Intervenção de

Lei de Programação Militar - Intervenção de António Filipe na AR

Alteração  da Lei de Programação Militar

 

Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados:

«A Lei de Programação Militar que agora vem proposta não difere muito substancialmente da anterior. Mantém-se o modelo de financiamento, baseado no leasing, que vinha do Governo anterior, apesar de mitigado. Mantêmse no essencial, as opções tomadas pelo Governo anterior, que privilegiam as prioridades de investimento não tanto em função das necessidades das Forças Armadas para a prossecução do interesse nacional, mas fundamentalmente, em função das necessidades de integração desses equipamentos em missões e em forças da NATO».

O que acabei de dizer podia ter sido escrito para ser dito neste debate, a propósito da revisão da Lei de Programação Militar que está em debate. Mas não foi. O que acabei de dizer foi dito aqui, nesta mesma Sala, em nome do PCP, em 5 de Março de 2003, a propósito da revisão da Lei de Programação Militar proposta pelo então ministro Paulo Portas.

Na verdade, a sua proposta não diferia muito da anterior, que havia sido apresentada pelo ministro Castro Caldas, em 2001, em nome do governo Partido Socialista, dado que mantinha o modelo de financiamento, embora mitigado, e mantinha as opções fundamentais.

Podemos, portanto, dizer que a proposta que está hoje em debate é, de certa forma, um regresso às origens.

As semelhanças fundamentais entre a versão de 2001 e a de 2003 projectam-se perfeitamente nesta versão proposta em 2006.

A nossa discordância em relação à Lei de Programação Militar não deve ser entendida como uma discordância quanto ao objectivo de reequipar as Forças Armadas  ortuguesas. Compartilhamos esse objectivo.

Reconhecemos a sua necessidade. A nossa discordância tem que ver com opções, com prioridades e com modelos de financiamento. Não está em causa a necessidade de reequipar as Forças Armadas, conferindo-lhes capacidade para desempenhar com dignidade as suas funções. O PCP tem o maior apreço pelas Forças Armadas portuguesas, reconhece as suas justas razões de queixa em matéria de quipamentos em diversas áreas e alguns dos programas constantes da Lei de Programação Militar contam com a nossa concordância, uma vez que consideramos que são de interesse nacional, correspondem a reais necessidades das Forças Armadas e em alguns casos só pecam pela demora quanto à sua concretização.

A Lei de Programação Militar deve ser um exercício sério de definição do nível de prioridade que assume a componente militar de defesa nacional, nomeadamente quanto às opções, aos volumes financeiros envolvidos e à forma de os conseguir.

Mas não é o que tem acontecido.

Primeiro, porque, em relação às prioridades, as opções constantes das leis de programação militar relevam mais das exigências da NATO e da Força de Reacção Rápida da União Europeia do que do interesse nacional, para além de não ter sido implementada a necessária reorganização operacional e a racionalização do dispositivo militar.

Segundo, porque as leis de programação militar envolvem níveis financeiros incomportáveis, sem fundamentar aquilo que é necessário para a defesa do interesse nacional e quais as melhores opções para esse efeito, único critério que pode levar o povo português a compreender o alto volume de gastos previstos.

No caso desta proposta de lei, ela aponta para uma racionalização da despesa resultante da exigência de restrições orçamentais, ao contrário da proposta de lei apresentada pelo governo Partido Socialista em 2001.

Denunciámos, nessa altura, em 2001, que a Lei de Programação Militar então apresentada, com o «altíssimo valor de 215 milhões de contos para seis anos, com a previsão de mais 263 milhões de contos para os seis anos seguintes», não estava a ter em conta a realidade económico-financeira do País nem correspondia a uma visão estratégica realista para Portugal. Denunciámos, na altura, o modelo de financiamento que iria comprometer gerações de portugueses e retirar capacidade de manobra a Portugal face àquela que fosse, num momento dado, a análise da situação e das necessidades.

Perguntar-se-á se Partido Socialista não sabia na altura qual iria ser o resultado. É evidente que sim, que sabia. Sabia que os gastos para o presente sexénio iriam recair mais fortemente nos anos de 2005 e 2006 e que sobrariam para o governo seguinte, seguindo a velha máxima de «quem vier atrás que feche a porta».

O que os socialistas não sabiam na altura é que o ciclo eleitoral ainda lhes iria trocar as voltas e a «bomba» acabaria por lhe «rebentar nas mãos», como está evidentemente a acontecer.

