Intervenção de

Mobilidade entre os serviços dos funcionários e agentes da Administração Pública - Intervenção de Jorge Machado na AR

Regime comum de mobilidade entre os serviços dos funcionários e agentes da Administração Pública, visando o seu aproveitamento racional

 

Sr. Presidente,
Sr. Ministro de Estado e das Finanças,

V. Ex.ª pode embrulhar este diploma no mais bonito papel de embrulho que existe, porque a verdade é que dentro do embrulho está o despedimento de milhares de trabalhadores da Administração Pública.

Se a intenção do Governo fosse proceder a uma reorganização dos serviços e à racionalização dos efectivos, o Sr. Ministro, em primeiro lugar, teria de informar quer a Assembleia, quer os sindicatos onde é que há funcionários a mais e onde é que faltam trabalhadores, para, depois, sim, discutir esses números e a reorganização dos efectivos.

Não! O Governo não quer fazer isso! Quer, sim, despedir, quer reduzir o peso do Estado e entregar aos privados partes significativas dos serviços públicos.

A resolução do Conselho de Ministros deixa isso muito claro, quando afirma que o PRACE tem como objectivo a diminuição do número de serviços e dos recursos a eles afectos.

Já disse que não nos vai informar quantos trabalhadores da Administração Pública vão ser colocados em supranumerários, mas, do levantamento ainda incompleto que fizemos dos serviços extintos e daqueles que ficam sujeitos a avaliação especial, estamos a falar de cerca de 140 000 trabalhadores em supranumerários.

Não é aceitável que o Governo pretenda colocar milhares de trabalhadores em supranumerários, quando existem serviços com falta de trabalhadores e quando existem milhares de trabalhadores com avenças e outras formas precárias de contratação a desempenhar funções permanentes.

O Sr. Ministro escusa de vir dizer que o PCP defende o imobilismo. Se quer discutir a sério o problema dos recursos humanos, estamos dispostos a fazê-lo, Sr. Ministro.

Primeiro, importa fazer o levantamento dos trabalhadores, onde estão a mais e onde há falta de pessoal, para, depois, sim, discutir com os sindicatos e aqui, na Assembleia, os mecanismos de mobilidade que já existem. Isto, sim, seria uma reforma a sério e que iria melhorar a Administração Pública, com vista ao seu reforço.

A intenção do Governo não é essa mas, sim, despedir, mesmo sabendo que, por exemplo, no Instituto da Segurança Social são precisos mais de 3000 trabalhadores, que há falta de trabalhadores na justiça, nas forças de segurança, na saúde, na educação, entre outros serviços.

As recentes notícias que dão conta de um saldo líquido de mais de cerca de 9000 trabalhadores comprovam que há lacunas que urge colmatar.

Assim, o Governo pretende despedir para entregar ao sector privado serviços públicos apetecíveis, uma vez que são fonte segura de lucros fáceis.

Importa, pois, que o Sr. Ministro esclareça quantas empresas têm, hoje, contratos de outsourcing com o Estado, qual é o valor pago às concessões e parcerias, qual é o prejuízo que daí resulta para o Estado, sabendo que ficava mais barato se esses serviços fossem prestados por trabalhadores da Administração Pública.

Para que se perceba, veja-se o exemplo do seu Ministério, Sr. Ministro!

A concepção de sistemas de informática do Ministério das Finanças é entregue a empresas privadas, as quais asseguram contratos de manutenção vitalícios, uma vez que só elas têm conhecimentos suficientes para fazer essa manutenção. Com uma agravante, Sr. Ministro: essas empresas ficam com códigos de acesso a informação privilegiada. Onde fica a autonomia e a independência do Estado, Sr. Ministro? O que é que o Estado ganha com isto? O seu Ministério vai apresentar supranumerários? Quantos trabalhadores permanentemente, Sr. Ministro, vão ser despedidos para entregar aos privados serviços de que o seu Ministério precisa ?

O seu Governo, com este diploma, o que pretende não é mais e melhor Administração Pública, é antes desarticular a Administração Pública e entregar ao sector privado lucros fáceis à custa do direito dos trabalhadores e do interesse nacional.

(…)

Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Sr.as e Srs. Deputados:

 O diploma que hoje discutimos é mais uma machadada dada pelo processo de redução, encerramento e externalização, ou, melhor, de privatização de serviços, que se iniciou com o PRACE. O objectivo deste diploma não é o de melhorar e reorganizar a Administração Pública, não é o de elevar a eficácia da gestão dos recursos humanos. O objectivo é, sim, e de forma bastante clara, o de tornar supranumerários milhares de trabalhadores, criando mecanismos que levem ao seu despedimento.

