No seu prefácio à edição polaca de 1892 de o Manifesto, Engels formulava que “Uma colaboração internacional sincera das nações europeias só é possível se cada uma destas nações for, em sua casa, perfeitamente autónoma.”. Partindo de o Manifesto e da subsequente reflexão que viriam a produzir, interpretando o desenvolvimento do Estado burguês e dos processos revolucionários naquele momento histórico, e ligando reivindicações muito concretas, de natureza social, mas também relacionadas com a questão do desenvolvimento de um País ao desenvolvimento da consciência de classe e da luta proletária, a afirmação traduz a compreensão da relação dialética entre emancipação nacional, emancipação social e o internacionalismo proletário.
Marx e Engels não encaravam a questão nacional como um problema isolado, independente dos outros, mas um elemento do problema geral do desenvolvimento da revolução. A luta pela emancipação nacional é uma luta política travada em condições espaciais, temporais, sociais e políticas concretas. Na leitura e interpretação do Manifesto, a elevação do proletariado só pode ser alcançada pela implosão da superestrutura da sociedade burguesa. E é no plano nacional que essa superestrutura existe. Portanto, e como referido no Manifesto, “na sua forma, embora não no seu conteúdo, a luta do proletariado contra a burguesia começa por ser uma luta nacional”. Um acto de soberania que visa tomar em mãos o poder de construir e decidir livremente o seu devir colectivo.
Lenine deu um contributo imprescindível para a afirmação da centralidade da questão nacional. As teses por si desenvolvidas foram fundamentais para que o marxismo-leninismo avançasse rapidamente no plano teórico em torno da questão nacional e da autodeterminação dos povos, trazendo a questão da soberania nacional para o plano estratégico. A sua análise liga a questão do desenvolvimento supranacional do capitalismo - o imperialismo-, as contradições daí emergentes na competição das grandes potências pelo alargamento e reforço da opressão sobre nações, e a centralidade da questão nacional na luta revolucionária pelo socialismo.
As ferramentas teóricas do marxismo-leninismo permitem-nos analisar e ter uma visão de classe muito nítida relativamente ao processo histórico e objectivos da União Europeia – coisa nem sempre conseguida pelo conjunto das forças progressistas.
É no rescaldo da II Guerra Mundial que surgem as primeiras ideias de integração económica europeia, a resposta de classe a uma necessidade decorrente do incessante desenvolvimento das forças produtivas, da crescente concentração e centralização de capital. A diversificação e intensificação dos ritmos do comércio – a sua internacionalização – e a internacionalização financeira, por via das exportações de capitais, são acompanhadas da internacionalização do próprio processo de produção, surgindo a integração de espaços económicos como uma sequente resposta a esta dinâmica.
A conceptualização de uma «Europa unida» não era formulada apenas no plano das relações económicas, mas como uma aliança política entre os países capitalistas europeus associada ao desejo de derrube do socialismo na União Soviética e à sequente consolidação e expansão das relações de produção capitalistas na Europa.
A matriz identitária dessa integração plasma-se no seu momento fundador. O Tratado de Roma define o objectivo de criar um mercado comum, segundo as regras da livre concorrência capitalista, impondo a proibição dos chamados «auxílios estatais». No mercado comum circularão em livre concorrência as mercadorias, os capitais, os serviços e as pessoas, melhor dizendo, a força de trabalho. A associação das então colónias ao mercado comum primeiro, e mais tarde os sucessivos alargamentos, garantem a colonização de mercados, o alargamento do campo de acumulação. O tratado consagra uma união aduaneira, eliminando os direitos aduaneiros e criando uma pauta aduaneira externa comum. A esta união aduaneira está associada uma política comercial comum que o Tratado de Lisboa viria a consagrar como uma competência exclusiva da UE, impedindo os Estados, ou melhor dizendo, alguns Estados, de definir políticas comerciais em conformidade com os seus interesses e necessidades específicas. A Política Agrícola Comum, que visava financiar o necessário aumento da produção agrícola no borralho da Guerra, viria a gera excedentes que careciam de escoamento. Com os alargamentos esta política viria a financiar a destruição de capacidade produtiva, possibilitando que os excedentes das grandes potências circulassem em direcção à periferia. Também os transportes, e sequentemente a sua liberalização, foram originalmente definidas no tratado, facilitando a necessidade de circulação de mercadorias e força de trabalho.
