Intervenção de Paulo Raimundo, Secretário-Geral do PCP, Sessão Pública «Em defesa do SNS e do direito de todos à Saúde»

«O PCP tinha razão quando, na discussão do OE para 2022, colocou como uma questão central a defesa e reforço do SNS»

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Desde já gostaria de salientar a importância desta sessão, sobre um tema tão importante como é o Serviço Nacional de Saúde. 

Este tema assume ainda mais relevância, particular significado e urgência num contexto de empobrecimento de largas camadas da população e de um défice demográfico estrutural que urge ser revertido.

Por isso é tão importante o que aqui discutimos hoje.

Desde já gostaria de deixar uma palavra particular a todos os profissionais que, com grandes dificuldades, serviços mal organizados, falta de pessoal, meios, equipamentos e instalações, e falta sobretudo de condições laborais, com sobrecarga de trabalho e de horas, poucas pausas e folgas, vão prosseguindo o seu valioso trabalho de entrega à causa pública.

É graças à dedicação de enfermeiros, médicos, outros técnicos superiores de saúde, pessoal auxiliar que o Serviço Nacional de Saúde, mesmo com todos os ataques que tem sofrido, se tem mantido um instrumento valioso, insubstituível, que é preciso defender, valorizar e reforçar para que se cumpra verdadeiramente o direito constitucional à saúde.

E isso faz-se valorizando profissional e salarialmente os profissionais e garantindo condições de trabalho.

Quanto mais rápida e melhor for a resposta a estas questões, mais rápida e melhor será a resposta às necessidades em saúde dos portugueses.

E essa valorização passa por garantir os direitos, valorizar as carreiras, melhorar a formação e, não menos importante, respeitar estes profissionais. 

E sim, é preciso, possível e necessário que os profissionais tenham acesso à dedicação exclusiva e não à dedicação plena como propõe o Governo e o PS. 

Exclusividade que propusemos na Assembleia da República – PSD absteve-se, PS, Chega e IL juntaram-se no chumbo. 

O facto de ser chumbada não lhe retira validade, necessidade e urgência. Não desistimos, vamos continuar a insistir.

Não desistimos desta necessidade, sabendo que não há regime de dedicação exclusiva ao SNS sem trabalhadores motivados e valorizados. 

Mas também é preciso que haja incentivos para a fixação de profissionais de saúde, com majoração de rendimento para 50% e do tempo de serviço, e mais apoio à habitação.

É fundamental cuidar e acarinhar os que estão no SNS, mas como a realidade evidencia, é crucial a contratação de mais profissionais de saúde, das mais variadas valências, porque as carências são transversais, como se verifica no facto de mais de 1 milhão e 400 mil pessoas não terem médico e enfermeiro de família, ou como acontece com dezenas de milhar de portugueses que esperam por uma cirurgia, alguns para além do tempo considerado seguro no plano da saúde.

O PCP tinha razão quando, na discussão do OE para 2022, colocou como uma questão central a defesa e reforço do SNS e não foram as ameaças do PS de que bateria com a porta caso o OE não fosse aprovado, que impediu o voto contra do PCP. O País foi para eleições, o PS obteve a maioria absoluta  e a situação do SNS está como prevenimos que iria estar.

Mais uma vez a vida veio dar-nos razão.

Apesar de declarações recentes de que não fecha nenhum até Março, a intenção do Governo de encerrar diversos serviços de urgência ginecológica e obstétrica nos hospitais, de Norte a Sul do País, a confirmar-se, representa um grave e inaceitável retrocesso no acompanhamento de mulheres e no seu pleno acesso e direito a cuidados de saúde.

Assim se vai secando, desmantelando, desarticulando e desacreditando o Serviço Nacional de Saúde.

Dizem hipocritamente que não há dinheiro, mas há dinheiro e não é pouco para desviar recursos públicos, nada mais nada menos que 6 mil milhões de euros transferidos do Orçamento do Estado para os grupos privados do negócio da doença.

Perante a afirmação de que não há dinheiro, podemos pôr a coisa noutros termos.

