Projecto de Lei N.º 632/XIV/2.ª

Monitorização dos Sistemas de Gestão de Resíduos Urbanos e definição de estratégias para incremento da valorização e reciclagem de resíduos urbanos

Exposição de motivos

As operações de tratamento e eliminação de resíduos são responsáveis por diversos impactes negativos sobre o ambiente e sobre a qualidade de vida das populações, alguns dos quais de difícil minimização, como é o caso da emissão de odores, do risco de contaminação de águas superficiais e subterrâneas e da proliferação de pragas.

É por isso necessário garantir o reforço da informação disponível sobre as diversas operações de gestão de resíduos, em termos de quantitativos, tipologias, encaminhamento e destinos associados, bem como da inspeção e monitorização das atividades de gestão de resíduos.

A política de resíduos deve considerar as componentes da prevenção, da produção e da gestão, respeitando as prioridades estabelecidas pela hierarquia dos resíduos, considerando a sua eliminação como operação de último recurso.

No caso dos Resíduos Urbanos, a generalidade das metas nacionais estabelecidas para 2020 estão ainda longe de serem cumpridas, situação em que se destacam os indicadores “reparação para reutilização e reciclagem”, cifrada em apenas 41 % e a “deposição de resíduos urbanos biodegradáveis em aterro”, que representa 45 %.

A alienação ao setor privado dos SGRU gestores de sistemas multimunicipais não trouxe melhorias quanto à sustentabilidade ambiental do sector, verificando-se que mais de metade dos SGRU existentes recolhe seletivamente apenas um valor de cerca de 10% do total de resíduos que produz e apenas 5 SGRU apresentam uma percentagem de recolha seletiva superior a 20%. Esta realidade demonstra a falta de investimento no sector e na aposta de soluções ambientalmente mais sustentadas, sendo a prática orientada pelo lucro e não pelo serviço público a que estes sistemas estariam obrigados.

Uma parte muito significativa dos resíduos recolhidos em Portugal continental têm a deposição em aterro como destino (58%), destacando-se que, em 2019, 8 dos SGRU apresentam taxas de deposição direta em aterro superiores a 50 %, o que traz à evidência a continuidade da aposta dos privados na solução de tratamento ambientalmente mais danosa.

A opção de continuar a privilegiar a deposição em aterro como destino para os resíduos urbanos impõe, frequentemente, impactes negativos severos sobre o ambiente e sobre a qualidade de vida das populações presentes na proximidade destas infraestruturas, alguns dos quais muito difíceis de serem atenuados, mesmo quando são cumpridas as respetivas normas operativas de exploração.

A capacidade instalada de deposição de resíduos em aterro deve ser utilizada de forma a maximizar o período de vida útil destas infraestruturas, encaminhando preferencialmente para valorização as frações que se adequem a tal. Neste sentido é necessário tomar medidas destinadas a disciplinar de modo eficaz a deposição de resíduos em aterro, favorecendo a salvaguarda do ambiente e das populações em vez de favorecer o negócio e o lucro da eliminação dos resíduos.

O PCP continua a alertar para o facto de que a gestão privada do sector dos resíduos urbanos tem-se mostrado ineficaz na alteração necessária do paradigma de valorização e tratamento dos resíduos urbanos, mantendo os baixos quantitativos de valorização multimaterial, não privilegiando as opções pela reutilização e reciclagem, mantendo a deposição final em aterro como solução preferencial.

A opção de transferir o ónus da ineficiente gestão privada do setor dos resíduos urbanos para os municípios e para os cidadãos, é errada, geradora de desequilíbrios e desigualdades, acentuadora de assimetrias, e não promove a racionalidade da gestão. Não é por via da transferência de custos que se alteram comportamentos ou que se proporcionam soluções mais sustentáveis em matéria de resíduos.

Esta opção deixa à partida de fora aspetos primordiais em matéria de resíduos como seja a prevenção da sua geração e a sua deposição adequada para efeito de valorização, não atuando sobre a colocação de materiais no mercado nem promovendo os investimentos necessários para garantir o acesso de todos a sistemas de deposição adaptados às realidades das populações e que garantam posterior encaminhamento para reciclagem e valorização multimaterial.

Disciplinar e gerir adequadamente os resíduos urbanos impõe a implementação das medidas e dos investimentos necessários para prosseguir os objetivos nacionais para a gestão de resíduos, salvaguardar o ambiente e a qualidade de vida das populações e garantir a efetiva prestação de serviço público.

Para prosseguir este desiderato é necessário conhecer a realidade atual do sector, o seu desempenho em termos nacionais, regionais e locais, identificar as suas fragilidades, analisar a adequação do Projeto Estratégico assumido para os resíduos urbanos e o seu cumprimento e nesta base estabelecer as opções estratégicas a assumir nomeadamente em termos de deposição diferenciada e recolha seletiva de RU.

Assim, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1.º

Objeto e âmbito

A presente Lei estabelece um Programa Alargado de Monitorização e Avaliação dos Sistemas de Gestão de Resíduos Urbanos (SGRU) presentes em território nacional, e apresenta medidas para incremento da reciclagem de resíduos urbanos (RU).

