Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-geral do PCP, Iniciativa «Arrábida a Património da Humanidade»

Audição Pública «Arrábida a Património da Humanidade»

Áudio

A audição que aqui decorre, sobre a “Arrábida e a defesa e valorização do seu território”, culminando um vasto e interessante programa de visita guiada à serra pela mão de técnicos, professores, cientistas e investigadores, profundos conhecedores da realidade e do valor natural e cultural deste magnífico território, sendo uma iniciativa do PCP no seguimento de outras que tem vindo a realizar, não pode ser desligada do enorme esforço que um conjunto de instituições, entidades e associações sediadas nesta Região e fora dela têm vindo a desenvolver com vista à promoção da candidatura da Arrábida a Património da Humanidade.
 
Um esforço que valorizamos e saudamos e ao qual nos associamos com o nosso próprio contributo e que também realçamos porque hoje aprendemos e ficámos mais enriquecidos.

Não podemos deixar de referenciar neste momento, a forma como a Associação de Municípios da Região de Setúbal tem estado a conduzir o processo e todos os parceiros envolvidos directamente ao nível da Comissão Executiva: CM Palmela, CM Sesimbra, CM Setúbal e Instituto de Conservação da Natureza e da Biodiversidade. Tal como valorizamos as parcerias estabelecidas no âmbito da candidatura com as instituições académicas e científicas como garantia de rigor e do conhecimento profundo deste Bem a candidatar e que tem um alcance não apenas regional, mas também nacional.

Neste âmbito gostaria de agradecer as presenças do Professor José Carlos Kullberg da Faculdade de Ciências e Tecnologia da UNL, dos Professores do Instituto Superior de Agronomia, Dalila Espírito-Santo, Directora do Jardim Botânico da Ajuda e José Carlos, do Investigador Heitor Baptista Pato e da Dr.ª Joaquina Soares do Museu de Arqueologia e Etnografia do Distrito de Setúbal.

Agradecimento extensivo à senhora Directora do Parque Natural da Arrábida Drª. Sofia Castelo Branco que nos honrou com a sua presença.

Com esta iniciativa de hoje e o levantamento no local sobre o carácter desta candidatura, ficámos todos a conhecer melhor o seu andamento, as suas dificuldades e as suas mais-valias.

A apresentação e dinamização, por parte das autarquias e da Associação de Municípios, em articulação com o Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade, de uma candidatura da Arrábida a Património Mundial Misto, compreendendo as diversas formas de riqueza local, nomeadamente imaterial e material, conta com a iniciativa própria do PCP, que apresentou já um Projecto de Resolução na Assembleia da República para promover o alargamento desse apoio da forma o mais expressa possível.
 
Este Projecto de Resolução reflecte a perspectiva do PCP sobre a importância da defesa e valorização do património desta região e das suas populações. Abordagem nova mas que espelha o longo caminho e conhecimento que o PCP tem desta região: dos seus constrangimentos e dificuldades mas também dos seus valores e das suas potencialidades.

Como aqui e durante todo dia foi evidenciado, do Castelo de Palmela ao Cabo Espichel, encontra-se uma extensão de inestimável riqueza, plena de beleza e de espanto, onde se contam os vestígios das ocupações humanas ao longo de milhares e milhares de anos; a escarpa maravilhosa e imponente do Risco; a vegetação mediterrânica única, a Mata do Solitário; o Portinho da Arrábida e a Anicha; o Convento; a Brecha; as grutas do sistema cársico; os fósseis e icnofósseis de diversas eras geológicas.

São apenas alguns dos muitos exemplos do potencial científico, humano, natural, social, cultural e económico da Arrábida.
 
A consagração desse potencial como património de toda a Humanidade pode contribuir para a preservação sem penalização das actividades tradicionais e promover um uso mais racional e estratégico dos recursos naturais, devidamente enquadrado na acção das autarquias e do Estado, abrindo caminho a um rumo de desenvolvimento que se liberte da exploração e da destruição, ainda que gradual e dissimulada, dos recursos que compõem a magnífica Cordilheira da Arrábida, sem que no entanto, dessa opção não decorra qualquer perda para o tecido económico e produtivo, antes pelo contrário o reoriente para a exploração justa e sustentável da riqueza que a Arrábida nos dá.

A consideração da Arrábida como elemento nuclear no plano regional, no entanto, não prejudica a sua importância nacional, não apenas pela vastíssima variedade dos seus recursos naturais nas mais diversas expressões, mas também pelo papel determinante que desempenha no plano cultural, social e económico, com destaque para o património histórico que aí reside, para a produção de vinhos, queijos e doçaria, ou para a interligação única que a região assume de forma plena entre Serra, Rio e Oceano, ligação essa determinante para a caracterização social passada, actual e futura da região e das actividades ligadas ao mar e ao rio.

