No debate quinzenal realizado hoje na Assembleia da República, o Secretário-Geral do PCP confrontou o governo com a continuada campanha de iludir os portugueses escondendo as decisões acordadas com a troika estrangeira e que terão profundos impactos na já dramática situação em que o povo e o país se encontram.
Sr.ª Presidente,
Permita-me que, em nome do PCP, e reafirmando o nosso pesar já enviado ao Partido Socialista, apresente as nossas condolências pela morte de Medeiros Ferreira. Naturalmente que, aquando da votação do voto a ser apresentado na próxima sexta-feira, teremos a possibilidade de fundamentar o nosso pesar e as nossas condolências.
Sr. Primeiro-Ministro, quero fazer uma breve observação sobre a questão das prescrições. Independentemente das responsabilidades que possam caber à justiça, porque entendemos que deve ser responsabilizada, uma vez que a justiça portuguesa tem uma natureza própria, uma natureza de classe — é a própria Constituição que diz que todos nós temos direito ao acesso à justiça, apesar de alguns terem mais do que outros, tendo em conta as capacidades económicas, e daí considerarmos que essa responsabilização deve ser feita —, o Sr. Primeiro-Ministro estará de acordo connosco, até porque as bancadas que apoiam o Governo estiveram de acordo, esta manhã, em apoiar uma iniciativa do nosso grupo parlamentar nesse sentido, que também é importante que o Governador do Banco de Portugal seja ouvido e explique na Assembleia da República como foi possível o arrastamento deste processo, que não compete apenas aos tribunais. O apuramento da responsabilidade, Sr. Primeiro-Ministro, é fundamental, até para demonstrar que o crime não compensa, o que infelizmente nem sempre tem acontecido. Aliás, corremos o risco de ver alguns em fila a usar esse esquema das prescrições.
Mas, Sr. Primeiro-Ministro, quanto às questões relativas à situação nacional, não foi aqui referido um elemento importante, que consta do prefácio de um dos Roteiros do Sr. Presidente da República, que vem, no plano dos seus conteúdos, acabar com esse discurso da libertação do País com a saída da troica em 17 de maio, considerando-o como uma pura fantasia.
Sabemos que não foi o Sr. Primeiro-Ministro que colocou relógios para a contagem decrescente do tempo, anunciando o dia da libertação do protetorado. Sabemos que não foi o Sr. Primeiro-Ministro que inventou o porta-aviões do nosso desenvolvimento. Contudo, aquilo que o Sr. Vice-Primeiro-Ministro disse, com a sua habitual exuberância, acaba por demonstrar aquilo que eu disse, ou seja, que, de facto, era pura fantasia.
E é fantasia porque, nesse tal Roteiro, o Sr. Presidente da República, partindo de parâmetros, regras, condicionalismos e espartilhos estabelecidos, diz que, até 2035, ou seja, durante mais 20 anos, os portugueses vão ter de continuar a «apertar o cinto».
No entanto, o Presidente da República subestima um elemento fundamental: é que não é ele a datar o fim dessa austeridade, dos sacrifícios. Quem pode determinar isso é o povo português, e não o Presidente da República, este Governo ou possivelmente qualquer um de nós.
Mas, falando do novo ciclo — e ainda ontem um ministro do seu Governo falou do novo ciclo —, é capaz de nos explicar, Sr. Primeiro-Ministro o que é isso da mudança, o que é isso do novo ciclo? O que é que vai mudar na vida dos portugueses, na vida daqueles que têm feito tantos e tantos sacrifícios forçados nas suas reformas, nas suas pensões, nos seus impostos, no seu direito à saúde, no direito à educação e à proteção social? Que mudança é essa? Que novo ciclo é que vai ser aberto? E, sim ou não, afinal, é o Presidente da República que tem razão, condenando os portugueses a uma pena prolongada de 20 anos de austeridade, ou esse novo ciclo, essa mudança vai ter significado e substância na vida das pessoas?
Dizemos isto porque conhecemos bem aquilo que o Governo pretende fazer. E já foram aqui referidas algumas matérias, como a da alteração à legislação laboral, visando a flexibilização e o embaratecimento dos despedimentos, visando o aumento da ADSE, e visando a liquidação da contratação coletiva, direito conquistado antes do 25 de abril — antes do 25 de Abril, Sr. Primeiro-Ministro! —, e ainda algumas medidas que significam novos ataques às funções sociais do Estado, designadamente aquele anúncio de 2000 milhões de euros de cortes que estão já previstos.
Ou seja, Sr. Primeiro-Ministro, diga lá aos portugueses, àqueles que estão, de facto, numa situação dramática, aos desempregados, aos reformados, aos trabalhadores, aos militares, aos agentes das forças de segurança, aos pequenos empresários arruinados com esta política de impostos, e até, se quiser, às famílias daqueles jovens que precisam de frequentar o ensino especial, diga lá em que é que esse ciclo de mudança que está a ser anunciado se vai refletir na vida dos portugueses.
(…)
Sr.ª Presidente,
Procurarei ser célere.
Sr. Primeiro-Ministro, afinal, sobre mudança e novo ciclo nem uma palavra! Aliás, percebemos que aquilo que disse ao PS é que admite alteração do Governo desde que se mantenha a mesma política. É por isso que nós, por exemplo, que nem fomos convocados para isso, não alinhamos com esse consenso, porque o problema está, de facto, na política e nesses parâmetros que estabeleceu.
A Sr.ª Merkel disse-lhe, com uma grande satisfação: «Não se preocupe! Saia pela porta traseira, saia pela porta da frente, saia pela porta do lado, seja uma saída limpa, cautelar ou não, tem o nosso apoio!»
É evidente que a senhora sabe que, independentemente da porta de saída, o caminho já está obrigatoriamente traçado, tendo em conta as regras, os parâmetros e os condicionalismos impostos no quadro da União Europeia.
E nós pensamos que é preciso romper com esse caminho!
Nesse sentido, não gostei de ver, ontem, o Primeiro-Ministro da República Portuguesa a agradecer à Sr.ª Merkel. Mas agradecer o quê, Sr. Primeiro-Ministro?! Parecíamos um bocado o afilhado pobre a bater à porta da madrasta rica, muito agradecido e obediente. É outra vez o regresso do bom aluno! Não lhe fica bem! Um bocadinho de brio patriótico, Sr. Primeiro-Ministro, não lhe ficaria nada mal em relação a esta situação.
Por último, Sr. Primeiro-Ministro, creio que usou uma argumentação que é contra si próprio. Disse que quando os partidos colocam a questão em relação às contas públicas, ao défice e à divida só veem soluções que não podem ser prosseguidas. Mas nós insistimos, Sr. Primeiro-Ministro: porquê essa forma de se expressar em relação a uma necessidade objetiva? Mais cedo ou mais tarde, vai ter de ser assumida a questão da renegociação da dívida, do próprio serviço da dívida, que está a atingir níveis insuportáveis. E o Sr. Primeiro-Ministro vem referir isso como um elemento de perturbação?! Ou está a pensar, Sr. Primeiro-Ministro, com essa fuga às responsabilidades, que quem vier atrás que feche a porta?
Nós não aceitamos essa conceção!