção de toda a comunidade. A saúde pública da população não é um bem a proteger e a salvaguardar? Não é importante conter e travar a disseminação de doenças infectocontagiosas que podem afetar toda a população? Entendemos que o valor a proteger é a saúde de todos os cidadãos, pelos vistos para o CH, o PSD, o CDS e a IL não é isso que importa.

Esta discussão tem ainda um outro objetivo, atacar a lei de bases da saúde aprovada em 2019. Uma lei com uma perspetiva progressista de quem é abrangido pelo SNS e que coloca a saúde no plano do direito e não do negócio, que estabelece o princípio da gestão pública das unidades de saúde do SNS e um serviço nacional de saúde, público, geral e universal. São estes princípios que também querem colocar em causa.

Opomo-nos às iniciativas que negam cuidados de saúde a cidadãos que residem, trabalham e descontam em Portugal.

Do PCP contarão com uma firme intervenção contra o ódio, contra a exploração, contra as redes de tráfico, contra as tentativas de divisão dos trabalhadores. Contarão com uma intervenção pela igualdade, pela garantia dos direitos, pelo reforço do SNS e em defesa da saúde das populações.

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