Exposição de motivos
A situação que o país enfrenta, ocasionada pelo surto epidémico de SARS-COV-2 e da doença COVID-19, afetando profundamente a economia, tem também grandes impactes nos movimentos comerciais dos fatores de produção de natureza energética a nível internacional com naturais e imediatos reflexos no nosso país.
As alterações, que se perspetivam como duráveis a médio prazo, para além de originarem uma muito significativa desaceleração da economia, com reflexos muito negativos em quase todos os setores de atividade económica, têm consequências socioeconómicas muito gravosas.
Contudo, algumas das alterações nos mercados energéticos estão marcadas por evolução firme e baixista nos preços que, em algumas situações, já vinham de trás, estando relacionadas com o arrefecimento económico global e com circunstâncias excecionais verificadas nos mercados de petróleo e, em consequência, do gás natural.
Os impactos socioeconómicos, especialmente gravosos para os trabalhadores e consumidores de bens e produtos energéticos essenciais, entre os quais avultam a eletricidade e o gás natural, devem ser minimizados, designadamente aproveitando a generalizada baixa nos preços internacionais, repercutindo-a de forma imediata, neste caso nas tarifas e preços finais da eletricidade e do gás natural.
É especial obrigação estatutária da ERSE proceder de forma célere e transparente intensificando todas as ações que no quadro regulatório vigente possam e devam ser adotadas no sentido de fazer refletir nas tarifas e preços finais a baixa registada de forma firme nos mercados de eletricidade e de gás natural.
No caso do referido quadro regulatório não estar suficientemente estabelecido para se poder proceder a um aproveitamento otimizado da tendência de baixa nos preços verificados nos mercados grossistas em favor dos consumidores, haverá que adotar medidas legislativas que afastem esse eventual impedimento.
O documento da ERSE “Tarifas e preços para a energia elétrica e outros serviços em 2020”, aprovado em dezembro de 2019, visou, também, “a criação de mecanismos com efeitos moderadores da volatilidade dos preços de eletricidade nos mercados grossistas, decorrente das variações dos preços do carbono, gás natural, carvão e petróleo”.
A eventual existência de preços do Comercializador de Último Recurso (CUR) desalinhados com a “evolução do mercado grossista pode dificultar a repercussão nos consumidores dos preços de energia do mercado organizado por parte dos comercializadores de mercado, com impactes negativos no funcionamento do mercado e, consequentemente, nos consumidores”.
Sabe-se, nos termos do acima citado documento, que os mecanismos aprovados em 2019 “não são suficientes, por si só, para delinear uma estratégia de aprovisionamento do CUR que assegure a redução de desvios na tarifa de energia face aos preços de energia do mercado grossista”.
As tarifas e preços que vigoram em 2020 foram analisadas e estabelecidas no quadro regulatório definido para o período 2018-2020, designadamente tendo em conta o Regulamento Tarifário em vigor no final de 2019, bem como tendo em conta os parâmetros inseridos em diversos documentos existentes ao tempo, como são os casos dos “Parâmetros de regulação para o período 2018 a 2020”, de dezembro de 2017, “Proveitos permitidos e ajustamentos das empresas reguladas do setor elétrico em 2020”, “Estrutura tarifária do Setor Elétrico em 2020” e a “Caracterização da procura de energia elétrica em 2020”.
Em todos e cada um destes documentos nada apontava para um cenário energético, económico, financeiro e social como o que se vive em função das medidas que resultam da absoluta necessidade de fazer frente ao surto epidémico de SARS-COV-2, nomeadamente na perspetiva socioeconómica.
No caso do previsto nos “Proveitos permitidos e ajustamentos das empresas reguladas do setor elétrico em 2020” é manifesta a desadequação no que aos proveitos permitidos aos operadores diz respeito num tempo de grande excecionalidade onde, além da parametrização tecno-económica, e, imperioso privilegiar critérios de equidade.
Considerando os valores reais disponíveis em dezembro de 2019, as previsões para as entregas de energia elétrica em 2020, plasmadas no mercado de futuros de energia elétrica do OMIP, para além dos resultados dos leilões de aprovisionamento do CUR, apontavam que o custo médio de aquisição para 2020 seria de 61,33 €/MWh, superior ao estimado para 2019, que se situou em torno dos 56,84 €/MWh, e abaixo do previsto em tarifas para 2019, registado em 65,49 €/MWh. Por essa razão o custo médio de aquisição do CUR previsto para 2020 em Portugal foi registado em 61,33 €/MWh.
A previsão do preço médio de energia elétrica do CUR considerada no processo de fixação de tarifas para o ano 2020 foi de 58,45 €/MWh, nos termos e com os fundamentos que se encontram na Diretiva n.º 3/2020, de 17 de fevereiro, da ERSE.
