Projecto de Lei

Museu Mineiro de São Pedro da Cova

 

Cria o Museu Mineiro de São Pedro da Cova

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Exposição de motivos

I

Perspectiva histórica

A Mina de São Pedro da Cova, integrada na bacia carbonífera do Douro, foi descoberta no final do século XVII, quando Manuel Alves de Brito encontrou camadas de carvão no sítio de Enfeitador.

Produzindo antracite de qualidade, as concessões sucederam-se em Ervedosa, Montalto, São Pedro da Cova e Passal de Baixo, mas, até 1804, a extracção foi irregular, utilizando uma tecnologia rudimentar, não ultrapassando os 100 metros de profundidade.

A história desta exploração mineira foi também a da miséria e do sofrimento dos que nela trabalharam. O carvão extraído nos primeiros anos de concessão era vendido aos "carreiros", homens sem trabalho, que o levavam para o Porto, onde "mendigavam pão e compradores".

A exploração era considerada, como "muito irregular, pouco abundante e nociva pelo muito combustível que a má direcção de trabalhos inutilizou", atingindo os poços 140 metros de profundidade e as galerias 320 metros de extensão, escoradas com madeira de pinho cortada na vizinhança. As condições de trabalho eram, mesmo para a época, de uma grande dureza.

A iluminação fazia-se a candeia de azeite e, no interior, a extracção processava-se através de "uma longa fila de rapazes que passava de mão em mão uns cubos de madeira contendo o carvão", que a 60 metros da boca do poço era lançado em vagonetes e depois tirado até à superfície.

As galerias tinham uma secção de 2,20 m X 1,80m e "os movimentos de terreno tornavam difíceis e incómodos os transportes e a circulação do interior da mina".

Em 1890, um relatório "Catálogo Descritivo da Secção de Minas" dizia que "é de notar a relutância que tem o concessionário a introduzir os melhoramentos aconselhados pela moderna arte de minas" e que o esgoto e extracção "são dos mais primitivos e irregulares que conhecemos, sendo para lamentar que uma mina auferindo tão bons resultados continue a seguir uma rotina vergonhosa". Até quase ao final do século XIX não existiu "caixa de socorros" e a duração do trabalho era considerada má e "sobretudo para os menores (...) excessiva". E o mesmo relatório acrescentava:

   "Nos trabalhos subterrâneos, que são muitíssimos árduos, feitos no meio de uma atmosfera mais ou menos corrompida e sob temperatura elevada, parece-nos prejudicial para os menores a actual distribuição de horas de trabalho...".

Em 1900, a produção anual era calculada em 6 000 toneladas; em 1914 atingiu as 25 mil toneladas e em 1932 foram extraídas de São Pedro da Cova 183 289 toneladas de antracite em bruto. Os sucessivos aumentos de produção corresponderiam a uma evolução de procura do produto, tornando-o uma componente energética indispensável ao desenvolvimento das indústrias, dos transportes e das próprias condições de vida na região do Porto. Porém, a tal expansão de produção corresponderia, não à melhoria, mas ao agravamento das condições de trabalho dos mineiros.

Em 1927, no Congresso Nacional de Medicina no Porto, o Dr. Carlos Ramalhão afirmava que 30,4% dos mineiros se encontravam atacados por ancilostomíase e destes muitos sofriam de anemia; embora a maior percentagem de diminuídos tivesse idade superior a 50 anos, foram encontrados 23 com idades entre os 10 e 20 anos.

As temperaturas médias dos poços iam de 19,5º a 25º e a humidade de 19% a 96%.

Nos poços não existia, em regra, as mínimas condições de salubridade para os trabalhadores.

Às duras condições de exploração, doença, miséria e às condições de trabalho sub-humano assinaladas por notícias de acidentes e mortes, nunca se vergaram os mineiros, que criaram uma tradição de luta em que várias vezes pagaram caro a coragem de defender o seu direito à dignidade.

Desta tradição são memoráveis a greve geral em 1923, provocada, segundo a imprensa, pela "situação miserável dos mineiros [...] dada a exiguidade dos salários" e tendo como causa imediata a suspensão de um camarada que teria sido encontrado "dormindo vencido pelo sono e pelo cansaço depois de 16 horas consecutivas de trabalho".

A greve terminou com a aceitação, pela empresa proprietária, da " admissão completa de todo o pessoal" suspenso e o "cumprimento integral do horário de 8 horas de trabalho", além de outras regalias salariais e sociais. Em Março de 1946 foram presos 27 mineiros por se oporem ao brutal aumento dos géneros fornecidos pela chamada cooperativa da mina e ao agravamento das condições de trabalho; as suspensões, castigos e cargas de trabalho intensas fariam um rol inumerável, ao longo dos 150 anos de laboração das minas que, em 1941, em plena guerra, chegaram a produzir 360 mil toneladas de carvão.

A revolução energética trazida pela electricidade, produzida a partir dos recursos hídricos e, posteriormente, pela utilização do fuelóleo, alteraram por completo as condições de exploração de carvão, reduzindo drasticamente os seus consumos domésticos e, sobretudo, industrial (CP, Carris do Porto, Central do Freixo, Fábricas de tecidos de Santo Tirso etc.).

