Áudio
Caros amigos das direcções da Associação dos Amigos da Cidade de Almada e da URAP,
Amigos do movimento sindical, do movimento associativo popular, eleitos autárquicos,
Caros convidados
Queridos amigos e camaradas,
Quero, em nome da Comissão Concelhia de Almada, da Direcção da Organização Regional de Setúbal e do Comité Central do Partido Comunista Português, agradecer a vossa presença nesta sessão de homenagem ao nosso camarada Alberto Araújo.
Um agradecimento especial à SFUAP e aos seus músicos, que participaram nesta homenagem, à Incrível Almadense e à sua banda filarmónica, que se juntarão com grande destaque à romagem de domingo, bem como à Academia Almadense, que nos cedeu este emblemático espaço para esta sessão..
Num tempo em que em vez de fascismo se ensina na escola a dizer “antigo regime”, em que se branqueiam os crimes e os horrores da ditadura fascista que oprimiu Portugal durante 48 anos, em que se esquecem os milhares de homens e mulheres que resistiram e lutaram até que Abril acontecesse; num tempo em que os direitos e as conquistas de Abril são classificados como privilégios e atacados metodicamente; num tempo em que as liberdades e a democracia têm de ser exercidas com coragem nas escolas, nas empresas, nos locais de trabalho, nas ruas – e, demasiadas vezes, também nos tribunais; num tempo em que os poderosos do mundo tentam criminalizar a ideologia comunista – a vossa presença connosco, hoje, homenageando um destacado intelectual, um dirigente comunista, um mártir da luta antifascista, enche-nos de orgulho e de confiança.
Alberto Emílio de Araújo nasceu aqui em Almada, a 14 de Dezembro de 1909, numa família da pequena burguesia. Esta origem social permitiu-lhe estudar, ao contrário da esmagadora maioria das outras crianças e jovens da sua idade, licenciando-se em Filologia Clássica e Estudos Camonianos na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Começou muito cedo a sentir os problemas de saúde que o afectaram toda a vida, tendo estado dois anos internado num sanatório na Guarda.
Em 1933, ainda estudante, com 24 anos, Alberto Araújo adere à Federação das Juventudes Comunistas Portuguesas e, no ano seguinte, ao PCP. Foi eleito pelos seus colegas representante dos estudantes no Senado Universitário de Lisboa e, quando acabou o curso, foi professor em Castelo Branco e no Liceu Pedro Nunes, em Lisboa.
O período em que Alberto Araújo aderiu ao Partido foi particularmente duro. Nos anos 30, o fascismo consolidava-se em toda a Europa e parecia imparável. Depois de em Portugal ter sido formado o partido único fascista, a União Nacional, a ditadura fascista, tendo como modelo o fascismo italiano e o nazismo alemão, cedo deixou claro o seu carácter anti-popular e anti-operário, abolindo o horário das 8 horas, suprimindo o direito à greve, reprimindo lutas e protestos, acabando com as liberdades de imprensa, reunião e organização. Os partidos foram abolidos, os sindicatos interditos, reforçou-se a censura, criou-se a Polícia de Vigilância e Defesa do Estado (antecessora da PIDE), criou-se a Legião e a Mocidade Portuguesa, entrou em vigor a Constituição fascista, fascizaram-se os sindicatos, abriu-se o campo de concentração do Tarrafal.
E no entanto, os comunistas continuaram a organizar-se e a lutar. A conferência do PCP de Abril de 1929, que tinha eleito Bento Gonçalves, operário arsenalista, como secretário-geral, marcou a viragem para a reorganização do Partido na clandestinidade. As atenções dos comunistas voltaram-se, desde aí, para o trabalho sindical e para a formação de organizações partidárias e unitárias. Pouco tempo depois, o PCP estava na direcção de importantes greves e lutas operárias e os seus militantes lideravam a reorganização de importantes sindicatos. A 15 de Fevereiro de 1931 sai pela primeira vez o Avante! (o jornal que mais anos foi clandestino em todo o mundo), a 18 de Janeiro de 1934 dá-se a revolta da Marinha Grande, em Setembro de 1936 os marinheiros da Organização Revolucionária da Armada sublevam-se. As revoltas foram esmagadas, mas o fascismo não conseguiu impedir que o PCP se enraízasse como o grande partido da resistência antifascista. Foi por essa razão que a violência repressiva se abateu sobre o PCP.
Em 1934, Alberto Araújo tornou-se colaborador próximo de Bento Gonçalves, participando na elaboração do Avante! E de outros materiais de agitação do Partido.
