Intervenção de Domingos Abrantes

Recordar Lénine!

É tempo de lançar de novo ao vento
as ideias de Lénine.
Não nos derramamos
num charco de lágrimas:
Lénine está
agora

Mais vivo do que todos os vivos.

(Mayakovsky)

No dia 22 de Abril completaram-se 135 anos que na velha Rússia czarista, nas margens do imenso Volga, na cidade de Smibrisk, nascia Vladimir Ilitch Ulianov, aquele que veio a ser universalmente reconhecido como mestre e dirigente do proletariado mundial e odiado pelas classes dominantes e seus escribas e que, pela sua acção revolucionária, passaria à história com o nome de Lénine.

Foi ainda muito jovem que Lénine abraçou a causa da luta de libertação dos trabalhadores e dos povos, e se destacou como um «gigante» do pensamento revolucionário e ardente e talentoso dirigente da classe operária. Há mais de um século, que o seu exemplo inspira e orienta em todo o mundo, nos momentos de ascenso e refluxo, não só como aspiração, mas como tarefa prática, a luta dos trabalhadores e das forças progressistas, contra as guerras de rapina imperialista, pela independência dos povos, por uma vida de progresso social, pela democracia, o socialismo e o comunismo. Numa palavra: a luta de todos quantos se erguem contra os poderosos deste mundo.

A história conheceu não poucos grandes homens, que com a sua inteligência, acção e identificação com o sentido do progresso, marcaram a difícil e sinuosa marcha ascensional da humanidade, mas o que distingue Lénine de muitas outras personalidades, é o carácter indissociável da unidade do pensamento e da acção, e se ter identificado com a luta de uma classe particular, a classe operária, chamada a construir uma nova sociedade, liberta da exploração do homem pelo homem.

Lénine, como teórico e revolucionário prático, é o exemplo mais vivo e inigualável até hoje, da célebre tese de Marx de que «os filósofos têm apenas interpretado o mundo de maneira diferente; a questão porém, é transformá-lo».

Sendo verdade que a sua vida e a sua obra foram profundamente marcadas pela época concreta em que viveu – a época em que a classe operária surgiu como sujeito histórico autónomo e a necessidade e possibilidade de uma nova sociedade como exigência civizacional se colocou como tarefa prática – não é menos verdade que a vida social, económica, política e ideológica é, desde os finais do século XIX até aos nosso dias, profundamente marcada pelo legado teórico e prático de Lénine.

Nascido praticamente com a Comuna – a primeira grande tentativa do proletariado para pôr fim ao sistema de opressão capitalista – vivendo toda uma época de grandes transformações e intensa e aguda luta de classes, nomeadamente entre o trabalho e o capital, o mérito imorredouro de Lénine está no facto de, ancorado no marxismo, teoria que como ninguém assimilou e desenvolveu, ter sido capaz de dar resposta aos novos problemas colocados pelo desenvolvimento social e a luta revolucionária, por ter, na base do estudo aprofundado da fase imperialista do capitalismo, deduzido da possibilidade do triunfo do socialismo em apenas uns tantos países, ou mesmo num só, isoladamente considerado, deduções de grande alcance para o desenvolvimento da luta dos trabalhadores e dos povos.

A teoria da revolução socialista nas condições do imperialismo é precisamente uma das questões em que se revela o carácter criador do leninismo.

Adoptando para si as palavras de Goethe, de que «a teoria é cinzenta, enquanto a árvore da vida é eternamente verde», Lénine concebeu a teoria da revolução, não como uma receita dada para todo o sempre, mas como a síntese do desenvolvimento social e da experiência da luta revolucionária, o que exige necessariamente o seu desenvolvimento, de acordo com as transformações operadas na sociedade, nas condições e formas da luta de classes.

Pelos séculos fora, a obra e a luta revolucionária de Lénine ficarão ligadas para sempre a esse acontecimento maior da história da humanidade, pela amplitude e profundidade das transformações, que foi o triunfo da Grande Revolução Socialista de Outubro, com a qual se deu começo ao processo de libertação das massas trabalhadoras e dos povos oprimidos.

Ao recordarmos Lénine, não se tem apenas em vista assinalar uma data de importância histórica, revisitar o passado ou simplesmente prestar homenagem ao revolucionário cuja vida foi toda ela dedicada à luta libertadora dos trabalhadores e dos povos. Fazemo-lo, pensando na herança teórica e prática que nos legou, fonte inesgotável de reflexão e ensinamentos para o desenvolvimento da luta emancipadora e plena de actualidade, herança onde podemos e devemos procurar ajuda para as respostas às questões mais cardinais colocadas hoje aos comunistas e às forças revolucionárias.

No limiar do século XXI as realidades sociais, económicas e políticas, a arrumação de forças à escala mundial, são muito diferentes do que eram na sua época, bem como o são a situação, os problemas e as tarefas que se colocam ao movimento comunista e operário, o que exige desenvolver o marxismo-leninismo.

Para essa tarefa dispomos de provados instrumentos, nomeadamente esse instrumento basilar do marxismo que é a dialéctica materialista e cuja importância Lénine compreendeu como ninguém, esse guia para a acção e que se enriquece com o alargar dos conhecimentos, das experiências (positivas e negativas), com o fluir da vida, com o desenvolvimento histórico concreto.

