Intervenção de

Liberdade sindical dos trabaIlhadores da Administração Pública - Intervenção de Jorge Machado na AR

Alteração do Decreto-Lei n.º 84/99, de 19 de Março, relativo à liberdade sindical dos trabaIlhadores da Administração Pública

 

Sr. Presidente,
Sr. Ministro,

Reparamos que a sua consciência começa a «vir ao de cima» e a obrigá-lo a abordar um conjunto de questões que o preocupam e aos Deputados da bancada do Partido Socialista, quanto ao método usado neste processo legislativo.

Não podemos deixar de registar também o facto de o Sr. Ministro não estar devidamente acompanhado pelo seu colega responsável pela iniciativa legislativa.

Sr. Ministro, o processo legislativo desta proposta (proposta de lei n.º 145/X) é, no mínimo, insólito. De facto, esta iniciativa, que visa limitar o número de trabalhadores que acedem ao crédito de quatro dias por mês para a actividade sindical, não foi alvo de negociação entre os sindicatos e o Governo. Esta é uma matéria que deveria ser negociada. Assim o obriga a lei e o bom senso. Na verdade, impor aos sindicatos limites à sua actividade sem sequer os ouvir «não lembra ao diabo»!

Na verdade, este comportamento é revelador da atitude do Governo, cada vez mais autoritário, que usa e abusa da maioria parlamentar que tem para impor leituras enviesadas da lei.

Sabendo que o anterior decreto-lei foi negociado com os sindicatos, por que é que esta proposta, que causa alterações profundas no movimento sindical, não o foi?

Por muito que o afirme, não está aqui em causa a moralização e o combate aos abusos.

Se assim fosse, o Governo teria de ouvir os sindicatos, muitos dos quais combatem esses mesmos abusos e apresentam propostas concretas a este respeito.

Não! Na presente proposta o que está em causa é um ataque ilegítimo ao movimento sindical. O que o Sr. Ministro e o seu Governo querem é condicionar a actividade sindical dos que têm levantado a voz contra as políticas gravosas deste Executivo.

O Sr. Ministro acredita que pode haver liberdade sindical se não forem garantidas as condições para que os sindicatos a exerçam?

Não sei se V. Ex.ª está à vontade nesta matéria, mas importava esclarecer-nos sobre a alteração efectuada no n.º 4 do artigo 12.º. Aqui, a proposta estabelece um mecanismo de regulamentação que pode, através da negociação posterior, estabelecer outros critérios para a determinação dos trabalhadores que podem usufruir do crédito de horas. Sr. Ministro, este n.º 4 calca clara e deliberadamente a linha da não ingerência no movimento sindical. Vão o Sr. Ministro e o seu Governo privilegiar uns sindicatos em detrimento de outros? Em função de quê? Do seu comportamento nas mesas de negociações e da sua actividade reivindicativa?

(...)

Sr. Presidente,
Sr. Ministro,
Sr.as e Srs. Deputados:

A presente proposta vem alterar o Decreto-Lei n.º 84/99, que assegura a liberdade sindical dos trabalhadores da Administração Pública.

Um dos pressupostos da liberdade sindical é o de os trabalhadores serem ouvidos quanto às matérias que directamente lhes dizem respeito, o que nos leva a dizer que o Governo começou mal este processo legislativo. Entendeu, no alto da sua arrogância, que esta matéria não estava sujeita a negociação colectiva - e de nada vale afirmar uma suposta valorização por parte do Governo da acção do Parlamento, porque isso não substitui a negociação colectiva.

Assim, esta proposta de lei não teve negociação nem sequer foi alvo de discussão pública, o que levanta sérias dúvidas quanto à legalidade do processo legislativo.

Ora, a Lei n.º 23/98, que estabelece o regime de negociação colectiva, é bastante clara no seu artigo 6.°, alínea h), quando refere que são objecto de negociação colectiva as matérias relativas ao regime dos direitos de exercício colectivo, que é o caso.

Mas, mesmo que se entenda, erradamente, que o processo não obriga a negociação colectiva, a verdade é que o Governo não respeitou os n.os 12 e 13 do artigo 10.º da referida lei, uma vez que não cumpriu o prazo de 20 dias para a apreciação escrita dos projectos.

Assim, o Governo, numa matéria tão importante para os trabalhadores e o seu movimento sindical, entendeu, pura e simplesmente, desrespeitar a lei da negociação colectiva.

Este comportamento é revelador, por parte do Governo, da falta de respeito pela negociação colectiva e pelos sindicatos. Face a este comportamento do Governo e face aos legítimos pedidos dos sindicatos para serem recebidos pela Comissão de Trabalho e da solidariedade social e pela Comissão de Assuntos

Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, esta decidiu convocar alguns dos sindicatos ao abrigo da lei da negociação colectiva.

