Intervenção de António Filipe na Assembleia de República

Lei de Programação das Infraestruturas Militares e Lei de Programação Militar

(propostas de lei n.os 269/XII/4.ª e 270/XII/4.ª)

Sr. Presidente,
Sr. Ministro,
Terei oportunidade de pronunciar-me, na minha intervenção, em nome do PCP, sobre a proposta de lei de programação militar, mas importa dizer, desde já, que, do nosso ponto de vista, esta não é uma lei de programação militar que se apresente.
Não é, não!
Inclusivamente, ontem à tarde, chegou aos grupos parlamentares um pacote vindo do Ministério da Defesa Nacional com as fichas dos programas constantes da lei de programação militar que deveriam ser objeto de votação na especialidade, como sempre foram, mas que não constam da proposta de lei. Aliás, nos termos da lei vigente e da proposta de lei que o Governo apresenta, cada programa e cada projeto deverá constar da lei de programação militar, mas não constam da proposta de lei. O que consta é um conjunto vago de capacidades que nada dizem relativamente ao que é fundamental a Assembleia decidir e que os portugueses tenham conhecimento.
Para além de outro aspeto: o de essas fichas dos programas trazerem a chancela de «confidencial». Não entendemos como é que a Assembleia da República pode apreciar, em sede de especialidade, programas que chegam à Assembleia com a chancela de «confidencial», como se os portugueses não tivessem o direito de saber e os Deputados não tivessem o dever de decidir sobre as opções estratégicas em matéria de reequipamento militar, que, evidentemente, são pagas pelos contribuintes portugueses.
Portanto, Sr. Ministro, esta não é uma proposta de lei de programação militar que se apresente.
Porém, há questões concretas às quais o Sr. Ministro não pode deixar de responder.
Queremos saber, muito claramente, o que é feito dos navios de patrulha oceânicos, os NPO, porque o cancelamento do programa dos NPO foi feito por este Governo para destruir os Estaleiros Navais de Viana do Castelo enquanto empresa pública.
Uma das razões da invocada inviabilidade dos Estaleiros Navais foi a do cancelamento desta encomenda por este Governo, por V. Ex.ª, que o assumiu aqui, e agora, depois de terem sido entregues as infraestruturas dos Estaleiros à Martifer, o Sr. Ministro vem aqui anunciar que, afinal, sempre querem os navios de patrulha oceânicos.
Queremos saber exatamente o que é que o Governo pretende. Queremos saber se, afinal, o cancelamento da encomenda foi só para destruir os Estaleiros Navais de Viana e se o Governo quer ou não avançar com os navios de patrulha oceânicos, que são fundamentais para a vigilância das costas portuguesas.
Queremos saber também se a intenção do Governo é ou não a de avançar com o navio polivalente logístico (NPL) para a Marinha e se vai avançar ou não a aquisição dos aviões KC-390, em substituição dos Hércules C-130.
Era importante que o Governo se definisse sobre estas questões, que o Governo nos dissesse ao que vem, porque, efetivamente, da proposta de lei de programação militar consta «zero» relativamente a questões concretas que temos o direito de saber.
(…)
Sr.ª Presidente,
Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados:
O Governo apresentou, finalmente, uma proposta de lei de revisão da Lei de Programação Militar (LPM).
A LPM devia ter sido revista em 2009, mas não foi. Dirão que a responsabilidade foi do Governo anterior, e é verdade que sim, mas, não tendo sido revista em 2009, devia ter sido revista em 2010 e também não foi. E o atual Governo deveria ter promovido a revisão da LPM em 2012, e não o fez, ou em 2014, mas também não o fez.
A LPM, que é uma lei de valor reforçado e que, nos seus próprios termos, deveria ser revista nos anos pares, vai ser revista, afinal, num ano ímpar e com seis anos de atraso.
Mas será que a LPM de 2006 nunca foi revista? É evidente que foi! Não foi revista nos termos da Constituição e da lei, mas foi sempre revista à revelia das suas próprias disposições, através de cativações nos Orçamentos do Estado, através de decisões avulsas tomadas pelo Governo, que executa muito, executa pouco ou não executa nada, que elimina uns programas e cria outros, que faz o que muito bem entende, como se, pura e simplesmente, não existisse uma Lei de Programação Militar.
Porém, este processo de revisão da LPM nasce torto, nasce mesmo muito torto. O Governo apresenta à Assembleia da República uma proposta de lei que é pouco mais do que um papel em branco. Pode ler-se no artigo 14.º da proposta de lei que a proposta de lei de revisão da LPM deve conter fichas de capacidades e projetos com a descrição e justificação adequadas, bem como o respetivo planeamento detalhado. E, na verdade, sempre que a LPM foi revista nos termos da lei assim foi. Em 2006, votámos, na especialidade, em Plenário, todos e cada um dos programas.
