* Lida por Helena casqueiro
O Direito, sendo um complexo de normas jurídicas – e só neste sentido me interessa abordar aqui o Direito - , tem a sua origem ligada primacialmente a um criador, sob a forma de poder legislativo, que é um poder soberano com assento numa lei fundamental, a Constituição editada por uma assembleia constituinte democraticamente eleita. Ela é a norma das normas escritas. É a realidade portuguesa.
Como ordem social normativa, cuja incidência recai sobre os comportamentos da vida social e sobre as diferentes condutas humanas, o Direito é um sistema de normas de conduta social, assistido de protecção coactiva.
E a sua última finalidade é alcançar a Justiça, com um papel central na democracia e na estabilidade social, atravessando todas as instituições, públicas e privadas.
Uma Justiça, contudo, que é sempre um instrumento da classe dominante.
Sendo, no fundo, uma “instância” que realiza tanto a tarefa de, entre o mais, mediar as relações contratuais e de circulação de mercadorias na sociedade, quanto a tarefa de assegurar a dominação entre as classes sociais, penalizando os infractores, o Direito funde-se nas categorias integrantes da superstrutura da sociedade e é aí que se manifesta ideologicamente o fenómeno jurídico e seus efeitos. Ele não nasce espontaneamente, antes é posto pela vontade dos que possuem o poder estatal, nas condições materiais da sua existência, ou seja, a vontade da classe dominante, sendo o direito expresso de um lado pela lei, e, de outro, com o conteúdo determinado dessa lei. Assim, a dominação económica de uns poucos sobre tantos outros se legitima por intermédio de um Estado de Direito, cujo princípio capital é a lei, a começar pela lei fundamental. E se no seu horizonte está a realização da Justiça, que não é sagrada e intocável mas a verdade é que a população em geral tem medo da Justiça, que é lenta, cara e pouco acessível para os mais pobres, mas em todo o caso, resulta rápida e eficaz para os considerados notáveis.
Ele é um fenómeno derivado das condições económicas de produção capitalista que estão na sua base e surge como ideologia e superstrutura burguesa. Não é um acontecimento neutro e desinteressado nas lutas de classes, pois as normas jurídicas e os ordenamentos jurídicos, como todos os actos normativos editados pelo poder de um dado Estado, traduzem de forma explícita, seja em seu conteúdo, seja pelas práticas que o sustentam, as características, interesses e ideologia dos grupos que legislam.
O Direito e os seus institutos constituem, pois, fenómenos ideológicos, parte da realidade social capitalista, seja no processo de elaboração das leis, seja no da sua aplicação prática. A sua função é de realizar a tarefa ideológica de substituir a igualdade substancial pela igualdade formal escamoteando assim as desigualdades reais entre as pessoas e as classes sociais.
Tudo isto para afirmar a natureza de classe do Direito, que está ao serviço dos detentores do poder em cada momento histórico e que o criam exactamente para os servir, especialmente no desenvolvimento das relações mercantis, assegurando a circulação da propriedade de mercadorias por meio de contrato.
É que são evidentes as relações entre Direito e Economia. Porque pertença à superestrutura da sociedade, o Direito recebe incontestavelmente o inflexo causal da estrutura económica. De facto, as normas jurídicas tiveram sempre a função de proteger e garantir as várias formas de produção adoptadas pela humanidade no transcurso dos séculos.
Um vínculo genético prende, portanto, o Direito à Economia. O Direito apresenta-se, assim, como um dos instrumentos mais eficazes de que se serve a classe dominante para defender os seus interesses, sob a protecção organizada da força dessa classe.
O conteúdo de classe do direito civil, por exemplo, manifesta-se através de uma análise dos seus sectores fundamentais, como sejam, a propriedade privada, a liberdade contratual, o casamento monogâmico e a sucessão hereditária. Assim, a propriedade constitui o sustentáculo da sociedade dividida entre ricos e pobres, assegurando àqueles os privilégios de que se arrogam; a liberdade de contratar é a liberdade para o que possui esse poder e não tem liberdade quem possui como bem único a sua força de trabalho; o casamento e a sucessão hereditária asseguram a continuidade do monopólio da riqueza e perpetuam a dominação de uma classe sobre a outra.
Se uma classe, monopolizando os meios de produção, adquire uma posição de tal predomínio no processo económico, são os interesses dessa classe que passam a governar a sociedade inteira. Reflectindo esse estado de coisas, o Direito converte-se em instrumento dessa classe, para proteger e assegurar os seus interesses materiais. E tem, pois, um conteúdo de classe.
Mesmo na fase, que é actual, de um direito privado social, fruto de um compromisso entre as classes que se degladiam, esse direito não deixa de ser um instrumento da classe dominante.