Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-Geral do PCP, Mesa-redonda sobre o Ensino Superior

Mais uma agressão aos estudantes e ao Ensino Superior

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Antes de mais queremos agradecer a vossa presença nesta nossa iniciativa sobre juventude e ensino superior e, antecipadamente, o vosso contributo e reflexão, sustentados numa vivência pessoal muito próxima, quer dos jovens que frequentam este grau de ensino, quer dos problemas das próprias instituições.

Uma iniciativa que se justifica plenamente face à grave evolução da situação neste grau do ensino, em resultado da política e do conjunto de medidas tomadas pelo actual governo do PSD/CDS no quadro do Pacto de agressão que estes dois partidos da coligação governamental juntamente com o PS estabeleceram com o FMI e a União Europeia.

Estamos perante uma ofensiva que, seguindo as grandes linhas da política de direita de governos anteriores, está a agravar e ampliar todos os problemas com que se vinha debatendo este sector do ensino e a criar uma situação insustentável, quer para os estudantes e suas famílias, quer para a vida e normal funcionamento das instituições do ensino superior público.

São vastos os problemas que se têm vindo a colocar neste últimos tempos e que o nosso Partido tem vindo a chamar a atenção. Permitam-me para abrir o debate o afloramento de alguns que, como aliás prevíamos aquando da discussão do Orçamento do Estado para o presente ano: são eles, nomeadamente, os problemas do sub-financiamento e da desvalorização da escola pública, agora agravados com os brutais cortes previstos no orçamento da educação; o aumento dos custos do ensino, nomeadamente das propinas; os cortes no financiamento da Acção Social Escolar e os problemas do novo regime que têm conduzido ao crescente abandono do ensino superior pelos estudantes de menores posses, particularmente o corte nas bolsas; a degradação das condições de funcionamento das instituições, quer por carência de meios humanos, quer materiais, em resultado da política de asfixia financeira.

Neste momento todos nós acompanhamos com preocupação o abandono do ensino superior por milhares de estudantes.

Um balanço de há um mês atrás dava conta de cerca de seis mil abandonos, onde pesam as razões de dificuldades económicas, expostas e agravadas pelas medidas concretas que vêm sendo tomadas quer no sector da educação, quer no país.

Um problema que, em primeiro lugar, não pode ser desligado da crescente mercantilização da educação e da ofensiva mais global de mercantilização das funções sociais do Estado e das medidas de severa austeridade do Pacto de agressão que está a ser imposto aos portugueses e que tem graves reflexos nas suas condições de vida.

Este preocupante abandono é a confirmação de que as políticas de desresponsabilização sistemática do Estado face a esta sua importante função social vai conduzir a um inaceitável processo de elitização no acesso ao conhecimento.

De facto, a actual política de asfixia financeira do ensino, que está bem patente nos cortes previstos e em curso, que fará recuar em 2013 esse financiamento para os níveis do ano 2000, conduz não apenas à crescente degradação do sistema de ensino e da Escola Pública, como impõe igualmente a transferência de forma crescente dos custos do ensino para os estudantes e suas famílias e ao dificultar do acesso aos mais elevados graus de ensino das camadas sociais de menores recursos.

Uma realidade que se vem aprofundando com o denominado “Processo de Bolonha”. Com a opção, insidiosamente imposta, por um primeiro ciclo de formação com duração de três anos, à excepção de alguns poucos cursos, cada dia que passa mais se confirma esse afunilamento social no acesso.

Essa redução da generalidade dos cursos para três anos tem apenas como único objectivo empurrar milhares de estudantes para mestrados de dezenas de milhar de euros.

O valor das propinas que hoje custam 1000 euros no 1º ciclo – chamado de licenciatura – e que pode custar dezenas de milhar de euros no 2º ciclo – chamado de mestrado - está já a cumprir a função de principal meio de promoção de elitização do ensino.

Neste processo de elitização dos segundos ciclos é claro o objectivo de fazer corresponder às elites económicas as elites intelectuais.

Na verdade, os estudantes que não prosseguirem os estudos para um segundo ciclo, que serão aqueles com menor poder económico devido às propinas a “custos reais”, só terão acesso a conhecimentos científicos ou técnicos básicos, ou então muito focalizados, ficando para os outros, os que têm poder económico, o acesso à formação avançada e à cultura. As escolas estão a reproduzir à saída a estratificação social existente na sociedade portuguesa.

