Para Engels e Marx a Humanidade é parte da Natureza e tem com ela um metabolismo - um processo complexo de troca material, de intercâmbio, e de evolução conjunta. A sua concepção materialista e dialéctica da Natureza concebe “todo o mundo da natureza, da história e do espírito como um processo, isto é, em constante movimento, mudança, transformação e evolução”.
Em Dialética da Natureza, Engels alertou de forma muito explícita para a incapacidade do modo de produção Capitalista de olhar para além do resultado imediato face à sociedade e face à Natureza. “... o único motor é o lucro a realizar pelo meio da venda.” “No modo de produção actual apenas se considera, face à natureza, como à sociedade, o resultado mais próximo, o mais tangível; e depois, ainda há quem se espante que as consequências longínquas das acções que visam este resultado imediato sejam completamente diferentes e na maioria dos casos completamente opostas;”
As perturbações introduzidas pelo modo de produção capitalista no metabolismo entre Homem e Natureza estão muito presentes nas obras de Marx e Engels, com base em estudos sobre a fertilidade do solo e das perturbações introduzidas pela concentração populacional em grandes centros. “com a preponderância sempre crescente da população urbana que aglomera em grandes centros, a produção capitalista, por um lado, concentra força motriz histórica da sociedade e, por outro lado, perturba a troca material entre o homem e terra, i.e. o retorno ao solo das componentes deste consumidas pelo homem na forma de alimentos e de vestuário… com isto ela destrói, simultaneamente, a saúde física do operário urbano e a vida espiritual do operário rural… E todo o progresso da agricultura capitalista é não só um progresso na arte de roubar o operário como simultaneamente de roubar o solo”
Em Anti-During, face ao “envenenamento do ar, da água e da terra”, Engels aborda a necessidade de “abolir o carácter capitalista da indústria, resolvendo a contradição decorrente da sua necessidade de constante reprodução”, sublinhando que “O actual envenenamento do ar, água e solo só pode ser ter um fim com a fusão da cidade e do campo” que não só é possível como “se transformou numa necessidade directa da produção agrícola e da saúde pública”, afirmando que “Só uma sociedade que torne possível que as suas forças produtivas se interliguem harmoniosamente na base de um vasto plano, pode permitir que a indústria se distribua em todo o seu território da maneira que melhor se adapta ao seu próprio desenvolvimento e à manutenção e desenvolvimento dos outros elementos de produção”.
Para Engels é o trabalho que permite à humanidade transformar o mundo e a Natureza e não apenas provocar modificações pela sua presença, e portanto, é o trabalho que distingue a espécie humana dos animais, no entanto adverte para: «... não nos lisonjeemos demasiado com as nossas vitórias sobre a natureza.” «Os factos lembram-nos que não reinamos sobre a natureza como conquistadores sobre um povo estrangeiro submetido, como alguém que estaria para além da natureza, mas que lhe pertencemos com a nossa carne, o nosso sangue…».
A separação entre a humanidade e a Natureza é uma condição constitutiva do regime capitalista, e as falhas do metabolismo entre Homem e Natureza introduzidas pelo capitalismo têm-se aprofundado com a divisão internacional do trabalho. No modo de produção capitalista, o mecanismo de desapossar o operário do objecto do seu trabalho, do processo produtivo, aliena-o do trabalho é também o que o aliena da Natureza.
Para Marx e Engels, a Natureza e o Trabalho contribuem para a produção de riqueza embora, até aos dias de hoje, exista quem insista em lhes apontar uma desvalorização da contribuição e papel da Natureza. Uma das críticas que Marx e Engels fizeram ao programa de Gotha era precisamente a deste desvalorizar o papel da Natureza na criação da riqueza, escrevendo “o trabalho não é fonte de toda a riqueza. A Natureza é fonte dos valores de uso (que são os que verdadeiramente constituem a riqueza real!)”.
No entanto, não devemos confundir valor com valor de troca, tal como identifica Paul Burkett, para Marx “o valor surge na produção, não no reino da troca”, sendo que “o capitalismo só atribui valor à Natureza na medida em que a sua apropriação necessita de trabalho produtor de mercadorias, apesar da contribuição da Natureza para a produção – e para a vida humana na generalidade – não poder ser reduzida a este trabalho de apropriação”, alertando “o capitalismo representa a riqueza como uma abstracção quantitativa socio-formal: o tempo de trabalho em geral” o que não permite reconhecer a “real contribuição da Natureza para a riqueza ou para satisfacção das necessidades humanas”. Esta concepção está na origem do antagonismo fundamental do capitalismo com a Natureza e impede que qualquer política ambiental que se baseie na mercantilização ou precificação dos recursos naturais, alivie a crise ecológica.
