Intervenção de

Medidas de protecção das uniões de facto<br />Intervenção de Odete Santos na Assembleia

Senhor Presidente Senhores Deputados:Discutimos hoje um tema de inegável importância do ponto de vista teórico e prático.Do ponto de vista prático, porque o que está em causa é a reparação de gritantes injustiças que têm causado inenarráveis sofrimentos. Sem que se possa justificar por qualquer forma, a negação de um regime jurídico que faça justiça a quem não adoptou o padrão de vida da maioria da população.A quem tem uma orientação sexual diferente e o comportamento sexual consonante.O que está hoje em causa é a aplicação do princípio da igualdade a situações idênticas, que a lei, em nome do princípio da universalidade da norma de direito, não pode tratar de formas diferentes.A sociedade é multi-facetada, os comportamentos humanos caracterizam-se pelas diferenças, e tais diferenças não podem justificar a construção de categorias culturais com regimes jurídicos diferentes.O que está no cerne da recusa do reconhecimento de direitos aos casais do mesmo sexo, é tão só o preconceito. Uma teoria essencialista sobre o comportamento humano, radicada num direito natural que não existe, na defesa de normas e padrões que se julgam imutáveis.Com preconceitos deste género confrontaram-se durante décadas as uniões de facto entre pessoas de sexo diferente, que só com o 25 de Abril, desde a reforma do direito de família em 1977, em legislação dispersa, e não apenas em 1999, como erradamente se diz, viram consagrados direitos em nome do princípio da igualdade.Mais difícil de vencer tem sido a discriminação que atinge os casais formados por pessoas do mesmo sexo.A progressão tem sido penosa, porque a marginalização daqueles seres humanos radica em preconceitos longínquos envolvidos muitas vezes na fé religiosa.A homossexualidade passou a ser um pecado com o Conselho Eclesiástico de Elvira no ano 309. Rapidamente, em nome do pecado, passou a ser um crime. Depois de ser retirada da categoria de crime, continuou a ser considerada uma doença mental. Retirada da lista das doenças mentais, resistem alguns, considerando a homossexualidade um comportamento moralmente incorrecto. A esta evolução correspondeu, na evolução do direito, a despenalização da homossexualidade, em nome da tolerância. Mas ainda aí se está a determinar uma área livre do direito penal em nome da tolerância, não em nome do reconhecimento do direito às diferenças. ÀS DIFERENÇAS E NÃO À DIFERENÇA, porque o melhor caminho para discriminar é construir uma diferença colectiva. O direito às diferenças individuais traduz-se no direito à indiferença por parte do Estado na construção das normas jurídicas, quando as diferenças não alterem a identidade das situações.Mas o que hoje se discute, não é um regime jurídico nascido da tolerância em relação à homossexualidade. Porque dessa forma estaríamos ainda a consagrar direitos tendo como padrão o outro. Neste caso, homens e mulheres heterossexuais, casados.O que hoje se discute é a necessidade de consagrar iguais direitos para situações idênticasSó nos casos em que mereçam consideração as diferenças, sem a intervenção de juízos de valor pessoais, para definir estatuto diferente, é que pode ser diferente o reconhecimento de direitos. Não existindo, nesse caso discriminação. É que a universalidade da norma não é ilimitada.Num colóquio recente realizado na Universidade de Paris Nanterre, sob o título " Homossexualidades e direito - da Tolerância social ao reconhecimento jurídico" Danièle Lochak na sua comunicação defendeu, em nome da universalidade da norma jurídica o reconhecimento de direitos ás uniões de facto homossexuais, abrindo no entanto uma excepção a tal universalidade sempre a situação fosse diferente. Concretamente , no caso do direito a adoptar, única excepção admitida na comunicação.E vale a pena transcrever as suas próprias palavras:"...quanto a nós a diferença de situação existe, ela reside nas consequências que a adopção teria sobre a criança, relativamente á qual