Uma situação que se agravará com a perspectiva de novos aumentos para o próximo ano lectivo e com a nova lei de financiamento que está na forja que se prevê será ainda mais gravosa e penalizadora dos estudantes, mas também com as alterações e os brutais cortes realizados na Acção Social Escolar que assumem uma dimensão cada vez mais alarmante.

Em relação a esta matéria, nomeadamente o continuado ataque às bolsas de estudo e a redução dos apoios indirectos estão a ter reflexos extremamente negativos neste processo de abandono do ensino superior.

Segundo notícias recentes, mais de 40 mil estudantes viram as suas candidaturas a uma bolsa de estudo recusada, estando ainda por apurar quantos viram o valor da sua bolsa reduzida e qual a dimensão definitiva no corte das bolsas.

Sabemos que no ano lectivo 2010/2011, com a nova legislação, cerca de 11 mil estudantes tinham perdido a bolsa e cerca de 12 000 foram confrontados com a redução do seu valor. Este ano todas as informações que nos chegam revelam que estamos perante mais passo nesta escalada da ofensiva contra os estudantes oriundos das classes e camadas populares, mas também de destruição do ensino superior público. Aliás, isso era previsível, desde o momento em que se soube que em 2012 o corte previsto no Orçamento de Estado era de 21% no Fundo de Acção Social e de 90 milhões de euros na acção social indirecta.

Se a situação se vinha agravando nos últimos anos com o aumento de mais de 70%, segundo o INE, das despesas das famílias com a educação, com o aumento verificado das propinas (o maior dos últimos 20 anos) a que se juntam o aumento do alojamento, alimentação e material escolar, cada vez mais caros e com cada vez mais reduzidos apoios da acção social indirecta, ela será hoje muito grave para muitos milhares de estudantes que vão ser forçados a abandonar o ensino por não poderem suportar os seus elevados custos.

Esta realidade não pode dissociar-se das políticas neoliberais que têm vindo a ser implementadas, num quadro mais geral de subordinação do poder político ao poder económico.

Na verdade, com esta política e com as soluções do Pacto de agressão que atacam severamente os rendimento do trabalho e o poder de compra das famílias com medidas, algumas brutais, como é caso do aumento dos transportes e o corte do desconto do passe escolar sub_23.

O corte no apoio ao passe sub_23 ocorrido em Fevereiro levou a um aumento real dos custos do passe de cada estudante em 50%. Além disso, o governo já anunciou que em Julho cortará por inteiro o apoio, fazendo-o depender dos "rendimentos dos pais de cada estudante". Ora isso, camaradas, mais não é do que dizer que entre Janeiro e Agosto deste ano, para a esmagadora maioria dos estudantes, o preço do passe quase que duplicará.
Este ataque que empurrará milhares de estudantes para fora do Ensino Superior tem sido fortemente combatido pelos estudantes. Expressão deste combate é a petição da JCP hoje entregue que reuniu mais de 10,000 assinaturas. É fundamental que esta luta continue e se reforce, integrando-se no quadro mais geral da luta pela escola pública.

Só poderemos esperar o pior a manter-se esta política, o Pacto de agressão contra o povo e o país, em cima desse rolo compressor que é o “processo de Bolonha”. Esse processo que cilindra os estudantes, mas que contribui igualmente para degradar e destruir o ensino superior como se vai constatando com as reformas problemáticas que está a induzir e que conduzirá à redução ainda mais acentuada dos seus recursos humanos (docentes, investigadores e funcionários) e do número de cursos autorizados (financiados ou não) e que vai colocar algumas escolas universitárias e muitos estabelecimentos politécnicos ao nível da sobrevivência apendicular.

Também o novo Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior, constitui em nossa opinião, um rude golpe na autonomia do Ensino Superior Público, porque abre os destinos deste nível de ensino aos desígnios e projectos do grande capital português e estrangeiro. A transformação das Instituições em fundações – entidades públicas de direito privado – constitui um passo de gigante no sentido da desvinculação entre essas instituições e o Estado.