Face às consequências socioeconómicas da pandemia e, também, a outros factos que estão a ocorrer nos mercados internacionais spot e de futuros, verificam-se pronunciados abaixamentos dos preços das matérias primas energéticas e, no que interessa no caso presente, no de eletricidade nos mercados grossistas, onde já se atingiram valores abaixo dos 20 €/MWh que, segundo indicação de agências internacionais, se manterão até início do próximo ano, não sendo provável que, em média e até ao final de 2020, o preço da eletricidade transacionada no OMIP ultrapasse os 40 €/MWh.
O acima referido preço médio serve de referência fundamental para o cálculo de diversas tarifas implícitas no modelo regulatório que, por sua vez se refletem nas tarifas transitórias (reguladas) que impactam os preços pagos pelos consumidores finais.
O artigo 144.º-A do Regulamento Tarifário, aprovado pelo Regulamento n.º 76/2019, de 18 de janeiro, prevê um mecanismo de adequação dos custos de aquisição de energia elétrica previsto para o CUR face à dinâmica verificada no mercado grossista, prevendo a revisão extraordinária da tarifa de Energia pela ERSE de forma transparente, automática e balizada em termos dos impactes tarifários associados à sua aplicação. O Artigo 144.º-A - Monitorização da adequação da tarifa de energia e sua atualização”, refere exatamente, no ponto 1, que “ A adequação da tarifa de energia será monitorizada trimestralmente através do desvio na previsão do preço médio de energia do CUR”.
Os preceitos regulatórios referidos permitem e obrigam a ERSE a agir de forma célere e transparente em benefício dos consumidores.
A necessária alteração da tarifa de Energia deve, portanto, respeitar com rigor o que acima se expõe e, assim, permitir a repercussão em todos os preços da energia ativa, discriminados por período horário, das tarifas transitórias de Venda a Clientes Finais em Portugal continental, da tarifa Social de Venda a Clientes Finais do CUR em Portugal continental e em todos os preços da energia ativa, discriminados por período horário, das tarifas de Venda a Clientes Finais, incluindo a tarifa social e a tarifa de Energia e Comercialização da mobilidade elétrica, nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira.
Entretanto, verificou-se a emissão pela ERSE de diversas Diretivas, entre elas a N.º 6/2020, relativa à Atualização da Tarifa de Energia do Setor Elétrico, bem como uma Proposta quanto às tarifas do gás natural que não respondem às necessidades nem garantem os direitos dos consumidores.
No caso do gás natural, argumentando que o “contexto de incerteza devido à pandemia de Covid-19, terá um impacte potencialmente forte no nível de procura de gás natural”, a ERSE remete para 1 de outubro de 2020 a sua proposta de tarifas e preços de gás natural que devem ter como objetivo responder à crise.
Na vertente da eletricidade a Diretiva N.º 6/2020, de 1 de abril, com vista à Atualização (extraordinária) da Tarifa de Energia do Setor Elétrico, a ERSE adota, sem justificação plausível, um valor médio do custo da eletricidade no mercado grossista à volta de 47,5€/MWh quando, no presente, se pode contratar no mercado de futuros eletricidade abaixo dos 39€/MWh.
Sem prejuízo das medidas imediatas que o PCP propõe no presente Projeto de Lei, a presente situação constitui mais um exemplo da evidente necessidade de que setores estratégicos como o da eletricidade e do gás estejam sujeitas a um controlo público que não é suficiente através dos atuais mecanismos regulatórios.
Nestes termos, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projeto de Lei:
Artigo 1.º
Objeto
A presente lei procede à revisão extraordinária das tarifas de energia elétrica e gás natural e à definição de um regime excecional quanto aos procedimentos regulatórios nos setores da eletricidade e do gás natural.
Artigo 2.º
Revisão extraordinária das tarifas de energia elétrica e gás natural e à definição de um regime excecional quanto aos procedimentos regulatórios nos setores da eletricidade e do gás natural
As tarifas de energia elétrica e gás natural são revistas nos termos do regime excecional quanto aos procedimentos regulatórios nos setores da eletricidade e do gás natural estabelecido no presente artigo, nos seguintes termos:
- É determinada a alteração da Diretiva nº 6/2020, de 1 de abril, da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE), adotando como custo médio de aquisição pelo Comercializador de Último Recurso, a partir de 1 de abril e no que resta do ano de 2020, o valor máximo de 40 €/MWh;
- A Proposta da ERSE, feita através de Comunicado publicado a 31 de março, relativa a tarifas e preços de gás natural, entra em vigor de forma imediata;
- São sujeitos a apreciação prévia pelo Governo todas as Diretivas ou outros documentos regulamentares que tenham ou possam ter impacto nas tarifas transitórias da eletricidade e gás natural;
- A ERSE reporta ao Governo e à Assembleia da República o conjunto de documentos publicados no ano de 2020 com repercussão objetiva nas tarifas e preços de eletricidade e gás, incluindo a identificação de eventuais medidas legislativas ou de outra natureza que sejam necessárias à adoção de medidas mitigadoras dos impactes em termos de preços nos consumidores finais.
Artigo 3.º
Entrada em vigor e vigência
A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação e vigora até à cessação das medidas excecionais e temporárias de resposta à epidemia SARS-CoV-2.