Se não há dinheiro como se compreende os benefícios fiscais que, só em 2021, fizeram com que se tenham perdido em IRC mais de 1,1 mil milhões de euros?

Se não há dinheiro como se explicam os 3 mil milhões de euros transferidos para as empresas de energia, essas mesmas empresas que concentraram no passado ano lucros como nunca visto? 

Não há dinheiro para o Serviço Nacional de Saúde mas então onde se foram buscar os mil duzentos e cinquenta milhões de euros para oferecer de mão beijada às parcerias público-privadas rodoviárias só em 2021?

Não há dinheiro, dizem-nos. Quando os 5% mais ricos do País concentram nas suas mãos 42% de toda a riqueza nacional, a questão não é não haver dinheiro, é acima de tudo para onde vai e como é distribuído.

Fica aqui um desafio e um compromisso.

Que o financiamento público seja para o sector público, de forma a que ele cumpra a sua função. 

Não é possível continuar esta situação em que para o Estado ficam os custos e para o privado os lucros.

O privado não é um complemento do público. Para os grupos privados a saúde é um negócio como qualquer outro. Isto não é diabolizar o privado, é pôr as coisas como elas são. 

Conhecemos e há muito a táctica. Fragilizar a gestão dos serviços públicos e facilitar a entrada dos privados, é também assim no SNS. 

A saúde não pode ser um negócio.

Se os grupos económicos da saúde fazem negócio com a doença, e se é graças à doença que os seus lucros aumentam, significa que uma das questões centrais que nos estão colocadas, a política de prevenção da doença, fica necessariamente, no mínimo, em segundo plano.

O público é de todos e o privado é só de alguns. 

O Estado tem obrigação de garantir a todos o direito à saúde, independentemente da sua condição económica.

É isso que a  Constituição consagra. Constituição que ao não ser respeitada e cumprida impede que esse direito se traduza  na vida de todos os dias.

Se o direito à saúde e o Serviço Nacional de Saúde não são o único exemplo, são sem dúvida um dos mais ilustrativos disto mesmo que estamos a falar.

Basta olhar para a realidade da saúde privada para cair por terra todo aquele discurso bonito da neutralidade, da complementaridade, da liberdade de escolha.

O que é simples e dá dinheiro, aí estão eles prontos a resolver. O que é complexo, é recambiado para o Serviço Nacional de Saúde, que não fecha a porta a ninguém, por muito grave que seja a sua situação.

E ganha força a saúde privada à medida que dinheiros públicos são desviados do SNS para estes grupos económicos, que ficam em melhores condições de prestar um serviço mais caro, enquanto no SNS as pessoas são confrontadas com listas de espera, encerramentos e encaminhamentos.

Não pode ser assim, e não aceitamos que continue a ser assim.

Na nossa avaliação esta solução das Unidades Locais de Saúde, que o Governo agora quer estender a mais sítios, tem servido para maior concentração de respostas e para a desvalorização dos cuidados primários de saúde. 

É que não se trata de existir uma estrutura que coordene a resposta dos hospitais e dos centros de saúde numa determinada área geográfica.

Trata-se de pôr os centros de saúde debaixo da alçada do hospital, com a consequente desvalorização do papel dos cuidados primários.

A nossa proposta é de começar a construir uma solução de sistemas locais de saúde (diferentes dos que o Governo preconiza com o mesmo nome). Na realidade trata-se de criar uma coordenação autónoma de ambos os ramos, com competências concretas e que possa efectivamente coordenar os serviços, sem menorizar os cuidados primários.   

Quando hoje se comemora o Dia Mundial do Cancro, queremos, mais uma vez, chamar a atenção para a importância da prevenção da doença, que passa por garantir médico de família a todos os portugueses, o acesso atempado a exames de diagnóstico e o reforço de meios hospitalares técnicos e humanos, nomeadamente nos IPO.

As propostas e as opções que defendemos traçam o caminho necessário e conduzem à alternativa tão necessária ao povo. Porque ao contrário do que interessa a muitos fazer crer, não, não são todos iguais.