Desde há muito que está claro que a estratégia da política de direita para o ensino superior, cuja matriz mergulhou bem fundo nas teses do neoliberalismo, tem como grande objectivo transformá-lo num instrumento ao serviço dos interesses do grande capital financeiro e industrial, adequando a formação dos trabalhadores à economia capitalista e às necessidades crescentes de consumo suscitadas pela sua dinâmica de acumulação de capital.

Uma estratégia que passa pela transferência para a chamada sociedade civil, com tendencial acento tónico em representantes do mercado, a responsabilidade de dirigir as escolas de ensino superior, medida que visa facilitar a progressiva privatização do Ensino Superior Público, não acautelando desta forma o papel estrutural que o Ensino Superior e a Investigação têm para o desenvolvimento do país.

Uma estratégia que tem já confirmação na vida das instituições com a crescente presença na gestão das universidades de representantes dos grandes grupos económicos e financeiros e no rumo privatizador que paulatinamente se põe em marcha com a privatização de cada vez mais serviços – bares, cantinas, residências, reprografias. Os mesmos que mergulham as empresas e a economia do país numa profunda crise.

O Estado não pode limitar-se a reconhecer o direito à educação, ao ensino e à igualdade de oportunidades na formação escolar.

Deve obrigar-se não só a eliminar obstáculos à sua realização mas, mais do que isso, a criar as condições que permitam na prática o acesso a todos.

Para o PCP, o Ensino Superior é um bem público que beneficia tanto o colectivo social como a pessoa indivíduo; o todo e as partes são agentes solidários no processo e no sistema educativo em que o Ensino Superior se insere. Como obrigação da sociedade para com a pessoa individual é um bem público a ser livremente acessível para todos os que mostrem capacidade e interesse de a ele aceder; não é um serviço transacionável para ser acessível apenas para os que tenham posses para o poder pagar.

Na opinião do PCP cabe ao Estado assegurar às Instituições condições de trabalho e financiamento favoráveis para a oferta universal e diversificada de ensino e a realização de investigação que lhes compete, no interesse geral do País.

Cabe ao Estado assegurar aos Estudantes essas oportunidades de aprendizagem e iniciação à investigação, o que significa garantir uma educação pública, gratuita e de qualidade para todos. Significa no ensino superior o fim das propinas. Neste sentido o PCP defende a revogação da actual Lei do Financiamento do Ensino Superior, onde os níveis de financiamento sejam adequados de forma a garantir um ensino e uma investigação de qualidade, possibilitando que estes se possam afirmar autónomos do poder político e independentes do poder económico, tal como exige uma adequada e reforçada política de Acção Social Escolar.

Em Portugal, os governos que elegeram o mercado como principal factor de desenvolvimento das sociedades e chamaram o aparelho escolar a melhor servir a competição económica capitalista, são os mesmos que condenam com a sua política económica ao serviço dos grandes grupos, o país ao atraso e ao declínio.

São os mesmos que, vinculando o país a um Pacto de subordinação aos interesses estrangeiros e da especulação, empurram o país com as suas políticas de austeridade recessiva que conduzem ao abandono dos seus sectores produtivos e de um projecto de desenvolvimento sustentado do país.

São os mesmos que, com a sua política. se mostram incapazes de colocar ao serviço do país, o saber e o conhecimento de milhares de jovens licenciados e doutorados que estão hoje condenados a emigrar ou trabalhar em condições precárias e fora das áreas da sua especialização.

O PCP luta por uma nova política patriótica e de esquerda que promova o desenvolvimento do país e um ensino que forme cidadãos responsáveis e cultos, dotados da capacidade de produzir riqueza social para todos, mas dotados também da capacidade de, em cada momento da sua vida, conscientemente intervir por uma sociedade que se deseja mais justa, sem qualquer tipo de descriminação.

Ao contrário do que tem sido a intervenção dos governos de política de direita neste sector, defendemos uma profunda reconfiguração do ensino público que habilite os jovens a criarem um país avançado, consciente, democrático.

Este é um combate que exige o reforço da luta dos estudantes e do nosso povo. Uma luta que se vem ampliando e que estamos certos dará frutos num futuro que queremos tornar cada vez mais próximo.

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