Senhor Presidente,
Senhor Primeiro-Ministro,
Senhores Membros do Governo,
Senhoras e Senhores Deputados,
É estranho andar para a frente andando mesmo para trás. Este foi o paradoxo que marcou o percurso orçamental da cultura ao longo de anos. O mais baixo orçamento de sempre em termos relativos – 0,1% -, feito alcançado pelas mãos de PSD e CDS em 2015, viu o recorde tristemente ultrapassado em 2016 e foi um balde de água fria. Em 2010, tínhamos 0,29% do Orçamento e 0,14% do PIB. Uma década antes, havia 0,6% da despesa total da Administração Central e 0,2% do PIB. Em termos de orçamento, parecia então mais fácil saltar para o futuro de 1% para a cultura.
Regressando ao presente, o lento caminho de reforço orçamental ao nível da despesa por medidas do programa cultura feito nesta legislatura foi realizado ao ritmo de pouco mais de 19,5 milhões ao ano, em média. Só que os problemas que se acumularam na cultura são de tal ordem graves, que não se compaginam com tanta timidez na hora de os resolver. O orçamento para 2019 tem um aumento, que não chega ao peso relativo máximo do passado e que não chega.
Senhor Primeiro-Ministro, está mais que na hora de inscrever o objectivo de 1% para a Cultura no Orçamento do Estado e de organizar um plano com medidas concretas para lá chegar e para desenvolver um verdadeiro serviço público de cultura.
Nos orçamentos desta legislatura, o PCP foi o único partido a fazer esta proposta concreta em sede de orçamento. E no orçamento de estado de 2018, fomos os únicos a propor uma outra coisa: 25 milhões para os apoios às artes. Dissemos que era fundamental para começar a reverter o caminho do desastre. Meses depois, os impensáveis resultados do concurso de apoios sustentados tiveram como resposta os protestos de milhares de pessoas na rua, de norte a sul do país. Foi talvez a gota d’água que arrancou o grito há muito preso na garganta de muita gente. Sim, continuamos a precisar de reforçar os apoios às artes, no mínimo, para 25 milhões, e precisamos de alterar o um modelo de apoios que era caduco à partida.
Quanto ao Património, a situação de degradação e incúria mantém-se, e o único caminho que o Governo parece apontar é a prossecução de uma política de alienação e entrega de imóveis classificados à sede de exploração privada, desresponsabilizando-se quase totalmente das suas obrigações de salvaguarda. Assinalamos positivamente o resgate da Fortaleza de Peniche dessa sanha privatizadora e o plano para a sua recuperação, que avançou por iniciativa do PCP. Sim, muito lutámos por isso, mas não esquecemos outros monumentos e sítios que precisam de intervenção da Administração Central.
Há uma falta gritante de pessoal. Aliás, este motivo, a par da falta de condições de trabalho e do desrespeito pelo direito ao descanso, gozo de férias e pagamento de trabalho suplementar, levou a uma greve entre os dias 25 e 28 de Outubro que contou com a adesão de 100% dos trabalhadores da bilheteira, recepção e vigilância do Mosteiro dos Jerónimos, Torre de Belém e do Museu Nacional de Arqueologia. E o Governo prefere gastar dinheiro a comprar máquinas automáticas de venda de bilhetes a reforçar o número de trabalhadores, caminhando cada vez mais para a desumanização e esvaziamento da capacidade técnica de museus, palácios, monumentos e sítios arqueológicos.
Também o combate à precariedade e à exploração na área da cultura em geral, a nível público e privado, precisa de medidas concretas que ultrapassem a mera enunciação de intenções.
Outros problemas se colocam. A Cinemateca e o ANIM carecem de intervenção urgente, com o necessário reforço de meios, por forma a garantir a sua natureza integralmente pública e o cumprimento cabal da sua missão. Precisam de receitas gerais do orçamento do Estado, não podem viver apenas de receitas próprias e da cobrança de taxas. Os contratos-programa com os teatros nacionais e o OPART são um passo positivo, mas insuficiente e tardio. Os incentivos à criação literária e à leitura têm de ser levados mais longe.
Uma palavra ainda para o alargamento do acesso à cultura. O PCP considera positiva a redução da taxa de IVA para os espectáculos já consagrada no orçamento, mas importa considerar o seu alargamento para que se torne numa medida mais justa e de maior alcance.
Senhoras e Senhores Deputados,
A massificação da fruição cultural é apenas uma parte do caminho que tem de ser feito para o cumprimento do direito à cultura constitucionalmente consagrado. Ficar apenas por aqui é permitir que a mercantilização da cultura avance galopantemente, preenchendo a componente da fruição apenas e só com bens de mercado. Uma verdadeira democratização da Cultura passa obrigatoriamente também pela massificação da criação cultural como garante da liberdade e como pilar da democracia. Só a tomada de medidas concretas rumo ao 1% para a Cultura pode responder a esta exigência.