As minas de São Pedro da Cova puderam resistir a esta confrontação com os novos meios de produção de energia, enquanto a Central Termo - Eléctrica da Tapada do Outeiro absorveu 85% (90 toneladas das 120 mil toneladas anuais) do carvão extraído.

Quando, em 1969, aquela Central foi reconvertida e passou a utilizar Fuelóleo como combustível, deixando de queimar os carvões da bacia do Douro - função para a qual, aliás, teria sido construída -, o futuro das minas ficou definitivamente comprometido, bem como o de toda uma comunidade que delas dependia e a que não foram proporcionadas alternativas de mudança profissional.

Quando foi encerrada, integravam o complexo mineiro 312 homens do interior, 171 do exterior e 85 mulheres, além de técnicos; produziu 101 000 toneladas no seu último ano de laboração e alguns mineiros extraíam, em média, mais de uma tonelada de carvão, rendimento considerado pela Flama, de 20 de Março de 1970, "uma autêntica epopeia de trabalho"

II
Defender e valorizar a memória e identidade de São Pedro da Cova

As marcas, os testemunhos e a memória de tal epopeia arrastam agora uma existência cada vez mais apagada, como se pretendesse varrer da superfície da terra e da história do país o registo da vida e da recordação dos que ajudaram também a construí-lo anonimamente.

É por todas estas razões que importa salvaguardar a memória desta actividade, dos seus trabalhadores e da exploração a que foram sujeitos.

Tendo em conta que a Junta de Freguesia de São Pedro da Cova deu o primeiro passo e criou o Museu Mineiro, onde se encontram um conjunto de documentos e objectos utilizados nos trabalhos da mina, importa dar o próximo passo e, aproveitando a experiência já existente, criar um novo museu que salvaguarde o que resta das actuais instalações e equipamentos do corpo principal da mina e da entrada para o poço de São Vicente.

Importa aprofundar o trabalho meritório realizado pela Junta de Freguesia de São Pedro da Cova e recolher, organizar os materiais e documentos, registos, instrumentos de trabalho, etc.

Importa, e este projecto de lei visa-o, criar um museu moderno e dinâmico que, aproveitando instalações como o cavalete do Poço da Mina de São Vicente, seja um receptáculo das memórias da actividade mineira em São Pedro da Cova e seja um bastião de salvaguarda dessas memórias para que as futuras gerações nunca mais esqueçam o que foi a actividade mineira em São Pedro da Cova e homenageiem os seus trabalhadores.

Nestes termos, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português abaixo-assinados apresentam o seguinte Projecto de Lei:

Capítulo I

Criação e Atribuições

Artigo 1.º

Criação

1 -    É criado o Museu Mineiro de São Pedro da Cova.

2 -    O Museu Mineiro de São Pedro da Cova, adiante designado por Museu, funcionará na dependência da Secretaria de Estado da Cultura.

3 -    Na criação do novo museu, o Governo deve procurar a colaboração das entidades responsáveis pelo núcleo museológico actualmente existente, com vista à criação do novo museu a partir daquele ou à definição de um projecto museológico que integre mais que um pólo.

Artigo 2.º

Sede

O Museu terá sede na Freguesia de São Pedro da Cova.

Artigo 3.º

Atribuições

São atribuições do Museu:

•a)       Promover a recolha de máquinas, equipamentos, instrumentos, ferramentas, bem como todos os materiais, incluindo os documentais, relacionados com a indústria mineira em São Pedro da Cova.

•b)       Proteger, estudar e divulgar as características do ambiente físico e social onde os operários e as suas famílias trabalhavam e viviam.

•c)       Promover a recolha audiovisual, arquivística e museológica de testemunhos materiais e outros das reminiscências culturais ainda sobreviventes, dos processos, motivações, formas de mentalidade e comportamentos traduzidos em usos, costumes e tradições da comunidade mineira.

•d)       Proteger, estudar e divulgar todo o acervo recolhido.

•e)       Contribuir para implementar o interesse do público pelos aspectos históricos que representam a herança cultural da indústria mineira em São Pedro da Cova.

•f)        Promover, designadamente através de exposições, colóquios, seminários, publicações, visitas guiadas e conferências o conhecimento acerca das formas culturais promovidas pela industrialização e o desenvolvimento tecnológico, bem como do carácter social das épocas a que as mesmas estão vinculadas.

•g)       Prosseguir todas as atribuições nas áreas da museografia, da investigação e da acção cultural nos termos da legislação em vigor.

Capítulo II

Órgãos e serviços

Artigo 4.º

Órgãos

São órgãos do Museu:

•a)       O director;

•b)       O conselho consultivo;

•c)       A secção de administração geral.

Artigo 4.º

Director

1 -    O Museu é dirigido por um director, equiparado para todos os efeitos a director de serviço.

