Intervenção de Paula Santos na Assembleia de República

«A habitação não pode ser tratada como uma mera mercadoria»

Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sras. e Srs. Deputados,

O diagnóstico sobre o acesso à habitação no nosso país está feito - elevados custos com a habitação, a precarização do arrendamento, a facilitação dos despejos, dificuldades no acesso à habitação em particular pelos jovens e famílias com baixos rendimentos, famílias que residem em habitações sem condições, parque habitacional do IHRU degradado.

O que é preciso é uma política alternativa que rompa definitivamente com os interesses de grupos económicos e financeiros, é preciso romper com a financeirização e a especulação no sector imobiliário.

A concretização do direito a uma habitação condigna para todos passa pelo papel determinante do Estado na promoção de habitação; a mobilização do património habitacional público para o arrendamento nos regimes de renda apoiada ou condicionada; a assunção de uma política de solos que contrarie a especulação imobiliária; a criação de instrumentos que possibilitem que as habitações injustificadamente devolutas possam ser utilizadas para arrendamento e a responsabilização da Administração Central pela direcção e gestão das políticas de habitação.

Em matéria de habitação, a proposta de lei do Orçamento de Estado para 2019 não rompe com as opções políticas de favorecimento dos interesses dos grupos económicos e financeiros que ao longo de décadas especularam com um bem fundamental, a habitação e daí obtiveram chorudos lucros à custa do endividamento forçado das famílias.

O Governo continua a deixar a intervenção nesta área nas mãos dos privados e do dito “mercado” que já demonstraram que não resolvem o problema do acesso à habitação, remetendo o Estado para um papel supletivo, ausente de intervenção directa na disponibilização de habitação pública para suprir as necessidades habitacionais.

Mantém a desresponsabilização do Governo na garantia do direito constitucional à habitação. A habitação não pode ser tratada como uma mera mercadoria, com que se pode especular em função dos tais “mercados”, a habitação cumpre uma função social, portanto deve ser utilizada primordialmente para a resolução dos problemas existentes no país.

Analisando a proposta constatamos que o nível de investimento na área de habitação é francamente insuficiente e não permite dar o salto quantitativo e qualitativo que a situação exige.

O Governo refere o investimento de 40 milhões de euros ao abrigo do programa 1º direito com vista ao realojamento de famílias que hoje vivem em habitações indignas como um passo importante. Sem dúvida que o objectivo de eliminar as habitações precárias e assegurar dignidade às famílias é relevante, o Governo esqueceu-se foi de referir que empurrou a total responsabilidade pela concretização deste programa para as autarquias, quando é uma responsabilidade da Administração Central.

Em matéria de arrendamento ao invés de acompanhar o PCP na revogação da lei dos despejos, a solução adequada para travar os despejos e proteger adequadamente os inquilinos, o Governo opta por atribuir borlas fiscais aos proprietários que aumentarem a durabilidade do contrato. A política de arrendamento não é política fiscal, nem é pela atribuição de benefícios fiscais a fundos e grupos financeiros, os grandes beneficiados destas medidas, que irão surgir mais habitações para arrendamento.

Nem é a redução em 20% do valor de renda, tendo como referência o valor de mercado, em troca de benefícios fiscais aos proprietários, como propõe o programa Arrendamento Acessível, que garantirá acessibilidade das famílias à habitação. Vejamos o exemplo de uma família que aufira salário médio, uma família que aufira salário médio, só ficará abrangida por este programa se o valor da renda já com a redução for até 754 euros. Quando um T2 para arrendar em Lisboa se situa entre mil e 1500 euros, rapidamente se conclui que encontrar uma casa com condições de habitabilidade e área adequada em função da dimensão do agregado familiar, com as condições abrangidas por este programa é como encontrar uma agulha no palheiro. Da experiência de outras cidades europeias que avançaram com medidas idênticas, é que a acessibilidade é só para quem aufira rendimentos acima da média.

Assiste-se a uma elitização dos centros urbanos e dos centros históricos. As famílias com rendimentos mais baixos estão a ser expulsas para dar lugar a famílias com rendimentos muito elevados e as propostas do Governo não põem termo a este flagelo.

O PCP continuará a travar a batalha por uma política de habitação que sirva os interesses do povo, onde o Estado assuma um papel determinante na promoção pública de habitação, que concretize o desígnio constitucional do direito à habitação. Na discussão na especialidade deste Orçamento apresentaremos propostas nesse sentido.

Disse.

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