A Luísa não gosta da palavra homenagem dirigida a si própria.
Portanto, não estamos aqui para a homenagear, mas para conviver com ela, e ela connosco – num convívio à nossa maneira comunista: com grande fraternidade e amizade e com o nosso Partido e o nosso ideal comunista sempre presentes.
O que nos juntou hoje, aqui, no Auditório da Junta de Freguesia do Feijó, foi a vontade de, justamente, assinalar um percurso de «40 anos a cantar o povo e a liberdade».
Um percurso percorrido por uma pessoa com uma notável sensibilidade artística complementada com uma voz extraordinária, ambas aos serviço da mais nobre de todas as causas. Um percurso de coerência e dignidade, iniciado no tempo do fascismo e que percorreu o tempo novo da revolução de Abril, que prossegue neste tempo velho de contra-revolução, e que continuará por Abril de novo. Um percurso que o poder instalado tudo tem feito para silenciar, porque o incomoda haver quem cante o povo e a liberdade.
Sigamos, então, ainda que resumidamente, esse percurso – para recordarmos um pouco o seu tempo histórico; para melhor nos apercebermos do seu significado; e para melhor percebermos as razões que nos levaram a marcar este encontro, aqui, hoje.
Um convívio com a Luísa implica, naturalmente, a presença da memória do Alentejo e das lutas heróicas do povo alentejano ao longo dos tempos: lutas por melhores jornas e por melhores condições de trabalho, incorporando sempre a consigna «a terra a quem a trabalha» e tendo sempre presente o objectivo do derrubamento do fascismo; lutas que sempre tiveram o PCP a organizá-las e a dirigi-las e nas quais os militantes comunistas, profundamente identificados com os anseios e aspirações do povo, se assumiram sempre como vanguarda.
Por isso, o Alentejo era, naturalmente, um autêntico viveiro de quadros comunistas muitos dos quais iriam fazer parte do corpo de funcionários clandestinos do Partido.
Foi o caso dos camaradas José Pulquério e Ursúla Machado – operários agrícolas de Vale de Vargo, pais da Luísa – que em 1957 mergulharam na clandestinidade, ficando com a responsabilidade de assegurar o funcionamento de uma tipografia onde o Avante! era impresso – e levaram com eles a filha, então com 10 anos de idade.
Assegurar o funcionamento de uma tipografia clandestina era trabalho de grande responsabilidade e que comportava grandes riscos. As tipografias clandestinas eram um dos alvos mais cobiçados pela PIDE: porque era nelas que se imprimia o Avante! e as outras publicações do Partido; porque era delas que saíam os jornais, informando com verdade o que a imprensa fascista silenciava e falsificava; porque era delas que saíam as notícias sobre as lutas travadas em todo o País e que, chegando a todo o País, mostravam que a luta continuava, que valia a pena lutar, e que a luta era o caminho essencial para o derrubamento do fascismo – como hoje o é para provocar a ruptura com a política de direita e impor um novo rumo para Portugal.
Esse ano de 1957 foi um ano de muitas lutas em todo o Alentejo, nomeadamente no distrito de Beja, de onde os pais da Luísa e ela própria eram naturais.
Lendo exemplares do Avante! desses tempos - alguns deles provavelmente impressos na tipografia onde o casal e a filha habitavam - lá encontramos notícia de muitas dessas lutas: em Aldeia Nova de S. Bento, Baleizão, Brinches, Cuba, Minas de S. Domingos, Moura, Pias, Quintos, Serpa, Vale de Vargo… em todo o Alentejo da resistência ao fascismo assumida com uma coragem singular e com elevada consciência de classe.
É óbvio que viver numa casa clandestina, colocava exigências de defesa que não eram compatíveis com a existência, ali, de uma criança. E, como regra geral acontecia nestas circunstâncias, o Partido tratou da ida da Luísa para a União Soviética, no quadro da solidariedade sempre manifestada pelo PCUS para com os comunistas portugueses e para com a luta do povo português contra o fascismo.
Ali, na pátria do socialismo, ela tirou o seu curso de canto e música, que logo colocou ao serviço da luta do Partido – e cá nos chegou, em meados dos anos 60, um disco com várias canções de luta, entre elas o nosso Avante, Camarada.