2 -    Compete ao Director:

•a)       Dar execução às disposições legais e às determinações superiores relativas à organização e funcionamento do Museu;

•b)       Convocar as reuniões do conselho consultivo e presidir a elas, com voto de qualidade;

•c)       Superintender em todos os serviços e actividades do Museu;

•d)       Propor, ouvido o conselho consultivo, a nomeação e exoneração do pessoal;

•e)       Elaborar anualmente um relatório sobre a vida do Museu, as actividades prosseguidas e a prosseguir e as necessidades existentes e previsionais.

Artigo 5.º

Conselho Consultivo

1 -    O Conselho Consultivo é composto pelo director e o máximo de seis vogais nomeados pelo Ministro da Tutela e por um vogal em representação do Município de Gondomar, um vogal em representação da Junta de Freguesia de São Pedro da Cova, um vogal em representação dos estabelecimentos de ensino público de São Pedro da Cova, um vogal em representação da Federação Intersindical das Industrias Metalúrgicas, Química, Farmacêutica, Eléctrica, Energia e Minas, um vogal em representação das associações de defesa do património e um vogal em representação das associações e colectividades de São Pedro da Cova.

2 -    Ao Conselho Consultivo compete:

•a)       Colaborar com o director na orientação geral do Museu;

•b)       Pronunciar-se no sentido do melhoramento dos serviços e da mais eficiente realização dos objectivos do Museu;

3 -    Compete ainda ao Conselho Consultivo apresentar uma proposta de regulamento interno do Museu.

4 -    O exercício das funções de vogal do Conselho Consultivo é em princípio gratuito, mas com direito a um abono para despesas a fixar por Portaria.

Artigo 6.º

Secção de Administração Geral

1 -    A secção de administração geral é o serviço de apoio do Museu, funcionando junto do Director.

2 -    À secção de Administração Geral compete:

a)     Assegurar a gestão administrativa e financeira do Museu;

b)     Promover a organização e permanente actualização do cadastro dos imóveis e do inventário dos móveis pertencentes ao Museu ou na sua posse.

Artigo 7.º

Quadro de Pessoal

O Quadro de Pessoal do Museu será o constante de lista nominativa aprovada por despacho do Ministro da Tutela, dependendo a sua alteração de igual formalidade.

Artigo 8.º

Pessoal

A gestão, a administração e o provimento do quadro de pessoal do Museu serão feitos de acordo com as disposições legais em vigor.

Capítulo III

Património e Receitas

Artigo 9.º

Património

1 -    Constituem património do Museu:

a)     Os edifícios, construções, maquinaria, ferramentas, outros objectos e documentos que sejam adquiridos pelo Estado com essa afectação ou que sejam adquiridos pelo Museu através de verbas próprias.

b)     Os materiais de qualquer tipo que resultem da sua actividade.

c)     Os materiais de qualquer tipo que adquira por herança ou doação.

2 -    O Museu poderá aceitar em depósito materiais e colecções que caibam dentro das suas atribuições.

Artigo 10.º

Receitas

Constituem receitas do Museu:

•a)       As verbas para ele inscritas no Orçamento do Estado;

•b)       O produto das vendas de publicações ou outros materiais produzidos pelo Museu;

•c)       Os subsídios, donativos ou legados de entidades públicas ou privadas;

•d)       Quaisquer outras receitas atribuídas por lei ou autorizadas pelo Ministro da Tutela.

Capítulo IV

Comissão Instaladora

Artigo 11.º

Comissão Instaladora

1 -    No prazo de 30 dias após a publicação da presente lei, o Ministério da Cultura procederá à constituição de uma Comissão Instaladora, com a seguinte composição:

a)     Um representante do Ministério da Cultura.

b)     Um representante do Município de Gondomar.

c)     Um representante da Junta de Freguesia de São Pedro da Cova.

d)     Um representante dos estabelecimentos de ensino público de São Pedro da Cova.

e)     Um representante da Federação Intersindical das Industrias Metalúrgicas, Química, Farmacêutica, Eléctrica, Energia e Minas.

f)      Um representante das associações de defesa do património.

g)     Um representante das associações e colectividades de São Pedro da Cova.

2 -    No prazo de 60 dias após a sua entrada em funcionamento, a Comissão Instaladora apresentará uma proposta de diploma regulamentar e uma relação dos materiais e documentos a incorporar no Museu.

Capítulo V

Disposições finais e transitórias

Artigo 12.º

Disposições finais e transitórias

1 -    O Ministério da Tutela tomará as providências necessárias para, no prazo de 60 dias a contar da apresentação das propostas da Comissão Instaladora:

a)     Instalar os órgãos do Museu;

b)     Proceder à transferência do património a que se refere a alínea a) do n.º 1 do artigo 9º;

2 -    O regulamento interno do Museu será aprovado por Portaria do Ministério da Tutela.

Artigo 13.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor com a sua publicação, à excepção do disposto na alínea a) do artigo 10.º, que entra em vigor com a Lei do Orçamento do Estado posterior à sua publicação.

Assembleia da República, em 2 de Julho de 2009

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