No final de 1935, Bento Gonçalves e todos os membros do Secretariado do Partido foram presos, pouco tempo depois de Bento regressar clandestinamente de Moscovo, do VII Congresso da Internacional Comunista. Como viria a acontecer tantas e tantas vezes na sequência da repressão fascista, o Partido chamou vários militantes a assumir as mais altas responsabilidades. Alberto Araújo, jovem professor de 26 anos, foi chamado ao Secretariado do Comité Central, ficando responsável pela imprensa e pela propaganda.
Ao mesmo tempo que mantinha a sua actividade legal como professor, Alberto Araújo assumia a responsabilidade do Avante, que voltava a editar-se com regularidade, e da Organização Revolucionária da Armada. Quando os outros dois membros do Secretariado também foram presos, Alberto Araújo passou a ser o único membro do Secretariado em funções. No mesmo período, esteve também ligado à formação da Frente Popular Portuguesa, participando em reuniões para a elaboração do seu programa.
Na nossa exposição que hoje inauguramos, podemos ler o depoimento do arquitecto Nuno Teotónio Pereira, que foi seu aluno no Pedro Nunes. Diz assim:
“Tivemos um extraordinário professor na cadeira de português, ainda jovem mas de aparência frágil, que era adorado pelos estudantes pela competência e dedicação que punha no ensino e na relação connosco. Um dia esse professor deixou repentinamente de aparecer e com muita pena não soubemos mais dele. Só passados 30 ou 40 anos vim a saber o terrível drama que se passara: o professor fora preso pela odiosa PIDE e desterrado para o campo de concentração do Tarrafal, não sobrevivendo muito tempo. Este homem era Alberto Araújo, membro destacado do PCP.”
Esse dia em “que o professor deixou repentinamente de aparecer” foi 22 de Novembro de 1937, quando Alberto Araújo regressava de Madrid, de contactos com o movimento comunista internacional. A PIDE prendeu-o, espancou-o e manteve-o incomunicável durante 11 meses. Em Outubro de 1938 foi enviado para Caxias e em Abril de 1939 foi julgado e condenado a 24 meses de prisão. Quando foi enviado para o Tarrafal, em Junho desse ano, faltavam-lhe cumprir pouco mais de 100 dias da pena a que tinha sido condenado.
Pelo campo de concentração do Tarrafal passaram, entre 1936 e 1954, 340 antifascistas portugueses. 32 morreram lá, outros, como Alberto Araújo, perderam o que lhes restava de saúde. Alberto Araújo só viria a ser libertado depois de seis anos e meio de violência e tortura. Mesmo doente, encontrou forças para elevar o nível cultural dos seus companheiros, dando aulas de português e francês.
O fascismo português, pressionado pela derrota do nazi-fascismo na 2ª Guerra Mundial, viu-se obrigado a conceder uma amnistia em Dezembro de 1945. Alberto Araújo, com a saúde completamente arrasada, voltou a Almada, mas não teve condições de retomar a actividade política que tinha tido.
Abriu, no entanto, uma escola de português na Incrível Almadense e participou em inúmeras actividades culturais, recreativas e políticas, nomeadamente do MUD.
No dia 19 de Março de 1955, com 45 anos, Alberto Araújo morreu no hospital de S. José, em Lisboa. Três dias depois, o seu funeral em Almada, descrito na nossa exposição pelas palavras de outro notável almadense, Romeu Correia, foi uma impressionante manifestação popular, de homenagem a um amigo, a um lutador, a um comunista.
100 anos depois do seu nascimento, a memória de Alberto Araújo permanece na toponímia da cidade de Almada, na placa que assinala a casa onde nasceu, no busto no jardim com o seu nome, colocado por “subscrição pública” por homenagem popular, no nome do Centro de Trabalho do PCP, aqui em frente, nesta rua Capitão Leitão, tão próximo de duas das centenárias colectividades em que também participou – a Academia e a Incrível. Só a Revolução de Abril permitiu que o povo de Almada lhe pudesse prestar estas homenagens.
Mas a melhor homenagem que podemos fazer ao camarada Alberto Araújo é continuar hoje a sua luta. A luta pela construção de um Partido cada vez mais forte, enraízado e interventivo. A luta de sucessivas gerações de comunistas pela libertação e pela emancipação da Humanidade, pela igualdade e pela justiça, pela liberdade e pela democracia, pelo socialismo, pelo comunismo.