Intervenção de

Licenciados no desemprego - Intervenção de Miguel Tiago na AR

Divulgação obrigatória dos cursos, e respectivos estabelecimentos de ensino,  dos licenciados no desemprego

 

Senhor Presidente
Senhores Deputados

O Estado divulga mensalmente os dados do mercado de emprego apurados pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional e bem. O Instituto Nacional de Estatística projecta, trimestralmente, as informações referentes ao desemprego registado em Portugal, e bem.

É uma evidência que o desemprego entre licenciados, particularmente entre os jovens recém-licenciados atinge uma proporção grave, que coloca numa situação precária milhares de jovens que, vendo as suas justas perspectivas defraudadas, engrossam as fileiras do desemprego. O número de desempregados com habilitação superior ascende acima dos 40.000, número que tem apresentado um crescimento significativo.

O desemprego, afectando a população portuguesa numa escala crescente, ao contrário da propaganda do Governo, afecta particularmente os jovens, numa taxa que chega a representar o dobro do desemprego nacional.

O Partido Social-Democrata traz hoje à discussão um Projecto de Lei, numa desesperada tentativa de atribuir as culpas da escassez de emprego qualificado exclusivamente ao actual Governo, quando na verdade, o actual mais não faz senão intensificar as políticas do anterior, agravando as suas consequências. E é assim que o PSD nos propõe a adopção de um plano que vai ao encontro de medidas anunciadas pelo Governo do PS.

O Governo anunciou, pela voz do Sr. Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, nesta Assembleia e ainda ontem na Comunicação Social, a intenção de proceder exactamente da mesma forma: divulgar os cursos superiores e as instituições de onde provenham actuais diplomados no desemprego, como forma de informar e melhor conduzir os jovens para uma formação superior que promova a empregabilidade.

Mas o PSD quis apertar com o Governo e, na sua marcha vanguardista como quem quer mostrar trabalho feito, avançou. Infelizmente, avançado ou recuado no tempo perante o Governo, o PSD opta por fazer suas as piores políticas do PS. Estamos, portanto, perante uma proposta que, embora vindo do PSD, vai ao encontro da perspectiva do Governo e do PS.

Claro que, tanto PS, como PSD, conhecem bem as causas do desemprego e estão envolvidos na sua origem e, sabem tão bem um quanto o outro que os desequilíbrios hoje verificados na formação de quadros superiores do País se deve, essencialmente ao acumular de anos de más políticas de ingresso no Ensino Superior, de proliferação de currículos de formação desajustados da realidade e da limitação da entrada em determinados cursos, sobrelotando outros, porventura menos necessários para a saúde do nosso tecido empresarial e produtivo.

Um desequilíbrio provocado pelos responsáveis do Ensino Superior, pelos Governos, que optaram por uma política de numerus clausus e de desinvestimento no Ensino Superior, provocando limitações ao acesso e à frequência em muitos cursos, empurrando os Estudantes para outros.

Provocado pelas decisões pouco ponderadas de abertura de novos cursos sem olhar às necessidades do país, empurrando agora essa responsabilidade para as Instituições de Ensino Superior.

Um desequilíbrio provocado pela falta de formação de profissionais e de quadros superiores em diversas áreas, pelo desmantelamento aparelho produtivo, da investigação e de outros vectores essenciais para o desenvolvimento e para o emprego.

E como querem agora, PS e PSD, corrigir o desequilíbrio? O PS continua a anterior política de desinvestimento no Ensino Superior e aposta na destruição do sector produtivo, permitindo a diminuição acentuada de postos de trabalho, principalmente no que toca a trabalho com direitos e vínculos contratuais. O PSD apresenta esta sua iniciativa. Esta medida vai ao encontro daquilo que tanto tem defendido, é uma espécie de ranking do avesso. Ao invés de indicar as formas de adaptar os estabelecimentos de ensino às reais necessidades do país e de cuidar o tecido empresarial e produtivo português, o PSD propõe exactamente o contrário. O que o PSD propõe não é o aproveitamento e maximização do capital humano do país, mas sim o seu total ajustamento às regras do mercado de trabalho. Ou seja, para o PSD, deve ser o mercado de trabalho a condicionar e a ditar o rumo do país em matéria de formação de quadros superiores.

É uma visão de soberania nacional radicalmente diferente da do PCP.

O PSD entende que cabe aos estudantes inscreverem-se nos cursos de maior empregabilidade, bastando-lhes saberem quais as instituições que garantem futuro emprego, como quem se coloca sobre um tapete de uma linha de montagem. É deixar o mercado funcionar e esperar que a mão invisível venha intervir nas injustiças.

O que o PSD defende com este projecto de resolução é que exista um outro ranking das instituições de ensino superior, não um com base na sua qualidade, não com base na sua capacidade científica, mas tendo como base a absorção que o mercado de trabalho faz dos licenciados provenientes dessas instituições. É divulgar a lista das mortes anunciadas das instituições como se a elas coubesse a responsabilidade de dar resposta especialmente dedicada aos caprichos do mercado de trabalho.

O PCP considera que a divulgação obrigatória da listagem dos cursos e dos estabelecimentos de ensino de onde provêm os licenciados no desemprego pode apenas acentuar a degradação do Ensino Superior, intensificando as assimetrias que já hoje se verificam entre instituições, sejam públicas ou privadas. Consideramos que o Ensino Superior não é um mero estágio para o trabalho e que a escolha de acesso e frequência a um curso não deve ser simplesmente condicionada pelo acolhimento que essa formação tem no mercado de trabalho, e que a vocação, o gosto e a opção também devem ser factores importantes no acesso ao Ensino Superior. Mais que isso, entendemos que não cabe exclusivamente ao estudante a procura de um curso para garantir emprego, mas cabe também ao Estado intervir na regulação do mercado de trabalho e na criação de alternativas para o emprego.

O recém-licenciado não é responsável pelo desemprego por ter escolhido o curso errado. A instituição de ensino não é responsável pelo desemprego por leccionar cursos que o mercado de trabalho não acolhe.

Para o PSD, o ensino superior deve andar ao sabor das vontades do mercado. Hoje os jovens tiram todos os cursos superiores de gestão hoteleira e de turismo, para estarem prontos para a vaga hoteleira febril que o país sofre ainda que represente uma empregabilidade precária e sazonal. Um dia mais tarde se verá.

Para o PSD, o país precisa exactamente dos mesmos quadros superiores que o mercado de trabalho. O mercado de trabalho não acolhe filósofos, historiadores, geólogos, físicos, químicos, pintores, escultores e professores e ninguém pode dizer que deles o país não necessita quando o nosso défice cultural é acentuado, os nossos recursos geológicos estão ao abandono, a nossa indústria está aquém dos avanços tecnológicos de outros países e o insucesso escolar entre os jovens é flagrante e o maior da União Europeia. Afinal, esses quadros superiores são tão necessários para o desenvolvimento do país quanto quaisquer outros. Não são, no entanto, necessários a um mercado de trabalho exclusivamente dedicado à obtenção de lucro e a quem o desenvolvimento do país é totalmente alheio. Negamos a ideia de que devem ser os estudantes ou as instituições de ensino os responsáveis pela empregabilidade. Negamos a ideia de que o mercado de trabalho deve condicionar o Sistema de Ensino Superior e que o Estado, os Estudantes e os Jovens não exerçam qualquer poder sobre o mercado de trabalho.

Disse.

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