Entretanto, por cá a luta continuava. Era a década de 60, tempo da reafirmação, pelo nosso Partido, da via do levantamento nacional para o derrubamento do fascismo; tempo de importantes, fortes e decisivas lutas; tempo do 1º de Maio de 1962 – o maior de sempre, até então, erguido pela classe operária portuguesa e pelo seu partido de vanguarda; tempo da histórica conquista das oito horas de trabalho nos campos do latifúndio, na sequência de lutas que, sob a direcção do PCP, envolveram centenas de milhares de trabalhadores; tempo das mais participadas lutas estudantis de sempre – enfim, tempo em que o camarada Álvaro Cunhal, sempre profundamente inserido no colectivo, traçava o Rumo a Vitória que viria a ter papel decisivo nas conclusões do VI Congresso do Partido, em 1965, no conteúdo do Programa para a Revolução Democrática e Nacional –Rumo à Vitória que viria a concretizar-se no 25 de Abril de 1974, com o derrubamento do governo fascista pelo glorioso MFA; com o povo nas ruas «a conquistar a liberdade, exercendo-a»; com o avanço imparável do processo revolucionário dirigido pelo movimento operário e popular; com as conquistas da Revolução erguidas a pulso: a reforma Agrária, as nacionalizações, o controlo operário; com a imediata melhoria substancial das condições de trabalho e de vida dos portugueses; com a democracia de Abril, a mais avançada democracia alguma vez existente no nosso País, a ser consagrada nessa outra grande conquista da Revolução que foi a Constituição da República Portuguesa, aprovada em 2 de Abril de 1976.
Ora, num tempo assim, os intelectuais, os poetas, os romancistas, os pintores e escultores, os artistas, os músicos, os cantores, não tinham mãos a medir: aos milhares, eles foram intervenientes directos no processo revolucionário, levando a sua arte, as suas obra, os seus espectáculos, os seus poemas, as suas canções a todo o País e, assim, dando o seu precioso contributo para o avanço do processo revolucionário em curso.
Em cima de tractores, eles cantaram a Reforma Agrária em construção; em cima de camionetas de caixa aberta, eles cantaram as nacionalizações; noutros palcos improvisados, eles cantaram as lutas dos trabalhadores; em todo o lado, para toda a gente e com toda a gente, eles cantaram a Revolução – eles cantaram, como diz a Luísa e como cantou a Luísa, «o povo e a liberdade», a luta, o futuro.
E cantaram, depois, a resistência à contra-revolução – nos campos do Alentejo e do Ribatejo; nas grandes empresas das cinturas industriais de Lisboa, de Setúbal, do Porto – a contra-revolução que, dirigida pelo PS em amigável aliança com o PSD, o CDS/PP e a reacção nacional e internacional, tudo fez para fechar as portas que Abril abriu.
E muitas fechou - infelizmente para Portugal e para o povo português, como a realidade actual nos mostra – mas porque dispunha de meios e apoios incomensuravelmente superiores, e não porque a classe operária, os trabalhadores e o povo tenham baixado os braços.
E de então para cá, a luta continua – com objectivos que são, na sua essência, os mesmos que motivaram a luta no tempo sinistro do fascismo ou no tempo luminoso da Revolução: a liberdade, a justiça social, a independência nacional, a paz e a amizade entre os povos, o socialismo.
E esta luta precisa, também, dos seus cantores – dos que, com as suas canções e com a sua arte, cantem «o povo e a liberdade» e juntem as suas às vozes dos trabalhadores e das populações e à luta que estes levam por diante nas empresas e locais de trabalho, nos locais de habitação, nos campos, nas escolas, em todo o lado onde os efeitos da política de direita se fazem sentir.
Uma luta de resistência e contra a política de direita, contra os PEC’s e o Orçamento de Estado de desastre nacional; contra o desemprego, a precariedade, a exploração, os cortes nos salários e nas pensões, os aumentos do custo de vida, a pobreza, a miséria e a fome; contra os lucros insultuosos dos grandes grupos económicos e financeiros; contra a entrega da independência e da soberania nacionais ao grande capital internacional.
Uma luta pela ruptura com esta política e por um novo rumo para o nosso País, inspirado nos ideais e nos valores de Abril.
Uma luta que actualmente assume expressão significativa na candidatura do camarada Francisco Lopes às presidenciais, a única entre as várias candidaturas que pode afirmar-se patriótica, de esquerda, de Abril, dos trabalhadores e do povo – e que, por isso, integra plenamente os objectivos da luta das massas trabalhadoras.
À Luísa Basto deixamos aqui o nosso abraço solidário e fraterno; a nossa admiração e a nossa camaradagem; porque poderia ter sido outro o seu percurso artístico, com outras opções políticas - mas não. Foi a opção de usar a canção como arma de libertação que deram e dão mais força à nossa luta e tornam mais forte o nosso Partido.