Áudio
Apresentação Pública do livro
Alberto Vilaça – 80 anos o sentido que se dá à vida
Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-geral do PCP
Há homens que, pela vida que tiveram, pela luta que travaram, pelas opções que assumiram, pela obra que realizaram, não cabem numa intervenção.
Alberto Vilaça é um desses homens. Sendo fácil fazer uma biografia, difícil é expressar a sua dimensão multifacetada de lutador antifascista, de militante comunista, de intelectual, de exercício da cidadania.
Preso pela primeira vez com 17 anos por actividade antifascista, ingressa nas fileiras do PCP com 20 anos onde desenvolve uma intensa actividade no movimento de unidade democrática antifascista.
O aparelho repressivo do fascismo passou a considerá-lo como um alvo preferencial prendendo-o por seis vezes por um período de quatro anos e meio, sujeito à tortura do sono durante sete dias e sete noites, passando por Aljube, Caxias e Fortaleza de Peniche.
Para Alberto Vilaça a prisão significou não um local de medo e da desistência mas de resistência e luta particularmente contra as más condições prisionais.
Lendo o processo da polícia é possível testemunhai a tempera e a coragem do camarada Alberto Vilaça.
Na sua terceira prisão é punido “por haver escrito no interior da porta da cela onde se encontrava as seguintes palavras: Democrata de verdade, eu odeio a opressão, por amar a liberdade, eis-me agora na prisão”.
No Aljube, em Caxias e em Peniche, nunca abdicou de confrontar os directores prisionais sabendo bem o que isso significava. Proibição de receber correspondência durante meses seguidos, de receber visitas de familiares, 5 dias a pão e água, 30 dias em cela isolada. Alberto Vilaça demonstrou com a sua conduta corajosa aquilo que Álvaro Cunhal em condições semelhantes considerou: “Na prisão o comunista continua no activo, continua a servir a sua causa”.
E era esta profunda convicção, a força do ideal comunista que o levava quando regressava à liberdade a ingressar na acção e na luta.
Com a camarada Natércia, sua companheira de sempre, participou activamente em todas as grandes batalhas políticas travadas em Portugal contra a ditadura desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Participante e obreiro da oposição democrática e da unidade antifascista, integrando o MUD Juvenil, o Movimento Nacional Democrático, a Comissão Nacional do III Congresso da Oposição Democrática de Aveiro, participando activamente nas campanhas eleitorais da oposição ao regime fascista, destacando-se nas presidenciais de Arlindo Vicente e Humberto Delgado e nas eleições farsa de 1973 pela CDE. Refira-se a propósito a sua aceitação de mandatário distrital da nossa candidatura presidencial em 1994.
Nos seus quase 60 anos de militância no seu Partido de sempre, Alberto Vilaça tinha uma característica ímpar de ser capaz, na construção e na luta democrática e antifascista, de harmonizar a afirmação da defesa das posições do Partido com a persistente procura de convergência com outras personalidades e sectores democráticos na luta por objectivos comuns.
Uma outra dimensão harmoniosa era a forma como acompanhava a vida internacional e a sua ligação estreita Coimbra, aos seus trabalhadores, ao seu povo, a sua realidade social, política e cultural. Não se cansava de divulgar e promover a cultura e o associativismo, colaborando activa e assíduamente na imprensa regional. Após Abril quando era preciso construir o poder local democrático lá está o Alberto Vilaça presidindo à Junta Distrital de Coimbra em 74/79, e sendo eleito posteriormente para a Assembleia Municipal.
Na sua dimensão intelectual, como homem de letras e historiador deixa uma obra de grande valor e diversidade através da qual tanto é possível recordar significativos fragmentos da vida política e intelectual Coimbrã, desvendando aspectos menos sistematizados e menos conhecidos da história do PCP e da resistência antifascista bem expressos no seu estudo sobre as repercussões da Comuna de Paris em Portugal e os inéditos “Testemunhos” sobre Bento Gonçalves.
Trabalhou a aos últimos dias da sua vida empenhado na sua obra “Tempos de Munda e do Mondego”.
Permitam-me ainda uma palavra sobre o seu carácter. Era um homem que sofrendo a violência repressiva do fascismo e dos seus executantes nunca clamou vindicta mas justiça. Um homem bom.
Num tempo fustigado pelas injustiças e desigualdades sociais, em que se procura reescrever a história, banalizar e branquear o fascismo, num tempo em que o poder dominante procura fazer prevalecer conceitos e valores do egoísmo, do individualismo, do conformismo, e da desistência, falar de Alberto Vilaça, da sua vida, da sua luta, das suas convicções e do seu ideal comunista tem grande actualidade.
Ele sabia que morrendo o seu Partido não morreria com ele. Nem ele queria que morresse.
Quando se participa num processo de transformação da sociedade sabemos, e Alberto Vilaça sabia, que não basta a nossa vida e a nossa luta toda, que outros hão-de vir, tendo como referência o seu exemplo e os milhares de exemplos para continuar a olhar para a linha do horizonte, num caminho que não é rectilíneo, em que dobrada cada curva apertada mais caminho há para trilhar, animados pelo sonho milenar do ser humano de se libertar a exploração do homem por outro homem. Foi um vida que valeu a pena.