Exposição de motivos
As operações de tratamento e eliminação de resíduos são responsáveis por diversos impactes negativos sobre o ambiente e sobre a qualidade de vida das populações, alguns dos quais de difícil minimização, como é o caso da emissão de odores, do risco de contaminação de águas superficiais e subterrâneas e da proliferação de pragas.
É por isso necessário garantir o reforço da informação disponível sobre as diversas operações de gestão de resíduos, em termos de quantitativos, tipologias, encaminhamento e destinos associados, bem como da inspeção e monitorização das atividades de gestão de resíduos.
A política de resíduos deve considerar as componentes da prevenção, da produção e da gestão, respeitando as prioridades estabelecidas pela hierarquia dos resíduos, considerando a sua eliminação como operação de último recurso.
No caso dos Resíduos Urbanos, a generalidade das metas nacionais estabelecidas para 2020 estão ainda longe de serem cumpridas, situação em que se destacam os indicadores “reparação para reutilização e reciclagem”, cifrada em apenas 41 % e a “deposição de resíduos urbanos biodegradáveis em aterro”, que representa 45 %.
A alienação ao setor privado dos SGRU gestores de sistemas multimunicipais não trouxe melhorias quanto à sustentabilidade ambiental do sector, verificando-se que mais de metade dos SGRU existentes recolhe seletivamente apenas um valor de cerca de 10% do total de resíduos que produz e apenas 5 SGRU apresentam uma percentagem de recolha seletiva superior a 20%. Esta realidade demonstra a falta de investimento no sector e na aposta de soluções ambientalmente mais sustentadas, sendo a prática orientada pelo lucro e não pelo serviço público a que estes sistemas estariam obrigados.
Uma parte muito significativa dos resíduos recolhidos em Portugal continental têm a deposição em aterro como destino (58%), destacando-se que, em 2019, 8 dos SGRU apresentam taxas de deposição direta em aterro superiores a 50 %, o que traz à evidência a continuidade da aposta dos privados na solução de tratamento ambientalmente mais danosa.
A opção de continuar a privilegiar a deposição em aterro como destino para os resíduos urbanos impõe, frequentemente, impactes negativos severos sobre o ambiente e sobre a qualidade de vida das populações presentes na proximidade destas infraestruturas, alguns dos quais muito difíceis de serem atenuados, mesmo quando são cumpridas as respetivas normas operativas de exploração.
A capacidade instalada de deposição de resíduos em aterro deve ser utilizada de forma a maximizar o período de vida útil destas infraestruturas, encaminhando preferencialmente para valorização as frações que se adequem a tal. Neste sentido é necessário tomar medidas destinadas a disciplinar de modo eficaz a deposição de resíduos em aterro, favorecendo a salvaguarda do ambiente e das populações em vez de favorecer o negócio e o lucro da eliminação dos resíduos.
O PCP continua a alertar para o facto de que a gestão privada do sector dos resíduos urbanos tem-se mostrado ineficaz na alteração necessária do paradigma de valorização e tratamento dos resíduos urbanos, mantendo os baixos quantitativos de valorização multimaterial, não privilegiando as opções pela reutilização e reciclagem, mantendo a deposição final em aterro como solução preferencial.
A opção de transferir o ónus da ineficiente gestão privada do setor dos resíduos urbanos para os municípios e para os cidadãos, é errada, geradora de desequilíbrios e desigualdades, acentuadora de assimetrias, e não promove a racionalidade da gestão. Não é por via da transferência de custos que se alteram comportamentos ou que se proporcionam soluções mais sustentáveis em matéria de resíduos.
Esta opção deixa à partida de fora aspetos primordiais em matéria de resíduos como seja a prevenção da sua geração e a sua deposição adequada para efeito de valorização, não atuando sobre a colocação de materiais no mercado nem promovendo os investimentos necessários para garantir o acesso de todos a sistemas de deposição adaptados às realidades das populações e que garantam posterior encaminhamento para reciclagem e valorização multimaterial.
Disciplinar e gerir adequadamente os resíduos urbanos impõe a implementação das medidas e dos investimentos necessários para prosseguir os objetivos nacionais para a gestão de resíduos, salvaguardar o ambiente e a qualidade de vida das populações e garantir a efetiva prestação de serviço público.
Para prosseguir este desiderato é necessário conhecer a realidade atual do sector, o seu desempenho em termos nacionais, regionais e locais, identificar as suas fragilidades, analisar a adequação do Projeto Estratégico assumido para os resíduos urbanos e o seu cumprimento e nesta base estabelecer as opções estratégicas a assumir nomeadamente em termos de deposição diferenciada e recolha seletiva de RU.
Assim, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projeto de Lei:
Artigo 1.º
Objeto e âmbito
A presente Lei estabelece um Programa Alargado de Monitorização e Avaliação dos Sistemas de Gestão de Resíduos Urbanos (SGRU) presentes em território nacional, e apresenta medidas para incremento da reciclagem de resíduos urbanos (RU).
