Intervenção de João Frazão, membro da Comissão Política do Comité Central, Audição Pública «Produção e Soberania Alimentar»

«A defesa do nosso povo exige que se intensifique a luta pela soberania alimentar»

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A primeira palavra que o PCP quer deixar é para os agricultores, pescadores e trabalhadores.

Para todos os que, de forma persistente, continuam a lançar as sementes à terra, a amanhar as suas culturas, a adubar, a lavrar, a podar, a cavar, a alimentar e cuidar dos seus animais, para todos os trabalhadores agrícolas, incluindo os migrantes que estão tantas vezes em condições sub-humanas e que os grandes agrários e os intermediários deixam à sua sorte na primeira curva, e aos que continuam a ir ao mar, para assegurar o abastecimento dos nossos mercados e a alimentação do povo português.

O surto epidémico de Covid-19 exigiu respostas imediatas com vista à prevenção para travar a sua propagação e assegurar o tratamento, para salvar quantas vidas for possível.

Mas trouxe também para primeiro plano problemas que, designadamente, o PCP sempre denunciou, por vezes perante a incompreensão de muitos, seja a necessidade de reforço do Serviço Nacional de Saúde, seja, no que aqui nos diz respeito, à defesa da soberania alimentar do nosso País.

O PCP tem tratado esta matéria, alertando para os elevados défices agro-alimentares do País, incluindo pela voz do seu Secretário-geral, Jerónimo de Sousa.

Nas actuais circunstâncias que o País e o mundo vivem, o PCP considera indispensável a tomada de medidas para assegurar o abastecimento alimentar à população portuguesa e vem acompanhando esta realidade, designadamente avançando com perguntas na Assembleia da República e mesmo com propostas legislativas.

Importará sublinhar o quadro de dificuldades no sector alimentar presentes nesta crise.

Um quadro onde imperam as consequências de décadas de integração na União Europeia, da imposição da Política Agrícola Comum e da Política Comum de Pescas e de políticas nacionais ao serviço do grande agro-negócio, de concentração da produção e da distribuição, com destruição do nosso aparelho produtivo, com a eliminação de mais de 400 mil explorações agrícolas, particularmente pequenas e médias, e com o abate de milhares de embarcações.

Um quadro de envelhecimento da população agrícola com o agricultor a ter, em média, acima de 66 anos.

Um quadro de uma fortíssima dependência externa para assegurar a nossa alimentação, com a balança externa alimentar próxima dos 4 mil milhões de euros negativos, situação que é particularmente grave nos cereais, desde logo no trigo, com uma dependência de mais de 90% (e ao que se conhece, a área dos cereais de inverno voltou a diminuir e é mesmo a menor dos últimos 100 anos, segundo o INE) e no milho, como confirmou há poucas semanas a Anpromis no seu Congresso, onde a produção nacional só assegura 30% das necessidades nacionais; no Pescado, com uma dependência na ordem dos 1.000 milhões de euros anuais ou na carne, designadamente nos bovinos, que pesa também quase 1.000 milhões de euros na balança.

Mas poderíamos falar da batata ou dos derivados do leite e teríamos um retrato mais alargado.

A crise que estamos a atravessar desmente as teorias, que justificaram as opções de sucessivos Governos, nomeadamente o do PSD/CDS, e que Capoulas Santos também partilhava, de que a solução era o equilíbrio da balança comercial em valor. Agora bem podemos ter azeite com fartura para vender e tentar equilibrar as contas da balança alimentar, mas não ter a possibilidade de alimentar o nosso povo.

Ou a teoria, ainda há bem pouco tempo defendida pelo Ministro do Ambiente, de que seria mais barato comprar bovinos no estrangeiro do que produzi-los em Portugal.

O PCP sublinha ainda as debilidades do Ministério da Agricultura provocadas por décadas de política de direita que levam a dificuldades acrescidas no acompanhamento técnico e na ajuda aos pequenos agricultores.

O surto epidémico coloca à agricultura e às pescas nacionais novos desafios e exigências.

Os primeiros sinais são preocupantes.

Sectores da maior importância, assistem a quebras muito significativas na procura, de que destacaríamos o pescado, as raças autóctones, os ovinos e caprinos, os queijos, os leitões, mas também um sector que, não sendo essencial, representa milhares de postos de trabalho e mais de 7% da produção agrícola nacional, o das plantas e flores.

O encerramento de mercados de bens alimentares, de cantinas e da restauração e a não realização de algumas feiras e eventos, por exemplo, de promoção do Queijo da Serra, levaram a problemas, no imediato, de incapacidade de escoamento, a que é necessário dar respostas.

Por outro lado, não obstante o esforço feito pelas organizações agrícolas para manterem em funcionamento as suas estruturas de fornecimentos, é necessário garantir que não se verifiquem interrupções no fornecimento de sementes, adubos, produtos fitofármacos e outros factores de produção, principalmente aos pequenos e médios produtores.

A alimentação é um bem essencial à humanidade. Tem de estar entre as prioridades da acção governativa. Exige medidas imediatas de acompanhamento, de iniciativa política, de intervenção para assegurar a continuidade no abastecimento às populações.

Neste quadro, o PCP, manifestando a sua estranheza perante o facto de esta não ter sido incluída no Gabinete de Crise, associado ao acompanhamento do Estado de Emergência, nem por via do Ministério da Agricultura, nem do Ministério do Mar, considera indispensável assegurar que essas medidas se dirijam em particular para a pequena e média agricultura e a agricultura familiar, e para os pequenos pescadores e armadores, nomeadamente:

- a retirada de produção alimentar (agrícola e das pescas), a preços justos à produção, envolvendo as estruturas associativas existentes, para não desperdiçar o que está nos campos ou os animais prontos para abastecer as populações, para assegurar rendimentos aos produtores e pescadores e capacidade de prosseguirem o trabalho, nomeadamente iniciar a próxima campanha que está aí à porta.

Não o assegurar é a ruína anunciada de milhares de explorações, é deixar o País à mercê de quem nos quiser vender, ao preço que entender, isto se cada país não começar a reter as suas próprias reservas alimentares.

- manter em funcionamento dos mercados locais de produtos alimentares, e a reabertura de alguns entretanto encerrados, em estruturas fixas ou temporárias, assegurando as condições de higiene, saúde e segurança alimentar e para as pessoas.

- a consideração de apoios à tesouraria adequados à realidade agrícola, designadamente com empréstimos a muito longo prazo, e prazos de carência ajustados, com as adaptações necessárias no regime fiscal e contributivo.

- a garantia do direito à mobilidade dos agricultores, para as suas explorações, para comprar o que precisam, para escoar a produção, com apoios das autoridades a esse objectivo.

- a antecipação de todas as ajudas comunitárias, aligeirando regras e procedimentos, assegurando por exemplo a suspensão dos critérios do “greening” e potenciando ao máximo o Regime da pequena agricultura.

- a garantia dos equipamentos de protecção individual necessários à actividade agrícola e piscatória. Registe-se a particular exposição de certos sectores como os pescadores, obrigados a trabalhar em espaços confinados.

- a garantia dos apoios necessários de emergência às estruturas do Movimento Associativo, agora que estão impossibilitadas de desenvolver inúmeros projectos públicos financiados, para prosseguirem o trabalho em que se substituem ao Ministério da Agricultura.

Para o PCP, a questão essencial é assegurar o rendimento imediato aos agricultores e aos pescadores e armadores para garantir que fazem todas as sementeiras da primavera e continuam a ir ao mar e se concretiza todo o potencial produtivo do País. A defesa do nosso povo exige que se intensifique a luta pela soberania alimentar.

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