Os mecanismos de mobilidade já existem e, com algumas alterações, já seriam suficientes para essa reorganização. O Sr. Ministro das Finanças afirmou numa entrevista que haverá libertação de pessoal excedentário, que espera que o número seja significativo e que a redução da despesa passa por reduzir o número de funcionários públicos. A motivação é a de despedir para poupar na pesa, mas nem isso consegue, porque a entrega ao sector privado irá aumentar as despesas do Estado.

Importa lembrar a trapalhada de todo este processo. Não houve negociação, as propostas foram liminarmente rejeitadas e excluiu-se a Frente Comum da negociação porque esta afirmou não abdicar de um direito, o direito à negociação suplementar, porque tal constituiria uma violação grave da lei da negociação colectiva.

Depois, veio a redução do prazo de discussão pública sem qualquer justificação. Há uma proposta de lei que se transforma em decreto-lei, e, por fim, aparecem remissões na proposta de lei para um decreto-lei que não existe, votando hoje a Assembleia da República, na generalidade, um diploma que não conhece na totalidade.

Da análise do diploma resulta que o Governo, apoiando-se na ideia, promovida pela direita e pelos grupos financeiros, de que existem trabalhadores a mais na Administração Pública, cria um mecanismo de pressão que visa o seu despedimento. Na verdade, o peso do emprego público em Portugal é dos mais baixos da Europa, representando apenas 17,9% do total do emprego e tendo um peso no PIB abaixo da média comunitária. Existem mesmo muitos sectores da Administração Pública onde há falta de trabalhadores, como o da segurança social, da saúde, da educação, da justiça, das forças de segurança e da inspecção do trabalho, entre outros.

Admitindo que possam existir em alguns organismos funcionários excedentários, podia e devia o Governo discutir, em primeira instância, os mecanismos de mobilidade desses trabalhadores para outros serviços mais carenciados.

Contudo, não é essa a intenção do Governo. O que o diploma prevê de novo é um mecanismo que visa forçar a saída de milhares de trabalhadores da Administração Pública. Uma vez criado o «super quadro» de supranumerários, o Governo coloca estes trabalhadores na «prateleira». Isto é, ficam sem qualquer função, pondo, assim, em causa o direito à ocupação efectiva, fora do quadro de pessoal, aumentando a sua precariedade. Depois, é-lhes reduzido o vencimento. Passado um ano, estes trabalhadores recebem apenas 66% do seu vencimento, sobre o qual terão de descontar, do seu bolso, as contribuições para a Caixa Geral de Aposentações, se quiserem ter uma pensão equivalente ao seu vencimento original, o que vale por dizer que estes trabalhadores receberão pouco mais de 50% do seu vencimento.

Assim, estes trabalhadores, que não têm direito ao subsídio de desemprego, vão receber por mês pouco mais de 50% do seu vencimento, bem menos do que recebem os restantes trabalhadores desempregados.

Para além disso, nesta fase o trabalhador tem de estar permanentemente disponível, o que equivale a dizer que não pode ter um emprego estável no sector privado e, se optar pela licença sem vencimento, pode ficar a receber apenas 28% do seu vencimento original.

O Governo usa uma já velha técnica utilizada pelos piores dos patrões. Coloca estes trabalhadores em inactividade com perda de direitos e salários, estando, assim, criadas as condições de pressão psicológica para forçar as rescisões na Administração Pública, a que chama, hipocritamente, «desvinculação voluntária».

Outro aspecto negativo é a discricionariedade com que são escolhidos os trabalhadores que vão para supranumerários. Ou são escolhidos pelo dirigente, ou optar-se-á pela avaliação profissional ou de desempenho, que não funciona, deixando, assim, uma enorme margem para o dirigente do serviço escolher a seu bel-prazer os trabalhadores a abater.

Outro argumento utilizado é o de que os trabalhadores sempre podem ir trabalhar para o sector privado. Para a grande maioria, isso vai ser impossível. Os poucos que terão lugar no sector privado são aqueles que têm a experiência do funcionamento dos serviços que o Governo quer privatizar.

Por fim, o Governo esconde da discussão a fase final do despedimento, a que chama«desvinculação voluntária», uma vez que remete para regulamentação as condições e os termos em que ele se vai operar.

Portugal precisa de uma Administração Pública moderna e eficaz. Esta é, aliás, essencial para o desenvolvimento do País. Mas não é isso que o Governo pretende. O Governo quer reduzir o peso do Estado e apresenta medidas que visam desarticular a Administração Púbica e desmotivar os seus trabalhadores.

O Governo do PS cede, assim, às velhas aspirações da direita e dos grandes grupos financeiros.

A direita e o grande capital financeiro pedem despedimentos na Administração Pública. O PS cede! A direita e o grande capital financeiro pedem a entrega de serviços públicos ao sector privado. O PS cede!

A direita e o grande capital financeiro pedem um Estado neoliberal. O PS cede!

O Governo termina, assim, esta Sessão Legislativa no seu pior!

 

 

 

 

 

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