Não nos confundam com aqueles que querem mais do mesmo, que se vão alternando na condução rumo ao desinvestimento, à degradação dos serviços, à desvalorização dos profissionais, ao encerramento de serviços, ao engrossamento de listas de espera a consultas e cirurgias, à privatização de serviços e centros de saúde.

Não nos confundam com aqueles que cedem aos interesses dos que mais têm, como se viu agora com os preços dos medicamentos mais baratos que vão aumentar porque o Governo cedeu à chantagem dos grandes grupos farmacêuticos.

Não, de facto não é este caminho que nos propomos trilhar. De alternância entre aqueles que fingem estar em campos opostos quando praticam a mesma política estamos nós fartos.

O caminho de que o País necessita, o que serve os utentes, o que faz falta implementar, é um caminho alternativo. De verdadeira alternativa. Da alternativa patriótica e de esquerda, de reforço e valorização, que exige medidas concretas e opções políticas corajosas que tenham no centro da preocupação os utentes, os profissionais da saúde e a garantia do direito constitucional à saúde. Um serviço público de proximidade que garanta a, prestação dos cuidados de saúde necessários, uma resposta  pronta e de qualidade, com a dotação dos meios financeiros, técnicos e humanos e que aposte cada vez mais na promoção e prevenção. 

Um caminho alternativo que garanta verdadeiramente, e de forma rápida, o acesso aos tratamentos, aos medicamentos, às consultas, às análises, às cirurgias, enfim, a todos os cuidados de saúde necessários.

Uns acharão que esta é uma realidade distante ou até utópica. Nós dizemos, com toda a certeza, que ela é realizável e que é construída na acção e na luta de todos os dias.

Na acção e na luta que defende o Serviço Nacional de Saúde e toda e cada uma das suas valências.

Na acção e na luta que reivindica mais investimento e a concretização de direitos consagrados.

Na acção e na luta que se desenvolve todos os dias, com os trabalhadores e os utentes, nas ruas, nas unidades do SNS. 

Iremos agendar para discussão no Plenário da Assembleia da República um Projecto de Lei que propõe a alteração ao Estatuto do Serviço Nacional de Saúde, que se centra na eliminação das orientações mais negativas do diploma aprovado pelo Governo e na introdução das principais medidas de resposta aos problemas que o SNS enfrenta actualmente.

Uma alteração que propõe retirar as diversas aberturas à entrega de mais serviços aos grupos privados, que propõe a dignificação e valorização dos profissionais, com o reforço da importância das carreiras, a introdução de um regime opcional de dedicação exclusiva e de normas para o incentivo à fixação em zonas carenciadas, promovendo o reforço do número de profissionais de saúde e a verdadeira autonomia dos serviços para responder às necessidades das populações.

No âmbito das dificuldades que estão criadas em matéria de falta de trabalhadores no SNS, o PCP entregou no passado dia 31 de Janeiro, na Comissão de Saúde, um requerimento para ouvir o Ministro da Saúde, o Director Executivo do SNS e o Presidente do Conselho Directivo da ACSS, para obter esclarecimentos quanto à falta de profissionais em cada entidade de saúde que integra o SNS e ao programa previsto pelo Governo para assegurar a dotação nos serviços dos profissionais em falta e valorizar as suas carreiras.

E em face da necessidade de assegurar o acesso de todos à saúde, o PCP irá entregar iniciativas legislativas para garantir a comparticipação total de medicamentos aos idosos, aos doentes crónicos e utentes com carência económica e assegurar a gratuitidade do transporte não urgente de doentes, assegurando que todos têm acesso à deslocação em condições adequadas a consultas, tratamentos e exames de que necessitem.

Temos a consciência dos desafios que temos pela frente. Mas também sabemos que há muitas forças disponíveis para defender o direito à saúde exigindo o reforço do Serviço Nacional de Saúde.

Para isso é necessária uma forte mobilização da nossa sociedade: dos profissionais de saúde e dos seus sindicatos, das populações, das comissões de utentes, das associações cívicas, de muitas personalidades que se posicionam inequivocamente na defesa do SNS.

Desta nossa iniciativa renova-se o apelo e o compromisso a cada um para que tome nas suas mãos a defesa do SNS.

Para esse combate podem contar com o PCP!

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