Áudio
ORÇAMENTO DO ESTADO PARA 2010
RAZÕES PARA O VOTO CONTRA
O Orçamento para 2010 proposto pelo Governo traduz uma opção de continuidade com a política até aqui seguida, mantém e agrava as principais linhas da política de direita e é a tradução das orientações neo-liberais, privatizadoras e monetaristas responsáveis pelo contínuo agravamento da situação económica e social.
Não admira por isso que os partidos da direita façam dele também o seu orçamento, tal é a similitude de objectivos e orientações. Na realidade percebe-se que a confiança de que insistentemente fala o Ministro das Finanças a propósito do orçamento, mais não é do que a confiança que a direita e os grandes interesses económicos mantém no Partido Socialista como fiel executor das suas políticas.
O acordo que a direita dá ao orçamento não é táctico mas de conteúdo. O PS rejeita assim mais uma vez a opção por uma política de esquerda, por uma ruptura com a política anterior, de que o país necessita e que os portugueses exigiram ao retirar-lhe a maioria absoluta.
A proposta de orçamento apresentada à Assembleia da República tem como eixo fundamental, mais uma vez, a política monetarista de obsessão pelo défice público. Num país que desde 2001 diverge da União Europeia e aprofunda o seu atraso e dependência económica, aplicar as receitas cegas de correcção apressada do défice das contas públicas - aliás convenientemente afastadas quando se tratou de injectar milhares de milhões de euros para a banca – significa aceitar a continuação desta situação. Mais do que isso, a política de obsessão do défice serve de alavanca e justificação para a destruição progressiva da administração pública, a degradação de salários e pensões e a continuação das privatizações.
O PCP reafirma que, sendo o equilíbrio das contas públicas um objectivo que não pode deixar de estar presente na condução da política orçamental, ele deve ser obtido ao ritmo do crescimento
económico e corrigindo as graves injustiças sociais e na distribuição da riqueza.
O cenário macroeconómico apresentado pelo Governo, não escapando a confirmar a continuação da crise económica e social em curso, inclui ainda assim previsões que dificilmente se concretizarão. O aumento do desemprego previsto – de 9,3 em 2009 para 9,8 em 2010 - é certamente inferior à realidade e ao que prevêem todos os organismos internacionais. A perspectiva de crescimento económico apresentada assenta por um lado numa expectativa de aumento das exportações cujo fundamento está por demonstrar e por outro num aumento da procura interna que não se compagina com as perspectivas que o Governo introduz para os salários dos trabalhadores e mesmo para o aumento do desemprego.
A proposta de Orçamento para 2010 acentua a desigualdade na distribuição da riqueza e aprofunda as injustiças sociais. O Governo quer impor o congelamento total das remunerações na administração pública, propondo uma diminuição real dos salários dos seus trabalhadores, que perderam nos seus escalões mais baixos em média quase 4% de poder de compra real nos últimos 10 anos, valor que nos restantes escalões se aproxima dos 7%. E isto num quadro de congelamento das progressões e de cativação de 1,5% das verbas para remunerações, como forma de impor a destruição efectiva de postos de trabalho na administração pública. As políticas salariais, a aplicação da regra de duas saídas por uma entrada (agora alargada á administração regional e local) e o ataque sistemático aos serviços públicos, vão traçando um caminho de destruição da administração pública que vai deixando espaço para o comando pelos grandes grupos económicos de cada vez mais sectores da sociedade.
Por outro lado, confirma o cenário de degradação das baixas reformas, com aumentos pouco significativos e a manutenção dos critérios de penalização das reformas, aliás agravados nas aposentações da administração pública.
Exige-se ao invés, por razões de justiça social e de crescimento económico, designadamente ao nível da procura interna, o aumento real dos salários da administração pública, bem como o aumento das pensões, designadamente nas mais baixas em pelo menos 25 euros, em linha com o que aconteceu com o salário mínimo nacional.
A proposta de orçamento para 2010 não visa combater, bem pelo contrário, o aumento do desemprego, que ultrapassa já mais de 700 mil desempregados reais e que constitui um gravíssimo problema social. Para este nível de desemprego contribui, para além de uma errada política económica, a acção directa do Governo, que eliminou desde 2005, 72 mil e 800 postos de trabalho na administração pública, dos quais 17 mil só em 2009. É neste quadro que é particularmente escandalosa a recusa do Governo em aceitar um alargamento dos critérios do subsídio de desemprego que permita que mais desempregados a ele tenham acesso.
O PCP exige e proporá a alteração destes critérios que excluem hoje mais de metade dos desempregados do acesso a este subsídio.