Defendendo uma abordagem criativa da teoria e da prática revolucionárias, não se cansando de chamar a atenção de que «o marxismo não era um dogma, mas um guia para a acção», salientando, na esteira do pensamento de Marx a «necessidade da análise concreta da realidade concreta», expressão concentrada da metodologia dialéctica marxista e, consequentemente anti-dogmática por natureza, travou uma batalha vigorosa e de princípios, contra a adulteração do marxismo e as tentativas de o rever a pretexto do seu carácter «ultrapassado pelo tempo» e contra o oportunismo de direita e de esquerda. Mas não combateu menos vigorosamente o dogmatismo estiolador da criatividade e entorpecedor do desenvolvimento revolucionário.

Ao desenvolver a teoria de Marx, ao aprofundar o estudog da nova fase do desenvolvimento do capitalismo, a fase imperialista, elaborando a estratégia e a táctica da luta revolucionária adequadas às novas realidades, o pensamento de Lénine assumiu o carácter de marxismo da época imperialista, tornando indissociável o marxismo-leninismo como a ideologia da classe operária.

Deve-se a Lénine a fundamentação das bases do movimento comunista no plano teórico-ideológico, político e organizativo e a procura de soluções para os problemas cruciais da época, na base do trabalho colectivo, da livre discussão dos problemas, partindo sempre, obrigatoriamente, das condições históricas concretas e do respeito pelas condições específicas nacionais, na base do centralismo democrático, cujos princípios, ao assegurarem a fusão orgânica da democracia e do centralismo, garantiam a unidade e a iniciativa criadora e responsável de todos os seus membros.

As bases do movimento comunista eram a expressão do Partido de novo tipo, talvez a primeira conquista histórica e mérito indivisível de Lénine, na medida em que foi baseando-se nos fundamentos do marxismo e nos ensinamentos da experiência da luta revolucionária da classe operária, que elaborou a doutrina do partido de novo tipo.

A classe operária não pode desenvolver a sua acção autónoma no plano político e ideológico, nem travar a luta emancipadora, sem uma força dirigente e organizada, sem um partido que se determine pelos objectivos, pelas tarefas e pelas formas de organização em conformidade com os interesses da classe operária e dos trabalhadores.

Um partido estreitamente ligado às massas, e em particular aos trabalhadores, profundamente democrático, onde é assegurada a livre expressão de cada um dos seus membros e a participação na elaboração das orientações e decisões, o exercício da crítica e da autocrítica como forma de superar os erros, a assunção de cada militante pela execução das tarefas partidárias, a prestação de contas pelos organismos dirigentes, princípios que pressupõem igualmente a disciplina partidária em conformidade com as normas de funcionamento interno democraticamente consagradas, e sem as quais não existe unidade e coesão.

Um dos princípios basilares de um partido deste tipo é a sua unidade ideológica e organizativa, baseada em princípios. Lénine, que combateu com muita energia e não pouco sarcasmo as tentativas dos que, em nome de um pretenso purismo revolucionário, não admitiam compromissos em política, rejeitava liminarmente a admissibilidade de compromissos em matéria ideológica, advertência que na actualidade, quando se assiste a tanto degradação e traficância ideológicas, ressoa como um enorme aviso.

Compreendendo e ensinando que os êxitos do Partido dependiam em última instância dos homens e das mulheres, dedicou particular atenção à escolha dos quadros, à sua preparação, aos seus traços de carácter, ao seu empenhamento na realização das tarefas, salientando que era dever de cada homem e mulher que aderisse ao Partido, elevar sempre e sempre mais alto o «título e o papel de membro do Partido».

A obra maior de Lénine e do partido Bolchevique por si fundado, a criação do primeiro Estado de operários e camponeses, surgido com a Grande Revolução Socialista de Outubro já não existe. As causas e as consequências não podem ser ignoradas. Os trabalhadores sofrem hoje os efeitos de uma brutal ofensiva do grande capital contra os seus direitos, as condições de vida e de trabalho. O imperialismo, mostrando a sua natureza agressiva e reaccionária, desenvolve afincadamente planos para intensificar as acções com vista a sufocar as aspirações e a luta dos povos, pelo progresso social, a independência e soberania nacionais. As forças revolucionárias enfrentam na actualidade, como enfrentaram em várias outras alturas, sérias dificuldades.

Mas os destinos do mundo, como o comprova a história, não se decidem só pela vontade do imperialismo. Como sempre, decidir-se-ão, em última instância, pela luta e pela vontade dos povos.

Por muitas que sejam as dificuldades, razão tinha Marx ao afirmar, quando a burguesia se julgava toda poderosa por poder afogar em sangue a ousadia dos comunards «ao quererem tomar o céu de assalto», que os «princípios da Comuna são eternos e indestrutíveis; eles apresentar-se-ão muitas e muitas vezes até que a classe operária seja libertada».

Mais tarde ou mais cedo surgirão novos Outubros. Quase certos que, em qualquer dos meses do calendário, porque os seus valores «são eternos e indestrutíveis».

Há, entretanto, uma exigência incontornável para o sucesso dessa luta: a existência de partidos revolucionários, coesos política e ideologicamente, capazes de ganhar a confiança da maioria dos trabalhadores e de largos sectores da sociedade.

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