Intervenção de Bernardino Soares na Assembleia de República

Medicamentos em unidose

Debate de actualidade sobre a dispensa de medicamentos em unidose

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
Esta questão da unidose deve ser encarada com toda a ponderação, pois não é a solução milagrosa que vai resolver todos os problemas do medicamento nem é uma impossibilidade absoluta, como alguns querem provar dizendo que há obstáculos técnicos que impedem a sua aplicação. Não é nem uma coisa nem outra; é um instrumento que pode ser útil, se bem usado, e que tem de ser usado em convergência com outras medidas na área do medicamento.
O que se passa com estes avanços e recuos do Governo é que a sua política em matéria de medicamento é a de ceder aos interesses dos grandes interessados no negócio do medicamento.
Cede à Associação Nacional das Farmácias, cede à indústria farmacêutica… e esta é mais uma das cedências!
Esta questão tem a ver com a política do Governo para este sector, a qual tem sido, basicamente, transferir para os utentes cada vez mais custos com a compra dos medicamentos, bem como não avançar com medidas que são essenciais para que esta área tenha uma racionalidade mais de acordo com as necessidades públicas.
Por exemplo, uma boa política do medicamento tem de assentar na prescrição por denominação comum internacional, de que, aliás, a unidose em parte também depende.
Uma boa política do medicamento tem de obrigar ao redimensionamento das embalagens, qual foi regulamentado pelo Infarmed em 2001 e nunca foi cumprido pela indústria farmacêutica. Aí, há responsabilidades muito sérias, designadamente do governo do PSD/CDS, que permitiu que a legislação de 2001 não fosse posta em prática e retrocedesse em favor da indústria farmacêutica, que não quer vender embalagens pequenas, só quer vender embalagens grandes.
Mas, depois, vemos que o actual Governo só toma medidas que nunca favorecem o interesse público.
Por exemplo, a medida, que se está a preparar, que permite dispensar nas farmácias de oficina os medicamentos que são de receituário restrito nos hospitais — os medicamentos para a sida e os medicamentos oncológicos. A Associação Nacional das Farmácias pede uma taxa de 6%, por cada medicamento, para fazer esse serviço. Ora, sabendo nós que o custo destes medicamentos foi em 2009, só na área da sida, de mais de 100 milhões de euros, já estamos a ver o belo negócio que aqui se está a preparar e que está incluído no «Compromisso com a Saúde» que o Governo negociou com a Associação Nacional das Farmácias.
No fundo, a política do Governo neste sector do medicamento pode resumir-se numa frase muito simples: todos ganham sempre, menos o utente que cada vez mais paga mais pelos seus medicamentos, tem menos comparticipações e que agora, com o anúncio da revisão das comparticipações que o Governo introduziu no Orçamento do Estado e no PEC, vai pagar ainda mais, porque a revisão é no sentido de diminuir as comparticipações e de transferir mais para os utentes o custo dos medicamentos.
(…)
Sr. Presidente,
Srs. Deputados,
Acho que já todos percebemos que é muito difícil para qualquer comum cidadão estar actualizado com o que o Governo defende nesta matéria, porque na segunda-feira era uma coisa, ontem já emendou a mão e é uma coisa um pouco diferente… Na prática, a orientação é a mesma, porque a prática é que conta.
Quero referir-me à intervenção do Sr. Ministro, porque o Sr. Ministro apresenta, por exemplo, como uma grande medida, um grande avanço, o facto de os pensionistas com pensões mais baixas terem 100% de comparticipação e, portanto, terem gratuitidade do medicamento, para todos os medicamentos que sejam os cinco mais baratos de cada princípio activo…!
Sabem o que é que isto quer dizer, Sr. Presidente e Srs. Deputados?! Quer dizer que, quando um médico receitar outro medicamento que não seja um dos cinco mais baratos de cada princípio activo, o pensionista das pensões mais baixas vai pagar a diferença, ao contrário do que hoje acontece!
Este é que é o «grande avanço» do Governo e este é que é o sentido da revisão das comparticipações!
Aquilo que o Sr. Ministro apresenta como um «grande avanço» é um extraordinário recuo!
É porque, como o Governo não quer impor, como devia, a prescrição pelo princípio activo, o que isto significa é que, como o utente não controla qual é o medicamento que o médico vai receitar, se ele receitar um dos cinco mais baratos, tem 100% de comparticipação; se o médico não receitar um dos cinco mais baratos, o utente paga, do seu bolso, a diferença — e esta é que é a política social do Governo…!
É claro que o Governo é capaz de poupar os 30 milhões de euros! Mas vai poupá-los, sobretudo, à custa dos pensionistas que vão passar a pagar mais do que pagam, agora, por estes mesmos medicamentos.
É um grande avanço que o Sr. Ministro aqui nos anunciou.
De resto, o Sr. Ministro fartou-se de falar numa série de medidas de um diploma que não viu, ainda, a luz do dia, mas que, certamente, vai vê-la rapidamente, para nós podermos também avaliá-lo e não ser só o Governo.
Mas uma coisa é certa: nada nestas medidas vai no sentido de diminuir as margens de lucro dos grandes interesses económicos neste sector e de poupar dinheiro também ao Estado. Poupar dinheiro ao Estado, sim, senhor, mas que essa poupança para o Estado não seja feita à custa dos utentes, sabendo nós que nos últimos anos aumentou em mais de 14% — e são dados do Infarmed — o custo dos medicamentos para os utentes, enquanto para o Estado diminuiu, mas não diminuíram os lucros das indústrias farmacêuticas e das farmácias em Portugal.

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