A proposta de Orçamento para 2010 é, na sequência dos anteriores, desastrosa no que diz respeito ao investimento público. O investimento proposto para 2010 é apenas de cerca de 40% do que foi inscrito no OE para 2005, sendo que, apesar de traduzir um aumento nominal ele é invertido pelo aumento da cativação. Desta forma o investimento real disponível para 2010 é inferior em cerca de 100 milhões de euros ao de 2009. Regista-se por outro lado a quebra generalizada do PIDDAC, que atinge 24,4 % em relação ao montante executado em 2009, menos 918 milhões de euros.
O PCP não deixará de propor a inscrição de investimentos prioritários para as populações e o país, procurando assim também promover a criação de emprego e o crescimento económico.
A forma como o Governo apresenta este ano o PIDDAC, dificultando a comparação nos projectos e distritos em concreto em relação ao ano anterior, é uma manobra deliberada para tentar impedir o acesso à informação pela Assembleia da República, que deixaria a nu toda a quebra de investimento que, olhando para os números nacionais, necessariamente também se verificará nas rubricas parcelares. Fingindo cumprir uma recomendação do Tribunal de Contas, que apenas exigia a explicitação dos programas comunitários utilizados em cada projecto, o Governo esconde uma informação que lhe é incómoda. Exigimos por isso que esta informação seja prestada nos próximos dias à Assembleia da República, em termos que permitam a comparação com o ano anterior.
Ao mesmo tempo, a proposta de Orçamento para 2010 é caracterizada pelo regresso em força das privatizações. São quase mil milhões de euros a obter só em 2010, perspectivando-se certamente o avanço de privatizações já anteriormente “em carteira”, como a ANA, a REN, TAP, entre outras. Trata-se de uma opção que procura ignorar os severos prejuízos que privatizações anteriores trouxeram para a economia nacional, para a nossa soberania e desenvolvimento. Hoje empresas como a GALP e a EDP entregam o fundamental dos seus lucros aos seus accionistas privados e praticam uma política de inaceitável penalização da economia nacional (designadamente nos tarifários e no investimento), dos seus trabalhadores, das pequenas empresas e das populações. Trata-se ainda nalguns casos de entregar ao sector privado empresas altamente lucrativas e estratégicas para o país, como é o caso da ANA.
As privatizações contudo não se resumem a empresas públicas ou a participações empresariais do Estado. Estão a avançar igualmente de outras formas, como as parcerias público-privadas, designadamente de hospitais e no sector rodoviário, que este ano vão custar mais de 750 milhões de euros, a concessão de barragens, ou mesmo a entrega ao sector privado de serviços escolares, de saúde e até de funções do Estado cujos trabalhadores foram colocados na mobilidade especial, como acontece no Ministério da Agricultura.
A anunciada amnistia fiscal, absolvendo quem procurou a evasão para paraísos fiscais, retomando velhas normas de Bagão Félix e Campos e Cunha, a par do aumento efectivo da carga fiscal sobre parte dos trabalhadores por conta de outrem que tenham aumentos salariais superiores a 0,8%, dão bem a nota da manutenção da injustiça fiscal no nosso país. Não é com medidas avulsas de efeitos meramente mediáticos que se consegue esconder a não tributação generalizada das mais-valias ou a concessão de benefícios fiscais ilegítimos e a baixíssima tributação efectiva do sector financeiro e dos seus muitos milhões de euros de lucros. Este orçamento mantém uma orientação de injustiça fiscal gritante
Não sendo estritamente matéria orçamental, importa ainda, pelas suas conexões, esclarecer algumas questões em relação à Lei das Finanças Regionais. A primeira é a de que a alteração feita em 2007 se traduziu efectivamente num prejuízo significativo para a Região Autónoma da Madeira, que se agrava ano após ano. O ponto de partida para esta questão é pois a necessidade de corrigir uma flagrante injustiça, garantindo que ela não se transfere para a Região Autónoma dos Açores. Isso mesmo se confirma analisando a proposta de Orçamento para 2010, em que as transferências para a Madeira diminuem 4,7 milhões de euros e as verbas de PIDDAC mais de 5 milhões de euros, o que corresponde a uma quebra de cerca de 93% em relação a 2009.
Este orçamento que resulta de um compromisso entre PS, PSD e CDS-PP, não foi feito a pensar no país, na resposta à crise, nos trabalhadores, nos que estão desempregados, nos milhares de pensionistas empurrados para a pobreza, ou na juventude. Este orçamento de Estado, embora apresentado sob a capa das dificuldades e da necessidade de impor sacrifícios, foi feito a pensar nos interesses dos grandes grupos económicos, nos seus infindáveis lucros e privilégios que se mantêm intocáveis. Um orçamento que não só não é acompanhado pelo PCP como merecerá da nossa parte a mais viva denúncia e combate.
São estas as razões por que o PCP votará contra este orçamento.