Intervenção de Paula Santos, Membro do Comité Central e Deputada, Encontro Nacional do PCP sobre a saúde em Portugal

A política de direita na Saúde

A política de direita na Saúde

Saúdo a participação de todos os camaradas e amigos presentes, e todos os que contribuíram para o aprofundamento da reflexão do partido sobre as questões da saúde.

Permitam-me que saúde também a realização deste importante encontro para a ampliação da ação e intervenção do partido na área da saúde e na defesa do Serviço Nacional de Saúde (PCP). Não tenho dúvidas que sairemos deste encontro em melhores condições para combater a ofensiva ideológica que o SNS tem sofrido nas últimas décadas, defender o reforço do SNS universal e geral, e divulgar a nossa proposta e o reforço da organização.

Camaradas,
Curar os doentes é um modelo de negócio sustentável? Esta foi a questão suscitada num relatório da Goldman Sachs (conhecido grupo financeiro), e que foi notícia na semana passada. Colocavam dúvidas se o investimento a realizar em tecnologias e terapias na área da saúde era positivo, dando exemplo do medicamento que tem uma taxa de cura da hepatite C superior a 90%, que nos primeiros anos a venda desse medicamento representou um elevado volume de negócios, mas que a evolução daí para a frente é expectável que a receita desça vertiginosamente.

Não podia ser mais claro! Para os privados o que importa é a doença e não a saúde. O que dá lucro aos privados é a doença e não a saúde.

O ataque ao SNS, protagonizado por PS, PSD e CDS não é obra do acaso. Insere-se nas opções políticas e ideológicas destes partidos de desresponsabilização do Estado na garantia a todos de um direito constitucional, o direito à saúde, para criar as condições para a progressiva transferência de cuidados para os privados.

Já há mais hospitais privados do que públicos e à medida que o número de hospitais públicos diminui, o número de hospitais privados aumenta. Há menos camas de agudos nos hospitais públicos, para as abrirem no privado. O número de episódios de urgência atendidos no privado mais que duplicou nos últimos anos (representando 15,8% do total) e o número de consultas e cirurgias realizadas no hospital privado correspondem a 34% e 27% respectivamente, no total.

São dados oficiais do INE que revelam que há claramente uma transferência da prestação de cuidados do público para o privado.

A estratégia há muito que está montada e têm-se vindo a consolidar – desinvestir, descredibilizar e fragilizar o SNS, reduzindo-lhe capacidade de intervenção, para justificar a privatização da saúde, tornando-a num negócio altamente lucrativo.

Dois exemplos bem recentes revelam que não há investimento no SNS para deixar espaço para os privados. No Montijo o desinvestimento no hospital público e visível na degradação das instalações e no esvaziamento de serviços e valências, mesmo depois de ter sido assinado um protocolo em 2007 para a instalação vários serviços, que nunca chegaram a ver a luz do dia. Recentemente o Grupo Mello Saúde adquiriu um espaço para construir um hospital. Aqui está a razão para o desinvestimento no hospital público. A região do Litoral Alentejano tem inúmeras carências no plano da saúde e recentemente o Hospital Particular do Algarve adquiriu uma clínica, com claras intenções de a expandir e evoluir para um hospital.

A desresponsabilização do Estado na saúde traduz-se no desinvestimento público, no ataque aos direitos dos profissionais de saúde, no aumento dos custos da saúde no rendimento das famílias (as despesas das famílias com a saúde atingem 27% do total das despesas em saúde) e a progressiva entrega de serviços públicos de saúde para o privado.

O subfinancimento, o encerramento de centros e extensões de saúde (entre 1980 e 2011 foram encerradas 1560 extensões de saúde); a redução de horários de funcionamento das unidades de cuidados de saúde; o encerramento, fusão e concentração de serviços e valências em especial nas unidades hospitalares; a degradação de instalações; a obsolescência de equipamentos; o funcionamento em situação de ruptura de vários serviços e valências; o ataque aos direitos dos trabalhadores; a desvalorização das carreiras dos profissionais; a carência de profissionais de saúde; o elevado número de utentes sem médico de família; a implementação do enfermeiros de família que tarda em chegar; são as consequências da política de direita na saúde e que se reflecte na negação do acesso a cuidados de saúde a milhares e milhares de portugueses, nos elevados tempos de espera nas consultas, cirurgias, exames ou tratamentos, doentes internados em macas e em corredores, na perda de proximidade na prestação de cuidados de saúde, na redução da capacidade de resposta do SNS face às necessidades de saúde dos utentes.

