Projecto de Lei N.º 535/XII/3.ª

Lei Tutelar Educativa

Lei Tutelar Educativa

(Primeira alteração à Lei n.º 166/99, de 14 de setembro)

Exposição de motivos
Aquando da discussão da Proposta de Lei n.º266/VII – Aprova a Lei Tutelar Educativa – a deputada do PCP Odete Santos elaborou o respetivo Relatório e Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
Nesse documento, era relevado o contributo do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público na discussão desta matéria, através da publicação «O direito de menores – Reforma ou revolução», coordenação de Joana Marques Vidal, in Cadernos da Revista do Ministério Público) na discussão desta matéria.
Na introdução da obra referida, são enunciadas questões muito pertinentes, e que passados quase 15 anos da aprovação da lei se mantém perfeitamente atuais:
a) Poderá considerar-se o direito de menores como um ramo de direito público, autónomo, distinto, do direito civil e do direito penal?
b) O projeto apresentado não implica considerar o direito de menores como um direito penal específico?
c) O projeto de alteração legislativa apresentado consubstanciará, ou não, um abaixamento da idade da imputabilidade penal, ainda que de forma mitigada? Sendo certo que um menor delinquente é frequentemente um menor em perigo, como articular as formas de intervenção judiciária por forma coerente?
d) A separação rígida ente o menor vítima e o menor agente não será uma ficção jurídica?
e) As medidas educativas previstas no projeto legislativo não conterão em si mesmas a finalidade de interiorização de valores sociais dominantes, que é muito mais abrangente do que a mera interiorização do dever ser jurídico?
f) As medidas de proteção, cuja legitimidade constitucional parece não ser posta em causa, não têm também uma finalidade de socialização?
g) E esta não pode ser considerada como uma interiorização (imposição) dos valores sociais dominantes?
h) Qual a responsabilidade da família perante a delinquência dos menores?
Em 1999, aquando da discussão da Proposta de Lei n.º 266/VII, que viria a dar origem à atual Lei Tutelar Educativa, o PCP afirmou de forma inequívoca as preocupações que tinha com o regime que era proposto.
Na altura, referimos que estávamos perante a criação de um «direito penal e processual penal dos pequeninos». Questionámos a adequação da parte geral do Código Penal e do Código de Processo Penal à justiça tutelar de menores. Referimos preocupações sobre a transformação do papel atribuído ao Ministério Público, que passava de curador a acusador.
Outra das preocupações do PCP radicava, e continua a radicar, na conceção profundamente autoritária e securitária deste regime tutelar educativo. Isto é, este regime ficciona que, “com as medidas adotadas, o menor será reeducado na base de uma maior responsabilização individual pela aquisição de valores da sociedade”.
Para além disto, condiciona o futuro da reinserção social do menor por interesses de prevenção geral e especial, a preocupações securitárias.

Este regime educativo tutelar não teve o objetivo de alterar o paradigma de intervenção sobre estes jovens, tendo na prática elaborado apenas uma adaptação do modelo penal e processual penal dos adultos aos menores.
No artigo 2.º da Constituição, define-se o “Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efetivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa”.
Uma das tarefas fundamentais do Estado, consagrada no artigo 9.º da Constituição, é a promoção do “bem-estar e da qualidade de vida do povo e a igualdade real entre os portugueses, bem como a efetivação dos direitos económicos, sociais, culturais e ambientais, mediante a transformação e modernização das estruturas económicas e sociais”.
Tal significa que a inclusão efetiva dos jovens na sociedade depende em grande medida do reconhecimento e concretização das funções sociais do Estado nas suas múltiplas dimensões, e em particular da importância da Escola Pública. Numa sociedade participativa e inclusiva, um dos objetivos da Escola Pública, no cumprimento do seu papel enquanto pilar do regime democrático é assegurar instrumentos efetivos de inclusão de todas as crianças e jovens.
Também a família, reconhecida pela lei fundamental “como elemento fundamental da sociedade” tem direito à proteção da sociedade e do Estado com vista “à efetivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros”.
Ora, também nestas matérias, da lei à vida vai uma realidade marcada pela negação de direitos fundamentais a milhares de famílias. Vivemos tempos de empobrecimento de largas camadas da população, de agudização da pobreza e da exclusão social, com impactos gravíssimos na sobrevivência das famílias, na articulação entre a vida profissional e o acompanhamento dos filhos.
O PCP sempre defendeu que a abordagem face a fenómenos de violência e criminalidade juvenil deveria responder a três dimensões integrantes: prevenção, intervenção, acompanhamento.
Importa referir que o PCP, nestas matérias, sem perder de vista o equilíbrio das medidas penais, entende fundamental visar sobretudo objetivos de prevenção e de reinserção social, atuando a montante e jusante do fenómeno criminógeno. Distanciamo-nos daqueles que pensam que reprimir é bom e é tudo, ou quase tudo.
A resposta para os problemas da criminalidade juvenil, da indisciplina e da violência deve ser necessariamente ampla e integrada, não podendo ser reduzida a nenhuma medida em particular. Aliás, só uma intervenção política que olhe às condições económicas, sociais e culturais na sociedade e aja também no interior de cada comunidade pode dar resposta, ainda que gradual, aos diversos problemas.
Sem prejuízo de uma revisão profunda da Lei, o PCP reconhece como importante a apresentação de propostas que possam assegurar uma dimensão mais inclusiva do acompanhamento destes jovens e de humanização do sistema. Neste âmbito propomos a criação de equipas multidisciplinares constituídas, designadamente, por médico, psicólogo, assistente social e autoridade policial que avaliem a eficácia e resultado da execução da medida e acompanhem a sua execução.