A componente cultural da Arrábida é a expressão máxima da incorporação do seu património nos usos quotidianos das populações: a agricultura, a pastorícia, a gastronomia, a religiosidade e o misticismo das lendas são disso exemplos e o facto de ainda hoje serem estimados e, no caso de muitas celebrações, ainda realizados pelas populações, demonstram a importância dessa componente cultural no dia-a-dia da população.
 
Existe uma íntima relação entre as vivências das populações da Península de Setúbal e a Cordilheira da Arrábida, da Serra do Louro à Serra do Risco ou ao Espichel. Uma relação que se repercute hoje numa especial ligação entre a Arrábida e as dinâmicas locais de desenvolvimento.

Além do património natural que a Cordilheira da Arrábida contém em si mesma, a Cordilheira é também o substrato e a base de uma grande variedade de actividades que constituem pilares da sustentabilidade das políticas locais e do tecido económico. E, apesar de ter sido ao longo dos anos, mesmo desde que em 1976 se criou o Parque Natural da Arrábida, tão subalternizada pelos sucessivos governos, a Arrábida e o seu Parque Natural continuam a representar uma importantíssima mais-valia para a região peninsular de Setúbal e para todo o País.
 
No entendimento do PCP, o Parque Natural esteve aquém no assumir do papel que deveria ter assumido na sensibilização das populações e na dignificação do território protegido e os seus valores e simultaneamente na promoção e defesa das actividades produtivas tradicionais.

No essencial, o Parque Natural da Arrábida tem sido sujeito a uma situação que resulta da falta de investimento real na conservação da natureza, na manutenção e protecção dos valores biológicos e geológicos e da dualidade de critérios políticos que continuam a permitir a utilização de co-inceneração de resíduos industriais perigosos e a estimular, em vez de ir contendo, o desenvolvimento de indústria pesada e extractiva na Serra ou no seu perímetro próximo, enquanto proíbe e penaliza em muitos aspectos a população habitante e muitos visitantes.

A península de Setúbal e principalmente os três concelhos abrangidos – Palmela, Sesimbra e Setúbal – acabam por estar assim sujeitos também a limitações na escolha e decisão das suas orientações estratégicas para a região.

Por isso, entre outros aspectos, temos defendido que se abra o processo de revisão de Plano de Ordenamento do Parque Natural. Não para pôr tudo em causa, antes para acautelar melhor determinados aspectos, em defesa das actividades que servem as populações e garantem o seu modo de vida. É, por exemplo o caso, das limitações excessivas relacionadas à actividade da pesca, mas também com as actividades pecuárias e agrícolas. Nas pescas é preciso encontrar o equilíbrio, para que as comunidades piscatórias, possam continuar a viver da pesca.  Temos tomado conhecimento das muitas dificuldades que os ovinicultores enfrentam e que se traduziram nos últimos dois anos numa redução brutal do número de explorações, pondo em risco o próprio futuro do queijo de Azeitão. Naturalmente que os problemas que enfrentam resultam igualmente das políticas nacionais e comunitárias agrícolas, mas os problemas do licenciamento de explorações e queijarias e as condições restritivas do uso e acesso à terra pesam nos problemas que enfrentam.

É inquestionável para nós que esta valorização da Arrábida em que estamos empenhados, se integra  num projecto de desenvolvimento desta Região. A candidatura da Arrábida a património mundial cria condições não só para defender melhor o património natural e cultural, mas também a coesão territorial e ambiental do território, divulga a Região no plano nacional e internacional e contribui para afirmar a Costa Azul como um destino turístico altamente valorizado. É pois deveras importante a classificação da Arrábida como Património Mundial Misto.

Uma classificação pode representar um importante passo para a preservação de hábitos, bens e recursos que de outra forma continuam alvos de uma erosão lenta mas desgastante e para que a “Serra Mãe” de Sebastião da Gama possa continuar a ser a imponente fonte de lendas, de bem-estar, de cultura e de riqueza para todos os habitantes da península de Setúbal e assim contribuir determinantemente também para o conjunto da população nacional.

Hoje reforçámos a convicção de que a Arrábida constitui, de facto, um território com um rico património natural e cultural. A Candidatura da Arrábida a Património Mundial é um processo complexo e exigente que tem de lidar com contradições e problemas aqui referidos no debate. Tarefa árdua, mas exequível com todas as entidades que se estão a associar a este projecto. Mais uma vez o reafirmamos: podem contar com o PCP para apoiar esta importante e valiosa candidatura.

Num quadro de crise em que tudo afunila para o capital financeiro a Arrábida é um exemplo vivo que Portugal tem potencialidades de encetar um rumo estratégico de desenvolvimento, bem estar e progresso pata o seu povo!

 

  • Ambiente
  • Cultura
  • Poder Local e Regiões Autónomas
  • Central