Artigo 2.º
Programa Alargado de Monitorização e Avaliação dos SGRU
- O Governo promove a criação e implementação de um Programa Alargado de Monitorização e Avaliação dos SGRU, com prioridade para análise dos processos de recolha diferenciada e para as infraestruturas de deposição de RU.
- O Programa Alargado de Monitorização e Avaliação dos SGRU referido no número anterior, inclui a avaliação, para o período entre 2015 e 2020, de, pelo menos, os seguintes aspetos:
- Caracterização dos resíduos admitidos em cada SGRU, sua proveniência e tipologia de recolha;
- Quantidade anual de resíduos reciclados/valorizados e sua discretização em função da tipologia e fluxos específicos;
- Investimentos realizados, de promoção da redução da produção e do incremento da reciclagem e da valorização de resíduos;
- Emissões e contaminação ambiental, resultantes da operação das infraestruturas de tratamento e deposição de RU e a identificação de situações irregulares e eventuais planos de remediação acionados e respetivos resultados;
- Avaliação do cumprimento de metas associadas à gestão de RU estabelecidas no âmbito dos contratos de serviço público.
- Os resultados do Programa Alargado de Monitorização e Avaliação dos SGRU são coligidos em relatório síntese a apresentar à Assembleia da República.
Artigo 3.º
Avaliação crítica do Projeto Estratégico da EGF
- O Governo promove a realização de uma análise crítica ao Projeto Estratégico entregue no âmbito da reprivatização da Empresa Geral de Fomento (EGF) e avaliação do seu cumprimento global e parcial em cada SGRU.
- Os resultados da avaliação crítica ao Projeto Estratégico da EGF bem como os elementos de base que suportam essa análise serão coligidos em relatório a apresentar à Assembleia da República.
Artigo 4.º
Programa de medidas para incremento da reciclagem de RU
- O Governo cria um Grupo de Trabalho para estabelecer um Programa de medidas e ações para incrementar significativamente a taxa de reciclagem de RU.
- O Programa de medidas referido no número anterior deve ter em conta, pelo menos, os seguintes aspetos:
- Análise comparativa dos diferentes processos de deposição de RU na área de abrangência de cada SGRU e sua influência nas taxas de reciclagem assumidas para cada SGRU;
- Acesso dos cidadãos ao sistema de deposição diferenciada de RU e dificuldades por estes sentidas;
- Necessidades de investimento na melhoria e incremento do acesso dos cidadãos à deposição diferenciada de RU, na área de abrangência de cada SGRU;
- Identificação de novas soluções de deposição diferenciada e de recolha diferenciada de RU e respetivos custos associados;
- Identificação dos principais constrangimentos sentidos pelas populações quanto à facilidade de proceder à deposição diferenciada dos resíduos;
- Realização de ações de sensibilização e envolvimento dos cidadãos e entidades ligadas ao sector.
- O Programa de medidas e ações em matéria de incremento da reciclagem de RU deve apresentar respostas para resolução dos problemas e constrangimentos identificados na análise dos aspetos referidos no número 2 do presente artigo, bem como a identificação das fontes de financiamento a considerar ou a criar.
- As medidas e ações propostas para incremento da deposição e recolha diferenciada e reciclagem de RU, sendo integradas numa estratégia nacional, devem ser adequadas às diferentes realidades regionais e locais, sendo estabelecidas em concertação com o poder local.
Artigo 5.º
Constituição do Grupo de Trabalho
- O Grupo de Trabalho referido no número 1 do artigo 4.º da presente Lei é composto por elementos designados pelas seguintes entidades:
- Ministério do Ambiente e da Ação Climática.
- Agência Portuguesa do Ambiente (APA).
- Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regionais (CCDR).
- Associação Nacional dos Municípios Portugueses.
- Associação Nacional de Freguesias.
- Duas associações representativas do setor de resíduos
- Dois representantes das unidades e centros de investigação públicos na área dos resíduos
- Para o desenvolvimento da sua atividade o Grupo de Trabalho pode ouvir outras entidades e pessoas ligadas ao sector.
Artigo 6.º
Disposições Orçamentais
O Governo promove os mecanismos necessários para o acesso a fundos, nacionais e comunitários para provisionar a implementação, no território nacional, das medidas e ações que vierem a ser propostas de acordo com o referido nos números 3 e 4 do artigo 4.º.
Artigo 7.º
Prazos
- O Governo realiza e apresenta à Assembleia da República os resultados da análise crítica ao Projeto Estratégico entregue no âmbito da reprivatização da EGF e avaliação do seu cumprimento, no prazo de 180 dias após a entrada em vigor da presente Lei.
- O Governo realiza e apresenta à Assembleia da República os resultados do Programa Alargado de Monitorização e Avaliação dos SGRU, no prazo de 270 dias após a entrada em vigor da presente Lei.
- O Governo apresenta à Assembleia da República os resultados do Programa de medidas para incremento da reciclagem de RU, no prazo de 270 dias após a entrada em vigor da presente Lei.
Artigo 8.º
Regulamentação
O Governo regulamenta a presente Lei no prazo de 30 dias após a sua entrada em vigor.
Artigo 9.º
Entrada em vigor
A presente Lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.