Paralelamente, em vez de o Estado investir no SNS para reforçar a sua intervenção e capacidade e reduzir progressivamente o encaminhamento de utentes para entidades privadas com acordos, protocolos ou convenções, como a emissão de cheque-cirurgia no âmbito do SIGIC ou a prescrição de exames, há um incremento na entrega de serviços públicos à gestão privada: as parcerias público-privadas; a utilização da ADSE para financiamento directo dos privados; a concessão de diversos serviços de imagiologia de hospitais públicos; a concessão da gestão do Centro de Reabilitação do Norte; a entrega de três hospitais públicos (Serpa, Anadia e Fafe) para a gestão das Misericórdias, e estava em curso a entrega de mais três hospitais (Fundão, Santo Tirso e São João de Madeira) para as Misericórdias, que não se concretizou devido à intervenção do PCP; a criação de unidade de cuidados continuados integrados, sobretudo em entidades privadas com ou sem fins lucrativos e o estabelecimento de protocolos com quatro Misericórdias na Península de Setúbal para a prestação de cuidados de saúde no âmbito dos CSP aos utentes sem médico de família, dando largos passos para a implementação das USF modelo C.

Estamos em presença de uma reconfiguração do Estado, colocando-o ao serviço dos interesses privados em detrimento do interesse público.
Pela sua natureza e dimensão, a transferência de competências para as autarquias proposto pelo Governo PS, constitui mais um elemento da reconfiguração do Estado, num quadro em que não está colocada a criação das regiões administrativas dando coerência à organização administrativa do Estado e em que as autarquias são utilizadas como instrumento para a privatização de funções sociais do Estado.

Objecto de um acordo entre PS e PSD tornado público esta semana, de relevante significado político, e que nas últimas décadas sempre convergiram na desresponsabilização do Estado, o que não augura nada de positivo.

A descentralização é um princípio em que assenta a nossa Constituição. Mas não é isso que está a ser proposto. Como é possível assegurar a universalidade do acesso à saúde com 308 políticas de saúde? Ou como é possível resolver hoje um conjunto de problemas existentes, em particular no que respeita às instalações das unidades de cuidados de saúde primários, quando os montantes a transferir não podem significar aumento da despesa pública?

Para transferir competências para as autarquias não basta identificar essas competências, é preciso antecipadamente definir os princípios, objectivos, critérios e condições para o seu exercício, no plano dos meios humanos, técnicos, materiais e organizacionais, tal como o partido propõe no projecto de lei que entregou na Assembleia da República. Até hoje não se conhece de forma global o impacto da transferência de competências para as autarquias.

Tudo isto nos leva a concluir que estamos em presença de um processo de descentralização de competências, mas sim de desresponsabilização do Governo, e de transferências de encargos para as autarquias. O Governo pretende livrar-se de um conjunto de problemas e da contestação das populações.

Camaradas,
Está a fazer caminho a estratégia de uma saúde a duas velocidades, por um lado um SNS desqualificado para os mais pobres com um conjunto mínimo de prestação de cuidados e por outro lado uma resposta qualificada, privada para quem tem elevados rendimentos. Este caminho não serve e distancia-se do princípio constitucional do direito à saúde.

É preciso romper com as opções da política de direita e retomar os valores de abril, na defesa do direito à saúde, universal, geral e gratuito, que só o SNS tem condições de assegurar, com qualidade, e sem qualquer discriminação em função das condições económicas e sociais.

Viva o Encontro Nacional do Partido sobre saúde!
Viva o PCP!

  • Encontro Nacional do PCP sobre a saúde em Portugal 2018
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