A situação que o país enfrenta, ocasionada pelo surto epidémico de COVID-19, originou uma inesperada e muito significativa desaceleração da economia, com reflexos muito negativos em quase todos os setores de atividade económica.
As medidas dirigidas ao apoio à economia, para lá de insuficientes, têm privilegiado as grandes empresas face às micro, pequenas e médias empresas (MPME), que são a base do tecido empresarial português.
A opção do Governo de utilizar a banca e o sistema financeiro como intermediário para fazer chegar essas medidas de apoio às empresas, tem suscitado vários problemas, desde logo a possibilidade de serem negociadas taxas de juro, spreads e outros encargos para assim aumentar os lucros da banca, através destes apoios públicos que deveriam servir para apoiar a atividade produtiva.
Este tipo de funcionamento, sem ter em conta a situação absolutamente excecional em que nos encontramos e as dificuldades por que passam muitas MPME, revelam que a banca continua a não cumprir com o seu papel na economia nacional, que deveria ser financiar as famílias e a atividade produtiva, o que é mais grave ainda nas atuais circunstâncias.
O Banco de Portugal, no seu aviso de 1 de abril de 2020, recomendou “a não distribuição de dividendos relativamente aos exercícios de 2019 e 2020 até, pelo menos, 1 de outubro de 2020”, tendo em vista o objetivo de “financiamento da economia real”, mas também “que as instituições mantenham a capacidade para absorverem potenciais perdas num ambiente de incerteza”.
As preocupações presentes no aviso do Banco de Portugal parecem-nos adequadas e aplicáveis a todas as instituições de crédito, independentemente da sua dimensão. Importa que essa orientação não se fique pela “recomendação” que pode ou não ser acatada pelos bancos. Estas recomendações e o modelo de supervisão dita independente já demonstrou por diversas vezes, e com elevados custos para os portugueses, a sua inutilidade.
Por isso, a presente proposta do PCP visa impor, de forma excecional e até ao final do ano em que cessem as medidas excecionais e temporárias de resposta à epidemia SARS-CoV-2, a não distribuição de dividendos na banca, garantindo que a banca se limita a ser um agente de um serviço público, de apoio à economia e às famílias.
Do mesmo modo, e tendo em conta a necessidade de garantir provisões para investimentos futuros que serão necessários para enfrentar a crise, propomos a proibição da distribuição de dividendos nas grandes empresas, permitindo que sejam distribuídos lucros apenas nas micro, pequenas e médias empresas, ainda que com limitações.
No mesmo sentido, propomos que, no quadro atual, sejam proibidos bónus, comissões e gratificações a gestores e membros dos órgãos sociais dos bancos e outras grandes empresas.
Estas medidas devem ser acompanhadas de maiores apoios, dirigidos sobretudo às MPME, de salvaguarda de rendimentos para dinamizar o mercado interno, de medidas que reorientem a economia nacional para os sectores produtivos, por forma a recuperar da situação económica difícil em que o país se encontra.
Assim, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição, os deputados do PCP apresentam o seguinte projeto de lei:
Artigo 1.º
Objeto e âmbito
A presente lei estabelece um regime excecional e temporário de proibição da distribuição de dividendos e outras formas de remuneração dos acionistas, de pagamento de bónus, comissões e gratificações a gestores e membros dos órgãos sociais, relativamente à banca e ao sector financeiro e relativamente às grandes empresas, atendendo à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e pela doença COVID-19 e seus impactos económicas e sociais.
Artigo 2.º
Proibição da distribuição de dividendos e do pagamento de bónus, comissões e gratificações na banca e setor financeiro
- Até ao final do ano em que cessem as medidas excecionais e temporárias de resposta à epidemia SARS-CoV-2:
- é proibida a distribuição de dividendos e quaisquer outras formas de remuneração dos acionistas de entidades do setor financeiro, designadamente bancos, outras instituições de crédito, sociedades financeiras, instituições de pagamento, instituições de moeda eletrónica, intermediários financeiros, empresas de investimento, organismos de investimento coletivo, fundos de pensões, fundos de titularização, respetivas sociedades gestoras, sociedades de titularização e empresas de seguros e resseguros;
- é proibido o pagamento de bónus, comissões, gratificações e outras remunerações variáveis a gestores e membros dos órgãos sociais das entidades referidas no número anterior.
- Excetua-se do disposto na alínea a) do número anterior o pagamento de dividendos e outras formas de remuneração dos acionistas quando o acionista for o Estado português.
Artigo 3.º
Proibição da distribuição de dividendos e do pagamento de bónus, comissões e gratificações em grupos económicos e grandes empresas
- Até ao final do ano em que cessem as medidas excecionais e temporárias de resposta à epidemia SARS-CoV-2, é proibida a distribuição de dividendos e quaisquer outras formas de remuneração dos acionistas:
- de grupos económicos, definidos nos termos previstos no Capítulo III do Título VI do Código das Sociedades Comerciais, incluindo as entidades que os integrem;
- de empresas não classificadas como micro, pequenas e médias empresas nos termos no artigo 2.º do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro, na sua redação atual.
- É proibido o pagamento de bónus, comissões, gratificações e outras remunerações variáveis a gestores e membros dos órgãos sociais das entidades referidas no número anterior.
- Excetua-se do disposto no número 1 o pagamento de dividendos e outras formas de remuneração dos acionistas quando o acionista for o Estado português.
Artigo 4.º
Regime sancionatório, supervisão e fiscalização
- O regime sancionatório e contraordenacional relativo às proibições e limitações dispostas nos artigos anteriores é regulamentado pelo Governo no prazo de cinco dias após a entrada em vigor da presente Lei.
- A entidade responsável pela supervisão e fiscalização do disposto no artigo 2.º é o Banco de Portugal.
- As entidades responsáveis, em cada um dos sectores de atividade, pela supervisão e fiscalização do disposto no artigo 3.º são identificadas na regulamentação prevista no n.º 1.
Artigo 4.º
Entrada em vigor e vigência
A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação e vigora até ao final do ano em que se mantiverem em vigor as medidas excecionais e temporárias de resposta à epidemia SARS-CoV-2.