Intervenção de António Filipe na Assembleia de República

"Nenhum tribunal actualmente existente deve encerrar"

O PCP apresentou uma Apreciação Parlamentar ao Decreto-Lei que regulamenta a Lei da Organização do Sistema Judiciário. António filipe afirmou que as populações saberão as responsabilidades que PSD e CDS assumem nas decisões que tomam.
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Apreciação parlamentar do Decreto-Lei n.º 49/2014, de 27 de março, que regulamenta a Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário), e estabelece o regime aplicável à organização e funcionamento dos tribunais judiciais
(apreciação parlamentar n.º 81/XII/3.ª)

Sr. Presidente,
Sr.ª Ministra,
Srs. Secretários de Estado,
Srs. Deputados:
O PCP, com este pedido de apreciação parlamentar, pretende trazer a esta Assembleia um debate de importância fundamental para o País, que é o do mapa judiciário.
Entendemos que a Assembleia da República deve assumir a sua responsabilidade numa questão tão importante.
Aliás, a este propósito, queremos saudar os autarcas que estão a assistir a este debate e que, juntamente com diversos agentes judiciários e as populações, têm travado um debate muito importante acerca do mapa judiciário e contra o previsto encerramento ou desgraduação de muitos tribunais existentes no País.
Pensamos que é um dever indeclinável do Estado democrático garantir o acesso dos cidadãos à justiça.
Sabemos que esse direito de acesso está muito longe de estar garantido para um número muito significativo de cidadãos portugueses, particularmente para àqueles que têm menos possibilidades económicas, mas, com este mapa judiciário, o Governo iria agravar ainda mais, de forma muito significativa, o direito de acesso dos cidadãos à justiça e iria contribuir para a maior desertificação do interior do País, iria deixar muitas populações, muitos concelhos sem acesso à justiça. Foi para combater essa intenção do Governo que propusemos esta apreciação parlamentar.
Vou referir, muito sinteticamente, o que carateriza o amplo conjunto de propostas que o PCP apresentará na Mesa de imediato.
Trata-se de apresentar alternativas concretas e viáveis a este mapa judiciário. Não venham o Governo e a maioria dizer, com é costume, que a oposição não tem alternativa; a alternativa está aqui e o PCP vai propor em concreto alterações ao mapa judiciário, não ficando pela mera cessação de vigência.
Para nós, a questão fundamental é esta: nenhum tribunal deve encerrar. Nenhum dos tribunais existentes deve encerrar, nenhum dos tribunais atualmente existentes deve ser desgraduado. Diz o Governo que a grande aposta do mapa judiciário é na especialização. Façamos então experiências em matéria de especialização.
Os tribunais especializados que já existem devem, do nosso ponto de vista, manter-se — não o questionamos. Entendemos que os novos tribunais especializados, os tribunais especializados que o Governo quer criar, devem circunscrever a sua área de jurisdição territorial aos municípios ou às atuais comarcas onde são criados, devendo essa experiência ser avaliada no prazo de três anos após a entrada em vigor do decreto-lei. Não somos contra a especialização mas entendemos que a especialização não deve ser uma forma de centralização encapotada e de afastamento dos cidadãos do acesso à justiça.
Entendemos também que a entrada em vigor do mapa judiciário, seja ele qual for, se as nossas propostas forem aprovadas, não deve ser precipitada. Daí propormos que haja o deferimento de um ano na entrada em vigor do novo mapa judiciário. Mesmo que as nossas propostas sejam todas aprovadas, deve haver uma ponderação e o tempo suficiente para que o sistema possa adaptar-se a essas mudanças.
São estas as propostas que aqui apresentamos e esperamos que haja, da parte do Governo e da parte da maioria, abertura a considerar o clamor que vai neste País e a preocupação que tem sido manifestada por todo o País, por autarcas, pelas populações, pelos advogados, pelos vários operadores judiciários relativamente às consequências desastrosas que uma entrada em vigor precipitada deste mapa judiciário pudesse vir a significar.
Esperamos que a Assembleia assuma as suas responsabilidades nessa matéria e este é o contributo do PCP.
(…)
Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
O primeiro argumento usado aqui pelo Governo e pela maioria é o de que «ah!, mas o PS queria encerrar 49 tribunais e nós só queremos encerrar 47».
Srs. Deputados, o que é que isso contribui para a felicidade dos portugueses que vivem nas terras onde os tribunais vão encerrar?
Vão dizer aos cidadãos de Ferreira do Zêzere que protestam pelo encerramento do seu tribunal «vocês estão cheios de sorte porque, se fosse o PS, encerrava o vosso tribunal e mais 48»?!
Isso contribui para a felicidade dos portugueses? Não!
Devo dizer que até consigo estar surpreendido com a posição manifestada pelos Deputados da maioria, porque eu já participei em muitos debates fora de Lisboa, em várias zonas do País, em que todos os representantes do PSD e do CDS são contra o mapa judiciário.
E mais: até manifestam a sua convicção de que os Deputados, na Assembleia da República, não vão deixar de alterar o mapa judiciário naquilo que ele tem de errado.
Ora, eu gostava muito de saber se os Srs. Deputados, nos vossos círculos eleitorais, vão manifestar total concordância com este mapa judiciário tal como estão a manifestar aqui.
Mas as populações saberão as responsabilidades que os senhores têm de assumir pela posição que tomam.
A perturbação com a eventualidade da aplicação deste mapa em setembro é evidente. O mais elementar bom senso faria com que o Governo reponderasse a sua posição. E se hoje, infelizmente, podemos dizer que há cidadãos de primeira e cidadãos de segunda no acesso à justiça em função da capacidade económica de cada um, então, com este mapa judiciário, passaríamos a ter cidadãos de primeira, cidadãos de segunda e cidadãos de terceira, que são aqueles que não têm capacidade económica e que deixam de ter tribunais a que possam recorrer nas comarcas que atualmente existem.
Portanto, se alguém beneficia com este mapa são os grandes escritórios de advogados, que convivem bem com a centralização, não são sequer aqueles advogados do interior do País, que, apesar de todas as dificuldades, ainda contribuem para garantir o acesso dos seus concidadãos à justiça.
Sr. Presidente, para terminar, anuncio que iremos entregar de imediato um conjunto muito significativo de propostas de alteração a este mapa judiciário com o objetivo de que a Assembleia assuma a responsabilidade de não permitir que muitos cidadãos deste País percam o direito de acesso à justiça, que o Governo lhes quer retirar.

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