Intervenção de Albano Nunes, Membro da Comissão Central de Controlo, Conferência «II Centenário do nascimento de Karl Marx – Legado, Intervenção, Luta. Transformar o Mundo»

Liberdade, democracia e socialismo: objectivo da luta da classe operária, dos trabalhadores e dos povos

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A classe operária e o processo revolucionário mundial

Liberdade, democracia e socialismo não são conceitos abstractos e intemporais. Têm um carácter histórico e um conteúdo de classe.

Basta comparar a democracia esclavagista ateniense com a democracia saída da grande revolução burguesa de 1789 em França e esta com a democracia da Comuna de Paris ou do Poder Soviético para ver as profundas diferenças e o enriquecimento ao longo do tempo do conceito de “democracia”.

Com a ciência do materialismo histórico Karl Marx veio pôr em evidência as leis que regem o movimento da sociedade e o sentido de evolução da História que – num processo determinado pelo desenvolvimento das forças produtivas e tendo como “motor” a luta de classes - é o sentido do progresso social, da expansão das liberdades democráticas, da emancipação do homem de todas as formas de exploração e opressão de classe, o socialismo e o comunismo.

Não é casual que as seculares aspirações de liberdade, justiça e igualdade social que juncaram a História com grandes lutas e extraordinárias manifestações de heroísmo popular tenham finalmente encontrado, com Marx e Engels, a explicação do seu lugar no processo histórico e a perspectiva real da sua materialização. Isso tornou-se possível pelo desenvolvimento do capitalismo e pela entrada do proletariado no palco da História (que nas revoluções de 1848 intervém pela primeira vez com as suas reivindicações próprias e não como até então como mera “cauda da burguesia”) e, como ficou claro no “assalto aos céus” da Comuna de Paris, apresentando-se como a classe mais consequentemente revolucionária e a única que, ao libertar-se da exploração e opressão de que é vítima, liberta todas as outras pondo fim à própria divisão da sociedade em classes.

Toda a vida de Marx, pondo em evidência a missão histórica universal da classe operária e lutando pela concretização prática dessa missão com a conquista do poder político e a transformação socialista da sociedade, é simultaneamente uma vida de luta pela liberdade e a democracia. Empenhando-se na construção do partido autónomo e na acção independente do proletariado, combatendo tudo quanto pudesse diluir o partido ou colocá-lo a reboque da burguesia, Marx considerou sempre indispensável a participação dos comunistas nas grandes batalhas democráticas do seu tempo.

Observador e participante apaixonado das lutas populares e de libertação nacional em todo o mundo – na luta contra a reacção prussiana, como no apoio ao movimento cartista na Inglaterra, na luta pela unificação democrática da Alemanha ou da Itália como na activa solidariedade aos revolucionários vítimas da violenta repressão da Comuna de Paris, nas lutas dos povos sujeitos ao domínio colonial – Marx esteve sempre na primeira linha da luta pela liberdade e a democracia, mas sempre também de olhos postos na revolução socialista que, só ela, pode conduzir à liberdade e à democracia autênticas.

A natureza de classe e a essência humanista do ideal e do projecto comunista, são indissociáveis. Combatendo pela causa do proletariado Marx e Engels combatiam pela emancipação de toda a Humanidade, por uma sociedade em que “o livre desenvolvimento de cada um é condição do livre desenvolvimento de todos”.

Dois séculos depois do nascimento de Karl Marx e 170 anos após a publicação do Manifesto do Partido Comunista o mundo, que entretanto conheceu extraordinários avanços libertadores, vive uma situação muito instável e perigosa, marcada por uma violenta ofensiva exploradora e agressiva do imperialismo, em que é real o perigo de regressão civilizacional e mesmo de holocausto nuclear.

A trajectória ascendente de liberdade, democracia e progresso social, conquistada pela luta libertadora dos trabalhadores e dos povos está a ser posta em causa pela hegemonia mundial do sistema capitalista, pelos grandes grupos económicos e financeiros que detém o poder político e mostram ser capazes dos maiores crimes para defender o seu poder.

As particularidades da situação (com uma densa rede de contradições e um complexo processo de rearrumação de forças), as dificuldades da resistência e da luta dos trabalhadores e dos povos e o atraso das forças capazes de inverter as tendências negativas da evolução mundial são bem reais. Mas é precisamente em tempos de refluxo revolucionário e de sofisticada ofensiva ideológica como os que vivemos que mais valiosas se mostram as lições da história, pois elas fortalecem a confiança na força da luta organizada das massas populares, e ajudam a encontrar, por mais difíceis que sejam, os caminhos que acabarão por conduzir à vitória das forças do progresso social e da paz sobre o imperialismo e a reacção internacional.

