Projecto de Resolução N.º 1175/XII/4.ª

Medidas para a Dinamização do Sistema Científico e Técnico Nacional

Medidas para a Dinamização do Sistema Científico e Técnico Nacional

Os avanços registados no plano da investigação científica em Portugal devem-se sobretudo ao empenho e dedicação do trabalho e esforço público que alimenta o Sistema Científico e Tecnológico Nacional (SCTN), porque o esforço privado foi sempre residual.

O “novo paradigma” anunciado pelo Governo PSD/CDS é subordinar a produção científica e tecnológica ao “mercado”, disponibilizando a Investigação e Desenvolvimento (I&D) nacional aos grupos económicos e financeiros para que potenciem os seus lucros à custa do SCTN.

Esta estratégia é inseparável do caminho de destruição das funções sociais do Estado e de concentração do financiamento público nos privados em detrimento do desenvolvimento económico e social do país.

A ciência é um bem público e deve ser estimulada através de financiamento público, não limitando linhas de investigação, mas antes abrindo perspetivas de desenvolvimento económico e social.

A Ciência e Tecnologia são vetores estruturais para um desenvolvimento integrado e harmonioso de Portugal. Só uma política que promova o potencial de Investigação, Desenvolvimento e Inovação (I,D&I) pode contribuir para a elevação das capacidades nacionais no plano das necessidades de desenvolvimento que se colocam nos dias de hoje ao país. A capacidade e o potencial do país, no plano da Ciência e Tecnologia são também pilares essenciais da soberania nacional.

A existência de um SCTN coeso e pujante é fulcral para a articulação entre o sector produtivo e o desenvolvimento social, humano e territorial. Além disso, só um SCTN estruturado pode, de facto, funcionar como rede de I&D e como dispositivo efetivamente nacional, ao serviço de políticas e estratégias nacionais. A dinamização do SCTN é, portanto, um elemento estruturante para uma estratégia de desenvolvimento nacional assente numa evolução tecnológica ao serviço do país, tal como é um elemento essencial para a modernização do aparelho produtivo.

A promoção exclusiva de nichos, ou de pequenos grupos de investigação em áreas circunscritas do Conhecimento, não representa de forma alguma o necessário aumento do potencial científico e técnico global do país, na medida em que faz correr o risco de afirmar apenas núcleos de I&D funcionando de forma descoordenada e sem uma orientação estratégica nacional. É numa perspetiva de aumento de coesão e de potencial que o PCP apresenta o presente Projeto de Resolução.

A situação nacional, no que diz respeito às políticas de Ciência e Tecnologia, é caracterizada por um longo processo de desinvestimento em meios humanos e materiais, acompanhada por um ataque aos direitos dos trabalhadores e por uma crescente precarização das relações laborais.

O Ensino Superior, as redes Universitária e Politécnica públicas, elementos centrais das atividades de I&D têm sido sujeitos a anos consecutivos de desinvestimento e de financiamento significativamente abaixo das necessidades básicas de funcionamento, sendo que grande parte das instituições de Ensino Superior Público não dispõe de financiamento suficiente para fazer frente às despesas certas e permanentes, entre as quais os próprios salários dos funcionários docentes e não docentes. Mesmo considerando a cobrança de propinas de valor muito acima do salário mínimo nacional (mais do dobro), as instituições não dispõem de orçamento com suficiente liquidez para assegurar as necessidades de gestão diária e corrente. O investimento, através de PIDDAC, cessou completamente há vários anos, o que não permite, com maior ou menor criatividade, às instituições, fazer frente às necessidades de investimento que neste domínio são permanentes.
Todavia, as carências do SCTN são transversais às suas componentes públicas, incluindo os Laboratórios do Estado (LE). Aliás, nos LE's, as insuficiências, conjunturais ou estruturais, fazem sentir-se de forma amplificada, fruto das políticas de desmantelamento do aparelho produtivo nacional e da ausência de uma política devidamente estruturada para o sector das atividades de I&D no sistema público.

A política de direita de sucessivos governos, elevada à categoria de verdadeiro desmantelamento do SCTN pelo presente Governo PSD/CDS, faz com que a gestão de meios humanos assente quase exclusivamente na utilização de bolseiros de investigação científica (para o desempenho das mais variadas tarefas no SCTN) e na contratação precária de trabalhadores.

No essencial, o financiamento, aliado à falta de estratégia e de uma visão política nacional, tem transformado o SCTN num agregado de instituições funcionando de forma desconexa e distante das necessidades do sector produtivo e das entidades que prestam serviços públicos. Ao invés de existir um Sistema, existe um conjunto de "ilhas". Num quadro perverso em que o Governo atua (sem critério transparente) no sentido de afundar umas e elevar outras.