Burkett identifica que esta “contradição Natureza-valor não pode ser resolvida com rendas privadas ou pela criação de taxas verdes e esquemas de subsídios para um sistema económico moldado e conduzido por dinheiro e capital. Ecorregualação através do uso de técnicas monetárias e baseadas no mercado visa atingir um óptimo em termos do capital”, “disrompendo a co-evolução da sociedade com a Natureza devido ao tratamento do povo e da Natureza como apenas «formas disfarçadas” de valor.” lembrando que ““aqueles que querem erguer barreiras à produção (capitalista) do exterior, seja através do costume ou da lei” depressa descobrirão que estas “barreiras exteriores meramente artificiais serão necessariamente demolidas pelo capital”».
Daí que mecanismos como o esquema de transacção de emissões na UE, que visa aplicar o capitalismo à Natureza e consolidar uma política de privatização da atmosfera, não tenha funcionado e até tenha produzido efeitos contrários aos anunciados.
Burkett identifica ainda «A produtividade acelerada do capitalismo envolve um conflito entre o tempo que a natureza necessita para produzir e absorver materiais e energia e a dinâmica, reforçada pela competição, de acumulação monetária máxima num determinado período, por todos os meios de produção disponíveis. Esta contradição entre o tempo da natureza e o tempo do capital não só diminui a qualidade das condições naturais do desenvolvimento humano como afecta o processo de acumulação de capital ele próprio».
A contradição entre capital e Natureza é evidente, os problemas são reais e graves, mas desengane-se quem pense que conduzirá, por si, ao colapso do modo de produção capitalista, porque, como identifica Kohei Saito, «o capital pode ultrapassar as suas limitações por intensificar ou mitigar a exploração dos trabalhadores, invenção de novas tecnologias, descoberta de novas matérias-primas e abertura de mercados globais e colónias».
A ofensiva ideológica tem sido brutal nesta área, apostando em slogans que visam promover a responsabilização do indivíduo, acrescentar argumentos ambientalistas para intensificar a exploração, procurando simultaneamente afirmar a ideia de que estas questões estão acima da política, acima da luta de classes, pelo que é fundamental politizar a luta ambiental.
O capitalismo não é, nem será, verde pelo que, tal como disse o activista ambiental Chico Mendes, «ambientalismo sem luta de classes é jardinagem».
Torna-se imprescindível alertar para a necessidade de forte denúncia dos mecanismos que o capitalismo visa implementar a pretexto dos problemas ambientais que, para além de não resolvem os problemas ambientais, têm vindo a agrava-los. Instrumentos de mercado. Produtos verdes. Consumo verde, tecnologias verdes, etc são falsas soluções.
A mais verde das tecnologias e até «as indústrias de reciclagem e de gestão de resíduos, em capitalismo, em vez de contribuírem para a reestruturação fundamental da produção no sentido da sustentabilidade ecológica, têm servido fundamentalmente para criar novos veículos de acumulação de valor através de novos gastos de energia e de materiais e assim transformando-se numa parte constitutiva do problema». Pelo que não é indiferente a natureza de quem detém os meios de produção, ou até os meios de gestão e monitorização ambiental.
Numa perspectiva patriótica e de esquerda é fundamental responder às necessidades de harmonização do ser humano com a natureza, para isso e face aos problemas ambientais criados pelo modo de produção capitalista, é fundamental que não se legitimem mecanismos de mercantilização da Natureza, não se apaguem as responsabilidades do capitalismo na degradação da Natureza, não se transferiram custos para as camadas empobrecidas e para os povos do mundo.
Uma política ambiental visando a preservação do equilíbrio da natureza e dos seus sistemas ecológicos, tem que respeitar o «princípio da precaução» face a novas ameaças e problemas, contribuindo para prevenir e mitigar os efeitos das alterações climáticas, e tem que garantir a democratização do seu acesso e usufruto da natureza, combatendo a mercantilização do ambiente e a sua instrumentalização ideológica e política pelo grande capital.
Política patriótica e de esquerda que passa pela luta contra a mercantilização da Natureza, de exigência de reforço dos meios do Estado para desenvolver uma verdadeira política de defesa do equilíbrio da Natureza. É necessário diminuir a dependência dos combustíveis fósseis com a promoção de alternativas energéticas de domínio público. Promover o transporte público em detrimento de soluções que apontam para manter o paradigma do transporte individual. Reduzir emissões com um normativo específico, e não com atribuição de licenças transaccionáveis que potenciam a especulação e não resolvem o problema. Combater a pressão para a mercantilização da água. Defender a produção local, contrariando a liberalização do comércio mundial - a divisão internacional do trabalho imposta pelo imperialismo leva à irracionalidade dos sistemas logísticos com impactos ambientais tremendos, e defendendo que a luta pelo equilíbrio ambiental tem de estar sempre associada à luta pela Paz. A guerra, o militarismo e a indústria do armamento são dos fenómenos mais poluentes no nosso mundo.