Sabemos que na acção revolucionária nada pode substituir a análise concreta da situação concreta e as mudanças económicas, sociais, culturais, ideológicas desde os tempos de Marx são muito profundas. Mas a resposta na actualidade às novas situação e aos novos fenómenos, se não pode jamais encontrar-se pronta a usar nos clássicos do marxismo-leninismo, só pode ser encontrada na base dos grandes princípios e científicas descobertas do marxismo-leninismo.

E quanto a isto é realmente notável a actualidade de Marx.

Desde logo em relação à análise do capitalismo (enriquecida por Lenine na fase do imperialismo) às suas insanáveis contradições, tendências de evolução, e exigência da sua superação revolucionária.

Confirmando a previsão de Marx a complexa e perigosa situação mundial actual mostra que a contradição entre o carácter social da produção e a apropriação capitalista privada se tornou extraordinariamente aguda. A apropriação pelo grande capital das revolucionárias conquistas da ciência e da técnica, subordinando-as à corrida ao máximo lucro, coloca o mundo perante terríveis ameaças, a começar pela ameaça de holocausto nuclear, a par de muitos outros perigos que, como no domínio da manipulação genética ou da inteligência artificial, estão a ser congeminados e em desenvolvimento, em laboratórios de investigação mais ou menos ligados ao complexo militar-industrial. A previsão de Marx de que o capitalismo, depois do papel progressista que desempenhou na liquidação do feudalismo, evoluiria num sentido crescentemente reaccionário e destruidor, aí está diante de nós, tornando mais actual e urgente a sua superação. “No desenvolvimento das forças produtivas atinge-se um estádio no qual se produzem forças de produção e meios de intercâmbio que, sob as relações vigentes, só causam desgraça, que já não são forças de produção mas de destruição ...”, escreveram Marx e Engels em A Ideologia Alemã. Cento e setenta e dois anos depois estamos confrontados com ameaças bem reais que tornam necessário e possível o alargamento das alianças da classe operária em torno de objectivos democráticos, anti-monopolistas e anti-imperialistas e, objectivamente, na sua luta contra o Capital.

As nuvens que pesam sobre a humanidade e o difícil quadro em que hoje se desenvolve a acção dos comunistas e de todas as forças progressistas e revolucionários de modo algum põe em causa o projecto socialista e comunista, pelo contrário confirmam e sublinha a sua necessidade e actualidade.

Fazem-se ainda sentir as consequências das derrotas do socialismo na URSS e no Leste da Europa, da grande alteração da correlação de forças que se verificou no plano internacional, do ânimo que deu às forças mais reaccionárias e agressivas do capital, da desilusão e quebra do poder de atracção do socialismo que provocou entre as massas. Trata-se de um revés seríissimo. Tal como o triunfo da Revolução de Outubro representou o maior acontecimento emancipador da História da Humanidade, a derrota do empreendimento socialista a que deu lugar na URSS significou um salto atrás no processo revolucionário de grande dimensão.

É certo que o caminho do socialismo se revelou mais complexo, acidentado e demorado do que os sucessos alcançados pelo novo sistema social fizeram supor. E que o capitalismo, contrariando análises e expectativas justificadas pela agudização das suas contradições e pela perda das posições que ao longo do século lhe foram arrancadas pela aliança do campo socialista, da classe operária dos países capitalistas e do movimento de libertação nacional, revelou inesperada capacidade de resistência e mesmo de recuperação de posições perdidas.

Isso é tão evidente na sua vitória no braço de ferro da “guerra fria” com o socialismo, como em episódios históricos vários como o da neocolonização de África, das “primaveras árabes”, ou da contra-ofensiva em desenvolvimento na América Latina.

Mas isso não desmente que a marcha dos povos seja no sentido da liberdade, da democracia e do socialismo, no sentido da completa emancipação social e humana.

Os grandes avanços libertadores que o mundo conheceu desde Marx verificaram-se num processo acidentado, feito de grandes e quase sempre sangrentas batalhas de classe, com avanços e recuos, vitórias e derrotas, períodos de exaltante e criador afluxo revolucionário e de sombrios tempos de refluxo e reacção. Não houve avanço libertador que tenha sido conquistado sem enfrentar a tenaz resistência das classes dominantes, obrigando as massas a grandes sacrifícios e a responder à violência contra-revolucionária com a violência revolucionária.

A verdade porém, como a própria experiência do povo português mostra, é que as vitórias da reacção, mesmo com a imposição das mais violentas ditaduras, nunca impediram o desenvolvimento da luta de classes, que nós marxistas-leninistas consideramos o motor da História, nunca os trabalhadores e os povos desistiram das suas aspirações ou deixaram de lutar. A experiência dos comunistas e do povo português é bem elucidativa. As derrotas das forças revolucionárias e progressistas, das classes exploradas e oprimidas, foram sempre temporárias, atrasando mas sem conseguir deter o movimento no sentido da liberdade, da democracia e do socialismo. Derrotas conjunturais, por mais duras e prolongadas que tenham sido, nunca conseguiram inverter o sentido emancipador da evolução mundial.