De acordo com os elementos estatísticos oficiais mais recentes, constantes do Inquérito ao Potencial Científico e Tecnológico Nacional - IPCTN, referente a 31 de dezembro de 2012 (valores mais recentes de que se dispõe, divulgados em Setembro de 2014), a despesa pública com Investigação e Desenvolvimento (I&D) ascendeu nesse ano a cerca de 1170 milhões de euros, enquanto o número de investigadores em Equivalente a Tempo Integral (ETI) no sector público era, naquela data, de cerca de 30.600.

Assim a despesa per capita de investigador cifrou-se em média em cerca de 38,2 milhares de euros (se se incluir o sector das empresas este valor sobe para cerca de 54,6 mil euros).

O valor correspondente - despesa per capita de investigador ETI no sector público - na média da União Europeia a 28 atingia em 2012 cerca de 111 mil euros. Tendo em conta esta média, para financiar os 30 mil e 600 investigadores ETI, do sector público, o Estado deveria já no Orçamento de Estado para 2012 ter previsto uma despesa adicional de cerca de 3 mil e 400 milhões de euros. A penúria das instituições de I&D nacionais fica assim patente. A relação entre o número de investigadores e técnicos de investigação é um indicador importante para o diagnóstico e para a compreensão das capacidades do SCTN. Em 2012 havia no conjunto dos vários sectores do SCTN - Ensino superior, laboratórios do Estado, instituições privadas sem fins lucrativos e empresas que declararam atividades de I&D - 8,2 investigadores para 1 técnico (ETI). Na média da União a 28 esse rácio era de 1,7 para 1. No sector público a média era, no mesmo ano, de 2,4 para 1. Assim, mantendo os efetivos de pessoal investigador ETI contabilizado em 2012, o défice de pessoal técnico, relativamente aquela média da União a 28, era no sector público (em 2012), de cerca de 16 mil e 300 postos de trabalho de técnicos, o que representa em relação ao não muito distante ano de 2003 (em que o défice correspondente era de 9500 postos de trabalho) uma extraordinária degradação da situação, decorrente da praticamente inexistente contratação de pessoal técnico. Trata-se de postos de trabalho que seriam vitais para o progresso do país, que pelo contrário, vão sendo extintos ou não são preenchidos.

A melhoria das condições de trabalho e a dignificação das carreiras na área do trabalho científico são assumidas pelo PCP como metas indispensáveis para a dinamização do SCTN. Nunca será demais invocar as seguintes palavras: "as remunerações no sector público e as estruturas de carreira não são suscetíveis de atrair o pessoal qualificado que é exigido, quer em qualidade quer em quantidade" (citação do relatório do High Level Group on Human Resources for Science and Technology nomeado pela Comissão Europeia e presidido por José Mariano Gago, Bruxelas, 2 de Abril de 2004). Neste sentido, importa rever em alguns aspetos o atual Estatuto da Carreira de Investigação Científica, designadamente, no que toca a mecanismos de avaliação de desempenho, e sobretudo por forma a criar condições para que os atuais bolseiros de investigação sejam integrados no conjunto dos trabalhadores em funções públicas com os decorrentes direitos e regalias definidos em contratos que estipulem prazos e avaliações de desempenho consequentes e, naturalmente, respeitadores dos princípios da Carta Europeia do Investigador.

Simultaneamente, só com uma perspetiva e ação políticas mais amplas e mais estratégicas, poderão ser dignificadas e devidamente enquadradas, no justo patamar da sua importância, as Outras Atividades de Ciência e Tecnologia (OAC&T) de acordo com a nomenclatura contida no manual de Frascati, onde se encontram as atividades que não produzem necessariamente conhecimento novo, mas que são indispensáveis para a transferência e difusão desse conhecimento para o progresso do país.

Só com uma política para a Ciência e Tecnologia que parta das capacidades e do potencial científico e técnico existentes, mas que aspire a promovê-los e a articular as diversas dimensões das atividades de I&D com a indústria e as demais reais necessidades do país, será possível abrir caminho a um verdadeiro desenvolvimento integrado assente no Conhecimento e tendo como objetivo central a melhoria das condições de trabalho e de vida do povo português.

Nestes termos, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República os Deputados abaixo- assinados do Grupo Parlamentar do PCP, apresentam o seguinte Projeto de Resolução:

A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República Portuguesa, recomendar ao Governo que:

1. Até 2017, multiplique por 2 a despesa per capita de investigador ETI no sector público, o que implicaria, para igual número de investigadores, um esforço financeiro adicional de cerca de 400 milhões de euros por ano ou 1200 M€ por ano, daqui a três anos. O esforço financeiro adicional deverá ser anualmente atualizado na medida da evolução dos efetivos de pessoal investigador que se verificar.