Mas não haverá lugar para preocupações porque, mantendo a tradição, o Governo já se encarregou de dilatar no tempo a gestão de alguns programas, aprazando para 2009 e seguintes os investimentos mais avultados e, portanto, «passando a bola» para outro governo e para outro ministro.

Aliás, o Governo introduziu na Lei de Programação Militar mais uma habilidade, sob a forma de norma transitória, segundo a qual «a revisão da presente lei deve ocorrer no ano de 2009, produzindo os seus efeitos a partir de 2010», contrariando o estabelecido no artigo 15.º, segundo o qual «a presente lei é ordinariamente revista nos anos pares» — leia-se 2008. Portanto, com esta norma transitória, a revisão vai ser atirada para a frente, para produzir efeitos depois das próximas eleições legislativas.

A proposta de lei de programação militar que o Governo apresentou inclui duas propostas que consideramos positivas e que queremos salientar: a alienação de 12 aviões F16 e a criação da chamada Força Conjunta de Helicópteros, que permitirá uma gestão centralizada da frota de helicópteros e a introdução de factores de racionalidade económica na sua aquisição, manutenção e emprego.

Quanto à alienação de aviões F16, ela vem confirmar e fundamentar as nossas críticas, de há cerca de cinco anos, à aquisição de uma segunda esquadra de F16 encaixotados, com a previsão final de custos de, aproximadamente, 60 milhões de contos, que poderá ter servido alguns interesses, mas seguramente não serviu o interesse nacional.

Não vale a pena o Sr. Ministro da Defesa argumentar com a evolução da situação internacional, porque a razão desta venda agora não tem que ver fundamentalmente com isso, tem que ver com o facto de esse negócio ter sido um mau negócio e que na altura já era mais que previsível a falta de meios financeiros para o desenvolvimento e a manutenção de uma segunda esquadra, se alguma vez chegasse a ficar operacional, quando já eram mais do que conhecidas as dificuldades financeiras para assegurar a manutenção plena apenas de uma esquadra e para assegurar a formação dos respectivos pilotos.

Noutro plano, continua a preocupar-nos a forma lenta e desacertada como prossegue a concretização do programa de construção dos patrulhões. A verdade é que não se tem visto suficiente determinação e empenhamento para assegurar um avanço que consideraríamos prioritário deste programa.

A verdade é que não se compreende que, havendo constrangimentos financeiros, não se aplique na concretização deste programa maior investimento e um maior ritmo de concretização.

Este é um programa que está a decorrer a «conta-gotas» — na encomenda dos 10 patrulhões estão neste momento apenas os primeiros dois a serem construídos e já com um atraso significativo — e se há programa que as necessidades nacionais reclamam, o dos patrulhões, para nós, está seguramente em primeiro lugar.

De novo, questionamos o modelo de financiamento e a opção pelo leasing, que fará com que cerca de 18% do total do investimento seja para pagar juros à banca, engordando, uma vez mais, o capital financeiro à custa do erário público.

Por fim, uma palavra para as Oficinas Gerais de Material Aeronáutico (OGMA) e o projecto de desenvolvimento da nossa indústria aeronáutica. Neste projecto, o Governo traça um vasto conjunto de tarefas a concretizar por esta empresa; no entanto, vale a pena deixar uma palavra relativamente aos seus trabalhadores, à sua formação e ao seu recrutamento. É que, para nós, não haverá consolidação das OGMA sem uma alteração da actual política de pessoal, que tem assentado em recrutamento à tarefa, inclusivamente no estrangeiro, para uma situação de um quadro de pessoal estável e capaz e que seja, também, uma referência desta importante empresa aeronáutica.

Como resulta desta intervenção, o PCP irá manter o sentido de voto que teve em 2001 e também em 2003, porque entendemos que esta proposta de lei de alteração da Lei de Programação Militar não altera o fundamental das respectivas opções.

Obviamente que, na especialidade, não deixaremos de ter em consideração os passos que entendemos adequados e que, aliás, vêm ao encontro do que tínhamos vindo a propor. Portanto, estamos inteiramente disponíveis para essa discussão na especialidade, sendo certo que, relativamente às opções fundamentais e ao nosso sentido de voto na generalidade, será contra, em coerência com as posições que manifestámos em 2001 e em 2003 e que se mantêm válidas em 2006.

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