Assim, ao abrigo das disposições legais e regimentais aplicáveis o Grupo Parlamentar do PCP apresenta o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1.º
Alterações à Lei n.º 166/99, de 14 de setembro

São alterados os artigos 14.º, 46.º, 57.º, 78.º, 136.º, 150.º, 151.º, 161.º, 162.º e 195.º do Anexo da Lei n.º 169/99, de 14 de setembro - Lei Tutelar Educativa, que passam a ter a seguinte redação:

«Anexo
Artigo 14.º
[...]
1- (...)
2- A imposição de obrigações pode consistir na obrigação de o menor:
a) (...);
b) (...);
c (...);
d) (...);
e) Submeter-se a consultas periódicas de acompanhamento psicológico;
f) (anterior alínea e).
3- (...)
4- (…)
5- (...)

Artigo 46.º
[...]
1- (...).
2- (...).
3- (...).
4- O defensor é advogado.
5- (...)

Artigo 57.º
[...]
São medidas cautelares:
a) A entrega do menor aos pais, representante legal, pessoa que tenha a sua guarda de facto, incluindo para todos os efeitos da presente lei a família de acolhimento, ou outra pessoa idónea, com imposição de obrigações ao menor;
b) (...)
c) (...)

Artigo 78.º
[...]
1-O Ministério Público procede ao arquivamento liminar do inquérito quando, sendo o facto qualificado como crime punível com pena de prisão até três anos e perante a informação a que se refere o n.º 2 do artigo 73.º, se revelar desnecessária a aplicação de medida tutelar face à reduzida gravidade dos factos, à conduta anterior e posterior do menor e à sua inserção familiar, educativa e social.
2-(…)
3-(…)
4-(…)

Artigo 136.º
[...]
1- (...)
2- A medida tutelar é igualmente revista sempre que qualquer entidade ou instituição competente no acompanhamento do menor reporte a necessidade da sua revisão ou ajustamento.
3- (anterior n.º 2)

Artigo 150.º
[...]
1- (...).
2- Na definição de qual o centro educativo mais adequado para a execução da medida aplicada, os serviços de reinserção social tomam em conta as necessidades educativas do menor e a maior proximidade do centro relativamente à sua residência.
3- (…)
4- (...)
5- (...)

Artigo 151.º
[...]
1- Logo que recebida a informação sobre a data e hora da admissão no centro educativo, o tribunal notifica do facto o menor, os pais o representante legal ou quem tenha a sua guarda de facto, o defensor e a respetiva Comissão de Protecção de Crianças e Jovens.
2-(…)
3- (…)
4-(…)
5-(…)
6-(…)
7-(…)

Artigo 161.º
[...]

Conforme a sua idade, regime e duração do internamento, os menores internados participam em atividades de orientação vocacional e de formação profissional ou laboral, dentro ou fora do estabelecimento, de acordo com as necessidades especificamente previstas no projeto educativo pessoal.

Artigo 162.º
[...]
Cada centro educativo dispõe de projeto de intervenção educativo próprio que deve permitir a programação faseada e progressiva da intervenção, diferenciando os objetivos a realizar em cada fase e o respetivo sistema de reforços positivos e negativos, dentro dos limites fixados pelo regulamento geral e de harmonia com o regulamento interno.

Artigo 195.º
[...]
São aplicáveis por infrações leves as seguintes medidas disciplinares:
a) (...);
b) (...);
c) (...);
d) (...);
e) Eliminar

Artigo 2.º
Aditamento à Lei n.º 166/99, de 14 de setembro

São aditados o artigo 39.º A, o Título VII e o artigo 225.º à Lei n.º 166/99, de 14 de setembro com a seguinte redação:

«Artigo 39.º A
Assessoria

Sem prejuízo do apoio técnico dos serviços de reinserção social, à tomada de decisões judiciárias e à execução das medidas tutelares, deve funcionar junto do tribunal uma equipa multidisciplinar constituída, designadamente, por médico, psicólogo, assistente social e autoridade policial que avalie a eficácia e resultado da execução da medida e acompanhe a sua execução.

Título VII
Avaliação e monotorização

Artigo 225.º
Avaliação e monotorização

Sem prejuízo do previsto no artigo 209.º,anualmente é apresentado à Assembleia da República um Relatório do Ministério da Justiça que, após a devida recolha de informação junto de todas as entidades intervenientes, da aferição dos percursos seguidos pelos menores após o cumprimento das medidas cautelares, permita avaliar a eficácia da Lei Tutelar Educativa nos objetivos a que se propõe.»

Assembleia da República, em 21 de março de 2014

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