a filiação seria estabelecida em relação a dois progenitores do mesmo sexo. Não se correm riscos, pretendendo manipular assim, sem mais precauções, as bases constitutivas da filiação, as estruturas elementares de parentesco, e para além disso, os recantos mais profundos da identidade?"O PCP entende, pois, que o regime jurídico dos casais hetero e homossexuais só deve ser diferente quando as situações são diferentes. E tal não acontece relativamente á maior parte da realidade sobre que queremos legislar.Por isso o PCP optou por apresentar um Projecto de lei para as uniões de facto hetero e homossexuais.Onde reproduzimos, com uma melhoria, o que consta da lei de 1999. A melhoria diz respeito à transmissão do direito ao arrendamento.A protecção ás uniões de facto hetero e homossexuais podia ter um quadro jurídico de maior reconhecimento de direitos. Contudo, a lei de 99 fixou um quadro com uma fasquia demasiado baixa que agora condiciona o quadro jurídico a adoptar.O PCP entende que todos os projectos de lei relativos à união de facto constituem um contributo precioso para legislar no sentido de pôr fim a discriminações graves existentes na sociedade.Existe ainda o Projecto de lei do Partido Socialista que se apresenta na linha da tolerância e não do reconhecimento de direitos. E é por isso que o projecto trata o assunto na óptica da economia comum. É por isso e não, como se tem dito, porque se quer defender a privacidade das pessoas.Se assim fosse, não existiria a consagração dos impedimentos do casamento como impeditiva da aplicação da lei. Que é que tem o Estado de saber, relativamente às pessoas em economia comum, se entre elas existem relações incestuosas ? O diploma é pouco menos que ininteligível.De facto, depois de enunciar que ficam excluídas da aplicação da lei as pessoas que por força da lei ou de negócio jurídico incorram em obrigação de prestação de alimentos, faz condicionar, por exemplo, o direito ás pensões por acidente de trabalho ( e então por que não por doença profissional) faz condicionar esse direito à titularidade do direito a alimentos.Depois o regime proposto é altamente discriminatório relativamente às pessoas que vivam em economia comum .Não se percebe porque é que uma pessoa notoriamente demente que viva com outra em economia comum não há-de ter direito, por exemplo, a ver garantido o seu direito à habitação, e os outros direitos da lei, sendo certo que se encontra numa situação que mais justifica o reconhecimento de direitos.E por que é que, vivendo em economia comum, por exemplo, um irmã e uma irmã, e um destes com 1 filho, há-de ser o filho- sobrinho do falecido, a ter os direitos consagrados na lei, como por exemplo, o direito à transmissão do arrendamento, e há-de ser negado esse direito ao irmão sobrevivo?Por que razão o irmão ou a irmã ficam com direito a faltar durante dois dias por morte do outro irmão ou irmã, e o sobrinho tem direito a faltar durante 5 dias? Por que razão os ascendentes só têm direito a pensão por acidente de trabalho se estiverem a ser alimentados pelo falecido, e os sobrinhos em relação à morte de tios e vice-versa, têm direito à pensão, sendo mesmo necessário que não estejam a receber pensão de alimentos.E já se pensou no que resultaria se fosse adoptada a redacção para a alínea f) do nº1 do artigo 85º do RAU?A economia comum para o RAU seria afinal a que consta do próprio RAU, ou a que consta do projecto?Enfim, um sem número de questões, que já deixam antever o quanto é difícil responder ao Presidente da ILGA, que censurando a iniciativa do Partido Socialista, pedia, no entanto, que se aprovasse um mal menor.Na decisão a tomar levaremos em conta este apelo. Pelo respeito que nos merecem os direitos dos que são vítimas de exclusões preconceituosas.Mas lá que é uma decisão difícil é. Por que é muito difícil dar luz verde a um diploma que exclui, que discrimina, que não respeita o princípio da igualdade. Que gera, ele próprio, a Injustiça

  • Assuntos e Sectores Sociais
  • Assembleia da República
  • Intervenções