Pois bem, as fichas de projetos a submeter a esta Assembleia chegaram ontem aos grupos parlamentares com a chancela de «confidencialidade». Não se acredita! Os programas da LPM não podem ser confidenciais.
As fichas de capacidades e projetos, com a descrição e a justificação adequadas, bem como o respetivo planeamento detalhado devem constar da proposta de lei e os projetos devem ser votados na especialidade, um por um, como sempre foram.
O que o Governo faz constar da proposta de lei é uma enumeração de capacidades sem correspondência em programas concretos. Nada adianta a esta Assembleia apreciar uma enumeração de capacidades. O que esta Assembleia tem o direito de decidir e os portugueses têm o direito de saber é se o Governo se propõe renovar os aviões C-130 ou adquirir aviões KC-390 e quais os custos destas opções.
A Assembleia tem o direito de decidir e os portugueses têm o direito de saber que navios vão ser adquiridos para a Marinha Portuguesa, se são os NPO (navios-patrulha oceânicos), se são navios patrulha dinamarqueses, se é um polivalente logístico ou se são mais submarinos.
Os portugueses têm o direito de saber. Os programas e os projetos de lei de programação militar não podem ser confidenciais.
Estamos a falar de milhares de milhões de euros que os portugueses pagam pelos seus impostos. Estamos a falar de opções estratégicas para o equipamento das Forças Armadas portuguesas. Estamos a falar da revisão de uma lei, cuja aplicação foi envolta em processos nebulosos com consequências gravíssimas para a credibilidade do Estado e para o bolso dos portugueses.
Foi no âmbito da LPM que foram feitos os célebres contratos de contrapartidas, nunca cumpridas, no valor de milhares de milhões de euros; que foram feitos contratos de aquisição de helicópteros sem cuidar de garantir a sua manutenção; que foram feitos contratos de aquisição de blindados de rodas que ficaram por entregar; que foram garantidos avultados proventos à Escom, à família Espírito Santo e a personagens mistério.
A Lei de Programação Militar deveria ser levada muito a sério.
Estamos a falar de um grande volume de recursos públicos, cuja utilização tem de ser muito bem entendida pelos portugueses.
Na definição e na execução dos investimentos destinados ao equipamento das Forças Armadas tem de haver uma definição muito criteriosa de prioridades, tem de haver rigor, tem de haver transparência.
Os portugueses que pagam estes investimentos com os seus sacrifícios têm de entender a sua importância e saber exatamente o que estão a pagar e não podem aceitar que a Assembleia da República assine cheques em branco de milhares de milhões de euros aos Governos para que estes façam e desfaçam os contratos que entenderem ao abrigo de cláusulas sigilosas, ao sabor de critérios mal explicados e ao serviço de interesses estranhos à boa gestão dos recursos públicos.
Esta proposta de lei de revisão da LPM, para além do seu caráter inaceitavelmente vago, contém a sua própria negação. Se não, vejamos: a LPM fixa as capacidades e as respetivas dotações orçamentais e determina que as leias que aprovam os Orçamentos do Estado contemplem anualmente as dotações necessárias para a sua execução, mas, depois, permite que o Governo proceda a alterações orçamentais entre capítulos, transfira dotações entre as diversas capacidades e projetos, crie novas capacidades e projetos. Ou seja, a LPM existe, mas o Governo faz o que quer.
Mais, consta do artigo 10.º da proposta de lei que as dotações da LPM estão excluídas de cativações orçamentais, mas, sem prejuízo da lei que aprova o Orçamento do Estado, quando toda a gente sabe que é precisamente a lei do Orçamento do Estado que define as cativações.
Mais ainda, segundo o artigo 17.º, a lei que vai ser aprovada não se aplica aos programas em curso até à sua completa execução, ou seja, é a lei que está em vigor e que o Governo se propõe revogar expressamente que vai continuar a aplicar-se a todos os programas existentes, incluindo os programas que não estejam nela contemplados. Lê-se e nem se acredita.
Isto significa que a lei de 2006 é revista e revogada, mas a lei que se aplica é a lei que é revogada e aplica-se aos programas que prevê e aos programas que não prevê. Estranha revisão esta da LPM.
Quanto à Lei de Programação das Infraestruturas Militares há muito pouco a dizer. A execução da lei tem sido quase inexpressiva e feita essencialmente à custa de um número muito reduzido de imóveis vendidos ao próprio Estado ou a entidades públicas.
A proposta de lei, porém, prevê alienações de valor superior a 92 milhões de euros para os próximos quatro anos e de mais 80 milhões para os quatro anos seguintes. Que alienações serão essas? Ninguém sabe, mas se o papel aguenta tudo, o Diário da República, que é eletrónico, ainda aguenta mais.

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