Declaração de Vladimiro Vale, da Comissão Política do Comité Central do PCP

Sobre a Conferência de Copenhaga

Áudio

Para o PCP a Conferência de Copenhaga, tendo em conta o pendor político e ideológico que tem dominado as posições assumidas pelos diferentes intervenientes até agora, poderá não constituir mais do que uma nova etapa da propaganda mundial sobre alterações climáticas, contribuindo para que se aprofundem as linhas de mercantilização do ambiente e para que não sejam, de facto, tomadas as medidas necessárias para a preservação dos valores e recursos naturais das quais a Humanidade depende.

O PCP alerta para a aposta em soluções que já provaram a sua ineficácia, veja-se o caso do Esquema Europeu de Transacções (ETS), que introduzido em 2005, não conduziu à desejada redução de emissões de gases de efeito de estufa, bem pelo contrário, desmentindo claramente a virtuosidade da regulação pelo mercado e demonstrando a ineficácia e perversidade dos seus instrumentos.

Depois deste falhanço, seria de esperar uma reavaliação dos instrumentos de intervenção. No entanto, aquilo que é apontado como solução nesta conferência é um  aprofundamento destes mecanismos decorrentes do protocolo de Quioto,  mercantilizando o ambiente e colocando a capacidade da Terra de reciclar Carbono, nas mãos das mesmas corporações que estão a delapidar recursos e a degradar o ambiente, consolidando uma política de privatização da atmosfera e de transferência de custos e responsabilidades para os povos do mundo.

Perante esta situação podemos esperar não uma efectiva redução dos gases de efeito de estufa, mas a criação do comércio do carbono que visa, sim, tornar-se numa máquina bilionária de geração de activos financeiros fictícios (em tudo semelhantes aos gerados pelos mercados especulativos bolsistas) expostos às imprevisíveis variações do sistema que os cria. Bastaria recordar a sucessão de bolhas financeiras especulativas e crises à escala mundial, dos últimos 20 anos, para perceber que se está a alimentar um novo monstro financeiro, desta vez orientado para o comércio do carbono. Estima-se que, a curto prazo, a bolsa de carbono poderá representar um mercado de mais de 700 mil milhões de dólares.

Estes mecanismos assumem um carácter ainda mais injusto na medida em que os países industrializados, que mais contribuíram e contribuem para a dita acumulação de carbono na atmosfera, querem agora cobrar a factura aos chamados países em desenvolvimento.

Muito se tem falado na necessidade de haver uma “transferência de tecnologia”. Mas não negando a necessidade de haver uma ajuda e cooperação neste domínio – até tendo em conta a responsabilidade histórica dos países industrializados nas emissões de Gases de Efeitos de Estufa (GEE) – tal não pode constituir novas formas de dominação, de acentuação da dependência dos países em desenvolvimento e de neocolonialismo.

É imprescindível ter em conta o direito ao desenvolvimento dos povos dos países em desenvolvimento e potenciar a sua capacidade de resposta própria, incorporar nas estratégias de adaptação o conhecimento local, facilitando a sua assimilação e apropriação pelas comunidades locais e que esta cooperação não sirva apenas para exportar tecnologia dos países ricos para os países pobres, criando novos mercados para as multinacionais, acentuando relações de dependência e amputando ainda mais a soberania aos países em desenvolvimento.

O PCP, reclama do Governo Português uma atitude na Conferência de Copenhaga que coloque a necessidade de uma ruptura com o actual paradigma de desenvolvimento, que sacrifica os recursos naturais e a força de trabalho humano à crescente acumulação do lucro e da riqueza produzida. Para salvaguardar não só os recursos naturais, mas a sua fruição democrática, é urgente:

- Uma real política de limitação de emissões com efeito estufa e outros poluentes, através de normativo específico, sem atribuição de licenças transaccionáveis e que tenha em conta a necessidade de redução das emissões de GEE e uma justa distribuição dos esforços para as alcançar, por sectores e países;

- A diminuição da dependência face aos combustíveis fósseis (que satisfazem actualmente 85% das necessidades energéticas a nível mundial), nomeadamente através do aumento da eficiência energética e do desenvolvimento e  aplicação de alternativas energéticas de domínio público, que não ponham em causa a segurança alimentar das populações – como é o caso dos agrocombustíveis;

- A defesa da produção local e redução da amplitude dos ciclos de produção e consumo. A travagem da liberalização do comércio mundial, factor de incentivo no aumento do consumo energético e de emissão de gases com efeito de estufa, e de agravamento das desigualdades.

- A protecção dos ecossistemas naturais, terrestres e marinhos, e a recuperação de ecossistemas degradados, dado o importante papel que desempenham no ciclo do carbono, absorvendo uma parte significativa das emissões de dióxido de carbono.

É ainda urgente uma política de preservação de recursos naturais e valores ambientais que assente na interacção entre as populações autóctones e o meio em que se inserem, sem lugar à gradual apropriação de recursos a que vamos assistindo por parte de grandes grupos económicos, como tem acontecido em Portugal com a complacência e apoio do Governo.

O PCP denuncia aquilo que tem sido a política do Governo do PS nesta matéria, em tudo alinhada à ideia de mercantilizar o ambiente ao mesmo tempo que desinveste na conservação da natureza. Como exemplos recentes podemos citar toda a política de privatização da água e a colocação de todo o ordenamento do território e conservação da natureza sob a direcção grupos económicos e de interesses privados, privatizando a gestão de áreas classificadas, abrindo campo para parcerias público privadas ou de concessões destas áreas, tentando abrir caminho para a cobrança de autênticas portagens nas áreas protegidas e a criação de taxas sobre a Conservação da Natureza

Para o PCP é urgente uma política de real investimento, de intervenção concreta sobre os habitats e ecossistemas que são a base dos ciclos naturais, no sentido da sua protecção, valorização ou recuperação. Cada vez mais é necessária uma política que rejeite as soluções baseadas no lucro e degradação de recursos, que contrarie o carácter especulativo dos actuais mecanismos que agravam a acção do homem na Natureza e se tornam novos instrumentos de lucro e acumulação.

A solução para a degradação ambiental não poderá vir de um sistema, o capitalismo, que prova a cada dia a sua total irracionalidade e a sua natureza predatória e auto-destruidora. A solução passa por uma ruptura com as políticas que têm vindo a ser seguidas na UE e em Portugal e pela construção de uma política alternativa de esquerda consequente para o País e para a Europa que dê prioridade ao progresso social e ao desenvolvimento em equilíbrio com a natureza.

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