Intervenção de

Lei de Bases do Desporto<br />Intervenção de Bruno Dias

Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados, Senhores Membros do Governo,De há uns anos a esta parte, de cada vez que se discute o sistema desportivo nacional, gera-se um habitual (aparente) consenso em torno da constatação do atraso estrutural do desporto português.Os diagnósticos já existem e vão-se acumulando: a maior taxa de sedentarismo da União Europeia, a maior percentagem de casos de obesidade infantil, os piores indicadores da prática desportiva na população.O Governo foi ainda mais longe, tendo chegado ao ponto de, assim que entrou em funções, logo pronunciar a inapelável sentença de que o sistema desportivo do nosso país “se encontra há muito esgotado”.Só não sabemos se nessa afirmação, e nas constantes repetições que dela se têm feito, o PSD deste governo teve em conta que foi o mesmíssimo PSD que no passado tutelou esta área durante mais de 15 anos seguidos, com claras responsabilidades neste atraso.Há exactamente um ano, em Outubro de 2002, a tutela montou uma operação mediática para apresentar o que chamou de “Reforma do sistema legislativo desportivo”. Estava traçado o caminho do Governo: a alteração ao quadro legal do sector, com o inevitável destaque para a Lei de Bases do Sistema Desportivo.E aqui se colocam desde já duas questões. A primeira, para afirmar claramente que, para o PCP, é de facto necessário proceder à actualização, ao acerto, de determinados aspectos da Lei. E foi de resto nesse campo do debate que se posicionaram, na sua esmagadora maioria, as entidades e agentes desportivos do nosso país – motivados aliás pelo apelo que lhes dirigiu o Senhor Ministro.Perspectiva que era profundamente diferente do que veio a revelar-se ser a abordagem do Governo, com a redacção de uma nova lei de bases, deitando para o cesto dos papéis todo o ponto de partida inicialmente estabelecido.Em segundo lugar, é uma evidência que ao longo da última década se foi produzindo abundante legislação sobre matéria desportiva, sem que daí tenha resultado qualquer avanço estrutural nesta área.O que verificamos, pelo contrário, é essa verdadeira obsessão de sucessivos governos (e este não foge à regra) em marcar presença e território, como se de uma espécie de “pegada legislativa” se tratasse. Só que o percurso tem sido feito aos círculos – e o desporto português não avança.Donde se conclui que, mais ainda do que intervenções no sistema legislativo, faltam sobretudo políticas coerentes, medidas concretas e meios que lhes correspondam. Sem essa alteração de fundo, não há reforma legislativa que possa melhorar o panorama actual.Muito menos tratando-se de iniciativas como esta, passando completamente ao lado do movimento desportivo português. As estruturas representativas do sector não foram consultadas pelo Governo neste processo. O debate deste diploma até agora não foi bom nem mau – não existiu! O interlocutor do Senhor Ministro foi a caixa de correio.E tudo isto depois do Governo se ter comprometido a, nas palavras do Senhor Secretário de Estado, «conferir a esta actuação legislativa um amplo espaço de participação, trazendo para o domínio de intervenção normativa o pluralismo que deve caracterizar a acção política e pública e que é apanágio da prática desportiva».Foi o que se viu.Com esta atitude, o Governo perdeu claramente a oportunidade de apresentar ao Parlamento um diploma que dispensasse esta confrangedora operação de cosmética legislativa.É apregoada uma suposta inovação… que não se concretiza. O diploma enuncia tópicos genéricos de inovação – mas sem os determinar. É caso para dizer, como se ouve ultimamente, Senhor Ministro, «não fale: inove».É que a proposta do Governo, abrindo caminho a novos problemas, não vem resolver os problemas de fundo que existem. Porque há uma diferença substancial entre uma lei e uma declaração de intenções. E é nesta categoria que se integram as referências pias ao desporto escolar, ao desporto para a saúde, às instalações e equipamentos desportivos.Fica tudo em aberto – é um verdadeiro cheque em branco à ordem do Governo, para mais tarde regulamentar.Pelo meio, vai ficando o cenário bucólico do desporto no meio rural, do desporto e turismo, do desporto e ambiente.Mas vão também ficando as malfeitorias e os retrocessos, como a desvalorização real do movimento associativo, ou o abandono do poder local à sua sorte, aliás na linha de toda a política do Governo.Ou veja-se a ideia peregrina de remeter a fiscalização e a arbitragem desportiva para um organismo público claramente consultivo como é o Conselho Superior de Desporto.Veja-se a concepção errada do desporto de alta competição, em que na prática se fica à espera que por um feliz acaso surjam os atletas mais dotados.Veja-se a formulação abertamente discriminatória quanto à concepção de “prática desportiva feminina”, demonstrando a visão redutora e retrógrada do que é e pode ser a intervenção da mulher no desporto nacional.Veja-se a norma absolutamente criminosa e aberrante que acaba por permitir a propriedade, por um indivíduo ou grupo económico, de quantas sociedades anónimas desportivas ele puder e quiser comprar –com a extraordinária novidade das SAD terem agora a porta aberta também no desporto amador.É a prática desportiva popular de uma vez por todas transformada em negócio lucrativo e entregue ao capital financeiro!Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados, Senhores Membros do Governo,Esta proposta de lei do Governo constitui, ela própria, a imagem do que tem sido este ano e meio de governação PSD/CDS-PP em matéria de política desportiva.Uma desoladora imagem de promessas não cumpridas, de precipitação e irresponsabilidade política, de falta de rigor e objectividade, e da clamorosa ausência de uma cultura de participação democrática.E o problema torna-se ainda mais grave quando se verifica que tal não se pode reduzir a uma questão de incompetência (o que já seria grave). A questão é de opção política!Não é que o Governo não soubesse fazer melhor – decidiu foi não fazer de outra maneira. Estamos perante uma actuação pensada, deliberada, decidida politicamente. E que justamente por isso é ainda mais grave e mais esclarecedora quanto ao pensamento e à prática deste Governo.No entanto, e perante este quadro, o PCP evidentemente não deixará de participar, de pleno direito, com responsabilidade e com determinação, no processo legislativo deste diploma.Estamos esclarecidos quanto às intenções do governo e da maioria que o suporta relativamente a um debate aberto e participado. Mas podem contar com a intervenção e o combate político do PCP.

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