Intervenção de

Manuais escolares - Intervenção de Miguel Tiago na AR

Definição do regime de certificação e adopção dos manuais escolares garantindo a sua gratuitidade  

Sr. Presidente,
Srs. Deputados: Hoje discute-se uma matéria que reputamos da maior importância na garantia de um ensino de qualidade. Mas
é, ao contrário do discurso dominante, uma matéria também de especial
importância no que toca à gratuitidade do ensino, tal como é assegurado
no artigo 74.º da Constituição da República Portuguesa, onde se
inscreve que «todos têm direito ao ensino como garantia do direito à
igualdade de oportunidades e êxito escolar».Neste
enquadramento em que o Partido Comunista Português situa a importância
social e educativa da política dos manuais escolares e no seu
cruzamento inevitável com o papel do Estado, a quem incumbe «assegurar
o ensino básico universal, obrigatório e gratuito», o PCP propõe um
conjunto de medidas que vão ao encontro de dois planos essenciais de
necessidade. O
PCP age sobre a exigência da qualidade, a crescente exigência da
qualidade colocada regularmente por todos os agentes educativos,
professores e estudantes e por muitos agentes políticos — alguns dos
quais responsáveis pela sua própria degradação, pela política de
desresponsabilização do Estado a que têm vindo a dar corpo. Neste sentido, reconhecendo o manual escolar como um dos mais importantes meios capazes
de responder aos objectivos e finalidades programáticas de cada
disciplina ou área curricular, exige-se que se garantam as condições
necessárias e suficientes à sua qualidade. Por isso, propomos que os
estabelecimentos de ensino básico e secundário só possam adoptar
manuais escolares previamente certificados. O
PCP entende, no entanto, que a certificação de manuais escolares deve
contemplar a participação das escolas ao longo de todo o processo de
avaliação, certificação e posterior acompanhamento. Assim,
a certificação dos manuais escolares seria realizada por uma comissão
nacional de avaliação e certificação, nomeada pelo Ministério da
Educação e presidida por uma personalidade de reconhecido mérito
científico e pedagógico, designada de entre os seus membros. Essa
comissão integraria representantes das comunidades educativa e
científica e das organizações profissionais e científicas dos docentes.
Claro que, dada a diversidade das matérias em causa e a exigência de
requisitos de qualidade científica e pedagógica, propõe-se que essa
comissão possa funcionar através de subcomissões especializadas por
áreas disciplinares. De
novo, relevamos esta característica própria do projecto de lei do PCP:
o procedimento final de certificação conta com aprovação prévia das
escolas, formulada pelos docentes em documento específico que,
posteriormente, é enviado à comissão. Tem este projecto de lei também
em conta a necessidade de adequação e evolução atenta à dinâmica
técnica e científica, estabelecendo um prazo de quatro anos para a certificação e adopção pelas escolas. O
projecto de lei que o PCP apresenta garante, pois, a participação das
escolas durante a certificação e na avaliação posterior, durante o
próprio período de adopção do manual em causa, garantindo a
possibilidade de serem efectuados ajustes manifestamente necessários. O
projecto de lei garante também, como éóbvio,
que da decisão de não certificação de um manual caiba recurso para o
Ministério da Educação. Perante a possibilidade da ausência de
iniciativa editorial, o PCP propõe que caiba ao Estado assegurar a
elaboração, produção e distribuição de manuais escolares ou de outros
recursos pedagógicos. Ainda
no que toca à garantia da qualidade do ensino, duas áreas merecem
particular tratamento no nosso projecto de lei: a da iniciação à
escrita e a das necessidades educativas especiais. O
segundo e não menos importante plano de intervenção deste projecto de
lei é o da gratuitidade do ensino. A gratuitidade do ensino pressupõe
uma gratuitidade integral, a que inclui os transportes, as refeições e
o material escolar. É neste sentido que o PCP entende que é importante
garantir a gratuitidade dos manuais escolares, sem necessário recurso a
um sistema de empréstimos opcional, que possa evidenciar assimetrias numa espécie de caridade envergonhada. 

Entende
o PCP que a gratuitidade dos manuais se enquadra plenamente nos
instrumentos legislativos que ordenam o nosso sistema educativo. Negar
a gratuitidade dos manuais é negar parte do direito ao acesso ao ensino
em igualdade.

 Gratuitidade
ou não, dependerá exclusivamente da vontade política do Partido
Socialista, que está representado em maioria nesta Assembleia e que
sustenta um Governo por si apoiado. No
entanto, a julgar pela intervenção do Governo nesta matéria, que prevê
somente a certificação, o Partido Socialista contrariará novamente
aquilo que o próprio já defendeu, mas que já teve também oportunidade
de dizer e desdizer. O
esforço financeiro que é exigido às famílias portuguesas no início de
cada ano lectivo, por cada criança ou jovem nestes sistemas de ensino,
é, no entanto, de tal forma escandaloso que fala por si e que
politicamente denuncia o próprio facto de o Governo não garantir a
gratuitidade dos manuais escolares. O
investimento adicional que o Estado fará com a dispensa gratuita dos
materiais escolares será um grande contributo para o aumento da
qualificação dos portugueses que o próprio Governo tantas vezes agita
como bandeira e repercutir-se-á nos diferentes níveis da sua
intervenção social. Considerando os dados oficiais  isponíveis,
calculamos que o investimento necessário para garantir a gratuitidade
dos manuais a todos os estudantes da escolaridade obrigatória regular
se cifraria em 62 milhões de euros, ou seja, 2,1% do orçamento de
funcionamento do Ministério da Educação para 2006 no que se refere à
escolaridade obrigatória. Da
nossa parte, contem com os esforços políticos para o avanço da
qualidade do ensino e dos instrumentos pedagógicos, área para a qual,
aliás, o PCP entrega um valioso contributo com o seu projecto de lei,
garantindo mecanismos capazes de fazer prevalecer a qualidade e a
fidedignidade dos conteúdos, bem como a intervenção das escolas a par
de todo o procedimento. Mas contem também com o esforço do PCP na
batalha por uma educação pública gratuita e de qualidade, para a qual o
Estado cumpra o seu papel, garantindo a gratuitidade dos materiais e
dos manuais, como condição para a igualdade de oportunidades e de êxito
escolar. Os
nossos contributos de hoje não se esgotarão e participaremos na
preparação do melhor texto possível na discussão na especialidade,
recolhendo obviamente os contributos de todos.

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