Nos últimos anos aprofundou-se o processo de integração capitalista gerador de crescentes contradições, tensões e rivalidades. A profunda crise da UE – efeito das suas políticas, estruturas, orientações e pilares – é, em si mesma, expressão da crise estrutural do capitalismo. Cada novo episódio de crise na UE é usado como pretexto para um aprofundamento da integração capitalista e dos seus pilares neoliberal, militarista e federalista, designadamente para novas transferências de poderes dos Estados para as instituições da UE, dominadas pelas grandes potências.
A União Europeia é indubitavelmente um verdadeiro processo de dominação das grandes potências imperialistas da Europa, com a cumplicidade das grande burguesias que sempre estiveram na primeira linha da abdicação dos interesses nacionais em função dos seus lucros e privilégios, assente na tentativa de criação de um super-estado, instrumento supranacional de domínio político do grande capital no continente europeu, estruturado à custa da soberania dos Estados nação na Europa. A sua matriz política e ideológica não permite qualquer espaço para uma «refundação» ou «democratização» que questione a sua natureza de classe e o seu rumo.
A reflexão de Lenine antes da Revolução de Outubro sobre o imperialismo mantém, mais de um século depois, uma implacável actualidade quando afirma que “O imperialismo dos nossos dias conduziu a que a opressão de nações pelas grandes potências se tenha tornado um fenómeno generalizado”, concluindo que a luta contra o domínio das grandes potências imperialistas é também a luta contra o social chauvinismo da classe dominante nessas mesmas potências imperialistas, ou seja, que a luta em defesa da soberania nacional é parte integrante da luta anti-imperialista, contra o domínio das grandes potências e contra fenómenos de nacionalismo reaccionário.
A defesa da soberania nacional e dos interesses nacionais, enquanto interesses dos operários, dos trabalhadores e da esmagadora maioria da população é fundamental para desenvolver as condições concretas da luta de classes em Portugal.
Defender a soberania nacional é, de facto, defender o nosso povo a partir das nossas posições de classe. Mas é também a primeira contribuição para a luta libertadora dos trabalhadores noutros países, decisiva para a luta de emancipação nacional de outros povos e, portanto, para o enfraquecimento e derrota de grandes projectos de dominação que envolvem várias potências imperialistas, como a NATO ou a União Europeia.
Por isso, em Portugal ou na Europa, defender a soberania nacional contra a União Europeia do grande capital é a forma mais correcta, eficaz e com futuro de lutar pela cooperação pacífica, entre iguais, das nações europeias livres e soberanas, visando o progresso social, a solidariedade e a paz.
A resposta à profunda crise que grassa no continente europeu e à encruzilhada em que a Europa se encontra reside na consciência de que o modelo e o sistema que as classes dominantes tentam impor aos povos da Europa não são inevitáveis.
A base para um verdadeiro projecto de cooperação para a Europa reside na capacidade dos povos, e das forças progressistas da Europa, de apresentarem e demonstrarem como possíveis novas formas de cooperação na Europa, baseadas no respeito pela soberania dos Estados e pela democracia; orientadas para o desenvolvimento social e económico mutuamente vantajoso, para a promoção dos valores da paz, da solidariedade, da amizade entre os povos, do respeito pelo ambiente e pela promoção da identidade e diversidade cultural.
Exige rupturas democráticas e progressistas no plano nacional e com impactos ao nível europeu que, partindo do princípio de que os processos de integração não são neutros do ponto de vista de classe, permitam a edificação de um novo quadro político, institucional, de cooperação entre Estados soberanos e iguais em direitos para um efectivo desenvolvimento social e económico, de amizade e solidariedade que abra caminho a uma Europa dos trabalhadores e dos povos.
Um objectivo que exige:
- a derrota do processo de integração capitalista por via do desenvolvimento da luta dos trabalhadores e dos povos e a crescente tomada de consciência política e de construção de alternativas no plano nacional que rejeitem a natureza neoliberal, federalista e militarista da UE;
- a afirmação soberana do direito ao desenvolvimento dos Estados e a rejeição das imposições da UE;
- a alteração da correlação de forças, política e institucional, nos Estado que integram a UE;
- a cooperação das forças progressistas e de esquerda, com destaque para os comunistas, fundada na ruptura com o processo de integração capitalista europeu.
A integração de Portugal na União Europeia foi e é um processo de permanente confronto com as conquistas da Revolução de Abril e a Constituição da República Portuguesa. Política de direita e integração capitalista europeia são duas faces de uma mesma moeda. Nenhum processo de integração privará o povo português de decidir do seu próprio destino e do seu direito a um desenvolvimento soberano.
A ruptura com a política de direita e com as imposições e constrangimentos da União Europeia e a luta em defesa da soberania e independência nacionais são elementos centrais da construção em Portugal de uma alternativa política, patriótica e de esquerda.