A este respeito Marx e Engels deixaram-nos análises de grande valor, nomeadamente em relação à epopeia da Comuna de Paris, tirando de uma derrota que abriu caminho a um longo período de refluxo do movimento operário, ensinamentos para o prosseguimento de uma luta que se tornou finalmente vitoriosa com a Revolução de Outubro. Uma luta que continua. Com atrasos e dificuldades no plano subjectivo das forças revolucionárias, mas que encontra no aprofundamento da crise estrutural do capitalismo e na acentuação do seu carácter explorador, opressor, predador e agressivo, renovados motivos de justificação.

Não se trata aqui de detalhar quanto o mundo globalmente mudou num sentido libertador desde o tempo em que Marx criou a teoria do socialismo científico, redigiu com Engels o primeiro programa do partido comunista e fundamentou cientificamente em O Capital o carácter transitório do capitalismo. Mas deve anotar-se com provas na mão que a mudança foi realmente no sentido que, com base no estudo da história universal e das leis do capitalismo, Marx apontou. Não, claro, no detalhe mas quanto ao conteúdo, às forças motrizes e sentido de evolução, e em relação a isso é incontestável que ele é o da liberdade, da democracia e do socialismo.

Nos países capitalistas a classe operária e o trabalho assalariado arrancaram ao capital e ao seu poder de Estado grandes conquistas democráticas e sociais que hoje, questionadas e atacadas pelo grande capital financeiro e especulativo, são consideradas aquisições de civilização e, inscritas em larga medida no próprio direito burguês, constituem uma arma na luta dos trabalhadores contra a exploração e por um mundo mais equitativo e mais justo. Sob os golpes de um poderoso movimento de libertação nacional - que Marx apenas conheceu como embrião mas que apoiou com profundo respeito e convicção internacionalista, avançando o conceito de que não pode ser livre um povo que oprime outros povos – desmoronou-se o sistema colonial e chegou mesmo a acontecer, como o PCP criativa mente assinalou, que numerosos povos recém independentes procuraram no marxismo -Leninismo e nas experiências dos países socialistas, o caminho para a superação do seu atraso secular. Embora hoje desaparecido como poderoso sistema mundial que durante décadas fez frente e condicionou o imperialismo, o campo dos países socialistas formado chegou a abranger um terço da humanidade.

Nem mesmo duas guerras mundiais e inúmeros outros crimes do capitalismo conseguiram inverter

o curso ascendente do processo revolucionário mundial. E hoje como ontem é na actualidade da herança de Marx, é no materialismo dialéctico e histórico, é na luta dos povos e no papel histórico libertador da classe operária com o seu partido de vanguarda, que encontramos a serena certeza de que, pela intervenção organizada e persistente das massas trabalhadoras, também estes tempos de retrocesso darão lugar a novos avanços de emancipação tendo no horizonte o socialismo e o comunismo.

Termino citando o camarada Álvaro Cunhal em O Partido com Paredes de Vidro:

“... O avanço do processo revolucionário é não só necessário como inevitável. Necessário e inevitável não apenas porque esse é o desejo e a vontade das forças revolucionárias. Necessário e inevitável porque a luta contra o imperialismo e por uma sociedade nova com novas relações de produção corresponde às leis objectivas da evolução social, leis que, na época actual, conduzem, através da acção humana, através da luta das forças revolucionárias, à passagem da formação social e económica do capitalismo para a formação social do socialismo e económica. Na época actual, todos os caminhos do progresso social acabarão por conduzir ao socialismo. Esse é o traço distintivo que assinalará na história universal a época que vivemos”.

É com esta perspectiva que o PCP cuida da sua identidade comunista própria define o seu Programa e conduz a sua acção revolucionária.

Colocando como prioridade política a luta pela conquista da liberdade o PCP deu uma contribuição decisiva para o derrubamento do fascismo e o triunfo da Revolução de Abril. O Programa da “Revolução Democrática e Nacional” apontando para profundas transformações anti-monopolistas e anti-latifundistas foi no essencial confirmado pela revolução e o PCP empenhou-se na luta para defender e aprofundar a democracia conquistada no sentido do socialismo. O processo contra-revolucionário cancelou no curto prazo a possível evolução de Portugal para o socialismo mas, inacabada embora, a Revolução de Abril deixou sulcos profundos com realizações, experiências e valores que projectam na democracia avançada que o PCP aponta ao povo português como a etapa actual da luta pelo socialismo e o comunismo em Portugal, objectivos supremos sempre presentes na intervenção quotidiana dos comunistas em defesa dos interesses e aspirações dos trabalhadores e do povo.

Com Marx a nossa luta torna-se mais bela e certa… .

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