Importa referir que, além do embaraço que estas audições provocaram nos Srs. Deputados do Partido Socialista, elas em nada substituem o processo negocial que o Governo devia ter levado a cabo e a competente audição prévia que a Assembleia da República devia ter promovido, pelo que os vícios de que a presente proposta de lei enferma não foram sanados.

Sr. Presidente,
Sr. Ministro,
Sr.as e Srs. Deputados:

A proposta de lei altera o artigo 12.º e revoga o artigo 13.º e, desta forma, vem impor limites ao número de trabalhadores que podem aceder ao crédito de quatro dias mensais para a actividade sindical.

Com esta proposta, o Governo estipula que 1 por cada 200 trabalhadores sindicalizados tem direito ao referido crédito e, ao mesmo tempo, estipula como limite máximo 50 trabalhadores a quem pode ser dado esse crédito.

Ora, com um máximo de 50 trabalhadores a poderem usufruir desse direito, o mesmo é dizer que num sindicato com mais de 10 000 sindicalizados estes são claramente prejudicados, uma vez que a sua maior representatividade - e, consequentemente, maior actividade - não beneficia de créditos para a actividade sindical. Assim, poderemos ter a situação injusta de um sindicato com mais de 50 000 trabalhadores sindicalizados e outro com apenas 10 000 terem direito ao mesmo número de trabalhadores com créditos para a sua actividade sindical.

Esta proposta de lei não teve em conta as diferentes realidades do movimento sindical. Há sindicatos que têm uma abrangência nacional, pelo que 50 trabalhadores com créditos para a actividade sindical não chegam.

Por fim, o n.º 4 do artigo 12.º abre as portas à ingerência do Governo no movimento sindical. Mas a intenção do Governo não foi, nem é, a de melhorar as condições para o exercício da actividade sindical.

Também não é moralizar o uso desses créditos, nem combater abusos. A verdade objectiva é que o Governo pretende enfraquecer o movimento sindical.

Para perceber como o faz, basta pensar que um sindicato que tenha abrangência nacional, que abarca dezoito distritos e duas regiões autónomas, passa a contar com apenas 50 dirigentes, que é um número claramente insuficiente para o exercício da sua actividade sindical.

Esta proposta de lei é já a concretização de uma das propostas apresentadas no Relatório da Comissão do Livro Branco para as Relações Laborais, que afirma que há um excesso de dirigentes sindicais e apresenta a proposta de limitar o número de trabalhadores, membros da direcção dos sindicatos, que beneficiem de créditos de horas para a actividade sindical. A semelhança das propostas, torna bem claro que é intenção do Governo atacar todo o movimento sindical.

Se tivermos em conta que esta proposta de lei surge no contexto em que o Governo cria lista de grevistas, numa tentativa ilegítima de dissuadir os trabalhadores de exercerem um direito constitucional; se tivermos em conta as ameaças, os processos disciplinares e de crime promovidos contra quem se manifesta; se tivermos em conta que este Governo envia forças de segurança às uniões dos sindicatos para proceder à identificação dos manifestantes; se tivermos em conta que este Governo está a promover um clima de medo e de perseguição contra quem manifesta a sua opinião quanto a ele, chegamos à conclusão de que o Governo lida muito mal com a liberdade de expressão e com o direito à manifestação, e que tudo faz para silenciar aqueles que lhe são críticos.

Não basta afirmar que existe liberdade sindical se, depois, o Governo não só não cria, como objectivamente dificulta, as condições mínimas para o exercício dessa mesma liberdade.

Esta proposta de lei, ao atacar os sindicatos e a liberdade sindical, constitui um ataque à democracia.

Não vivemos num País democrático pelo simples facto de ir votar de quatro em quatro anos. A democracia é muito mais que isso e pressupõe, entre muitas outras coisas, o direito de os trabalhadores se organizarem e de terem as condições necessárias para promover a sua luta pela construção de uma sociedade mais justa.

O objectivo deste diploma é tentar fragilizar e silenciar os sindicatos. Mas, se o Governo julga que, com este ataque, consegue calar todos os sindicatos está redondamente enganado. A história do movimento sindical já deu provas suficientes de que nos momentos mais adversos, mesmo durante o regime fascista, quando imbuídos de um projecto de transformação da sociedade e estando associados às aspirações e esperanças dos trabalhadores, estes sindicatos souberam resistir e encontrar as respostas necessárias para os ataques de que eram alvo.

Com este Governo não vai ser diferente, Sr. Ministro!

 

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