Artigo 2.º

Programa Alargado de Monitorização e Avaliação dos SGRU

  1. O Governo promove a criação e implementação de um Programa Alargado de Monitorização e Avaliação dos SGRU, com prioridade para análise dos processos de recolha diferenciada e para as infraestruturas de deposição de RU.
  2. O Programa Alargado de Monitorização e Avaliação dos SGRU referido no número anterior, inclui a avaliação, para o período entre 2015 e 2020, de, pelo menos, os seguintes aspetos:
    1. Caracterização dos resíduos admitidos em cada SGRU, sua proveniência e tipologia de recolha;
    2. Quantidade anual de resíduos reciclados/valorizados e sua discretização em função da tipologia e fluxos específicos;
    3. Investimentos realizados, de promoção da redução da produção e do incremento da reciclagem e da valorização de resíduos;
    4. Emissões e contaminação ambiental, resultantes da operação das infraestruturas de tratamento e deposição de RU e a identificação de situações irregulares e eventuais planos de remediação acionados e respetivos resultados;
    5. Avaliação do cumprimento de metas associadas à gestão de RU estabelecidas no âmbito dos contratos de serviço público.
  3. Os resultados do Programa Alargado de Monitorização e Avaliação dos SGRU são coligidos em relatório síntese a apresentar à Assembleia da República.

Artigo 3.º

Avaliação crítica do Projeto Estratégico da EGF

  1. O Governo promove a realização de uma análise crítica ao Projeto Estratégico entregue no âmbito da reprivatização da Empresa Geral de Fomento (EGF) e avaliação do seu cumprimento global e parcial em cada SGRU.
  2. Os resultados da avaliação crítica ao Projeto Estratégico da EGF bem como os elementos de base que suportam essa análise serão coligidos em relatório a apresentar à Assembleia da República.

Artigo 4.º

Programa de medidas para incremento da reciclagem de RU

  1. O Governo cria um Grupo de Trabalho para estabelecer um Programa de medidas e ações para incrementar significativamente a taxa de reciclagem de RU.
  2. O Programa de medidas referido no número anterior deve ter em conta, pelo menos, os seguintes aspetos:
    1. Análise comparativa dos diferentes processos de deposição de RU na área de abrangência de cada SGRU e sua influência nas taxas de reciclagem assumidas para cada SGRU;
    2. Acesso dos cidadãos ao sistema de deposição diferenciada de RU e dificuldades por estes sentidas;
    3. Necessidades de investimento na melhoria e incremento do acesso dos cidadãos à deposição diferenciada de RU, na área de abrangência de cada SGRU;
    4. Identificação de novas soluções de deposição diferenciada e de recolha diferenciada de RU e respetivos custos associados;
    5. Identificação dos principais constrangimentos sentidos pelas populações quanto à facilidade de proceder à deposição diferenciada dos resíduos;
    6. Realização de ações de sensibilização e envolvimento dos cidadãos e entidades ligadas ao sector.
  3. O Programa de medidas e ações em matéria de incremento da reciclagem de RU deve apresentar respostas para resolução dos problemas e constrangimentos identificados na análise dos aspetos referidos no número 2 do presente artigo, bem como a identificação das fontes de financiamento a considerar ou a criar.
  4. As medidas e ações propostas para incremento da deposição e recolha diferenciada e reciclagem de RU, sendo integradas numa estratégia nacional, devem ser adequadas às diferentes realidades regionais e locais, sendo estabelecidas em concertação com o poder local.

Artigo 5.º

Constituição do Grupo de Trabalho

  1. O Grupo de Trabalho referido no número 1 do artigo 4.º da presente Lei é composto por elementos designados pelas seguintes entidades:
    1. Ministério do Ambiente e da Ação Climática.
    2. Agência Portuguesa do Ambiente (APA).
    3. Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regionais (CCDR).
    4. Associação Nacional dos Municípios Portugueses.
    5. Associação Nacional de Freguesias.
    6. Duas associações representativas do setor de resíduos
    7. Dois representantes das unidades e centros de investigação públicos na área dos resíduos
  2. Para o desenvolvimento da sua atividade o Grupo de Trabalho pode ouvir outras entidades e pessoas ligadas ao sector.

Artigo 6.º

Disposições Orçamentais

O Governo promove os mecanismos necessários para o acesso a fundos, nacionais e comunitários para provisionar a implementação, no território nacional, das medidas e ações que vierem a ser propostas de acordo com o referido nos números 3 e 4 do artigo 4.º.

Artigo 7.º

Prazos

  1. O Governo realiza e apresenta à Assembleia da República os resultados da análise crítica ao Projeto Estratégico entregue no âmbito da reprivatização da EGF e avaliação do seu cumprimento, no prazo de 180 dias após a entrada em vigor da presente Lei.
  2. O Governo realiza e apresenta à Assembleia da República os resultados do Programa Alargado de Monitorização e Avaliação dos SGRU, no prazo de 270 dias após a entrada em vigor da presente Lei.
  3. O Governo apresenta à Assembleia da República os resultados do Programa de medidas para incremento da reciclagem de RU, no prazo de 270 dias após a entrada em vigor da presente Lei.

Artigo 8.º

Regulamentação

O Governo regulamenta a presente Lei no prazo de 30 dias após a sua entrada em vigor.

Artigo 9.º

Entrada em vigor

A presente Lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.