2. Até 2017, crie condições objetivas para preencher pelo menos 8500 lugares de técnico nas instituições e grupos de investigação ativos no sector público, reduzindo assim o actual défice em cerca de 50%, a manter-se o número de investigadores ativos. Em anos futuros deverão ser criados os postos de trabalho que permitam colmatar o défice tendo em conta, também, o possível aumento do número de investigadores.

3. Defina um plano detalhado de prioridades de investigação nos vários sectores que interessam à economia e aos serviços, com ampla participação, incluindo de representantes da comunidade científica.

4. Revitalize o Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia e alargue as suas competências estatutárias.

5. Elabore de forma participada um Programa Mobilizador dos Laboratórios do Estado, tendo em conta a contribuição que os laboratórios devem poder dar para a satisfação das necessidades do país e - não apenas, mas também - os recursos humanos, de equipamentos e instalações, existentes nesse sector do Sistema Científico e Tecnológico Nacional (SCTN). O Programa deverá ter como linhas orientadoras a instituição de contratos-programa com financiamento plurianual assegurado; a efetiva autonomia de gestão dos envelopes orçamentais estabelecidos; a atribuição às instituições da capacidade de concessão de bolsas à margem da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), de acordo com as orientações genéricas do Programa e as suas próprias necessidades operacionais e disponibilidades financeiras.

6. Promova o reequilíbrio da distribuição da força de trabalho científico empregada no sector público, designadamente do pessoal investigador, tendo em conta o seu número atual e a sua evolução futura, bem como as necessidades e prioridades dos diferentes domínios de atividade de Investigação, Desenvolvimento e Inovação (I,D&I), mantendo as instituições de Ensino Superior ou a elas associadas como principal suporte da investigação livre, básica ou fundamental, e os laboratórios do Estado e outras instituições públicas com atividades de C&T como principal suporte da investigação aplicada, desenvolvimento experimental e inovação tecnológica, orientados para as necessidades dos serviços públicos e das empresas.

7. Adote um modelo de escolha e designação dos dirigentes dos laboratórios e instituições públicas de Investigação & Desenvolvimento (I&D), conforme com as linhas orientadoras definidas na RCM124/2006, de 3 de Outubro, e ainda não aplicado.

8. Faça dotar a FCT de pessoal qualificado permanente, abolindo o recurso ao trabalho precário de bolseiros-funcionários; revitalize os respetivos órgãos; garanta a transparência de gestão e a agilidade técnica dos processos concursais; assegure o conhecimento público, designadamente: das condições e prazos de lançamento dos concursos para o financiamento de projetos e bolsas; condições de atribuição dos financiamentos plurianuais atribuídos a laboratórios e centros de I&D; prazos de decisão reais relativos às candidaturas apresentadas; montantes globais disponíveis; e taxas de sucesso das candidaturas.

9. Garanta o pagamento atempado, a pessoas e instituições, dos subsídios aprovados e promova a apresentação semestral de balanços à Comissão Parlamentar competente para as questões de Ciência e Tecnologia, dando conta da evolução da situação financeira da Fundação e da execução dos seus programas.

10. Revalorize as competências dos Conselhos Científicos das instituições e unidades de I&D do sistema público, designadamente, no sentido da sua coresponsabilização na afetação dos recursos aos objetivos e programas da instituição bem como na aprovação de projetos ou de candidaturas a projetos, e na execução orçamental, traduzida na obrigatoriedade de parecer.

11. Reintroduza as categorias de Estagiário e Assistente de Investigação no Estatuto da Carreira de Investigação Científica como categorias de formação de futuro pessoal investigador sujeito a adequada avaliação com regras bem definidas; promova a criação de Carreiras Técnicas de Investigação, abertas a candidatos que possuam desde a escolaridade obrigatória até ao grau de doutor; promova a criação de uma Carreira de Operário Prototipista.

12. Crie um Fundo para a Inovação Tecnológica empresarial financiado pelas empresas na proporção de 1% do respetivo VAB acima de 5 milhões de euros de volume de negócios anual, com cogestão e cofinanciamento públicos.

13. Crie um Programa Nacional de parcerias para atividades de investigação aplicada e de inovação de produtos e processos a executar por Micro, Pequenas e Médias Empresas, mediante a negociação de contratos de projeto entre as empresas e instituições públicas de I&D, com metas e prazos definidos e financiamento público a fundo perdido.

14. Proceda ao levantamento e caracterização sistemáticos das atividades científicas e técnicas realizadas no País exteriores ao universo da I&D - as Outras Atividades de Ciência e Tecnologia (OAC&T), na nomenclatura do manual de Frascati - entidades que as executam, recursos humanos que lhes estão afetos e montante da correspondente despesa, e tome medidas para a inclusão destes dados em futuras operações de levantamento do Potencial Científico e Tecnológico Nacional.

Assembleia da República, em 5 de dezembro de 2014

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