Intervenção de Miguel Tiago na Assembleia de República

Lei de bases gerais da política pública de solos, de ordenamento do território e de urbanismo

Aprova a lei de bases gerais da política pública de solos, de ordenamento do território e de urbanismo, que foi aprovada
(proposta de lei n.º 183/XII/3.ª)
Regime de uso e transformação do solo
(projeto de lei n.º 469/XII/3.ª)
Segunda alteração à lei de bases da política de ordenamento do território e de urbanismo (Lei n.º 48/98, de 11 de agosto)
(projeto de lei n.º 470/XII/3.ª)

Sr.ª Presidente,
Sr. Ministro do Ambiente,
Da leitura que o PCP faz desta proposta de lei, e apesar das virtudes que o Sr. Ministro lhe atribui, resulta apenas uma sistematização e uma certa simplificação de legislação mais complexa e mais dispersa. Em relação a outras virtudes anunciadas ou encontramos o contrário ou temos muita dificuldade em identificá-las.
Nesta minha pequena intervenção, sob a forma de pedido de esclarecimento, destacarei apenas duas. Em primeiro lugar, a não resolução dos principais problemas com que nos confrontamos no âmbito da gestão dos solos, designadamente aqueles que o próprio Ministro identifica como originados na especulação imobiliária, na atividade desenfreada do mercado acima do bem-estar comum.
Portanto, Sr. Ministro, a primeira questão que lhe coloco é a seguinte: qual é, objetivamente, o mecanismo que, nesta lei, vem introduzir essa disciplina? É que o Sr. Ministro disse que acabou o tempo da construção desenfreada. Talvez tenha acabado o tempo da construção desenfreada nas periferias, mas esta lei cria os mecanismos para que a grande banca, os grandes fundos de investimento também se apropriem dos centros das cidades, até agora ainda, em parte, nas mãos de pequenos e médios proprietários.
Se assim não for, como é que se entende esta venda compulsiva prevista nesta proposta de lei?
E o que é uma venda forçada? É que, para haver uma venda forçada, tem de haver uma compra forçada ou, então, se ninguém comprar não há venda nenhuma. Na verdade, o que isto significa é que o Sr. Ministro entende que quem não tem dinheiro para manter os edifícios deve vendê-los a quem tem dinheiro para os capitalizar. Ora, isso significa, objetivamente, uma migração da propriedade do pequeno proprietário para os grandes fundos de investimento. E quando os grandes fundos de investimento entenderem que a propriedade está melhor abandonada, porque lhe convém mais, uma vez que mantém a especulação a alimentar o seu lucro, não há mecanismo algum que a tire das mãos dos fundos de investimento imobiliário, porque um fundo imobiliário não vai conseguir vender a não ser a outro fundo imobiliário.
Sr. Ministro, sobre aquilo que nos disse em relação à compensação das populações por viverem nas áreas protegidas, essa é uma preocupação que, desde há muito, o Partido Comunista Português tem vindo a colocar nesta Assembleia. As populações que habitam nas áreas protegidas não podem ser penalizadas por habitar em áreas onde é necessário proteger um bem, um património cultural ou ambiental.
Mas, Sr. Ministro, esta lei pouco diz sobre isso, a não ser que existe uma compensação. E, infelizmente, esse tem sido o pretexto para os grandes investimentos, nomeadamente os resorts de luxo, justificarem a apropriação de grandes parcelas dessas reservas e desses parques naturais, dizendo que a ida para aí do resort de luxo ou do grande condomínio vai compensar as populações, quando, na verdade, se espoliam as populações de mais aquela parcela de terreno. E, no entanto, continuam a ser proibidas, sem razão, práticas ancestrais e tradicionais das populações nestas áreas protegidas.
Quando diz que é preciso compensar, é através de quê? Através de mais investimento público? De mais centros de saúde? De mais hospitais? De mais escolas? De mais acessibilidades? Ou está a referir-se aos grandes resorts e à facilitação dos grandes empreendimentos?
São dúvidas que nos ficam, mas as certezas vão quase sempre, infelizmente, para a segunda tendência.

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