Intervenção de Bernardino Soares na Assembleia de República

Jornadas parlamentares do PS

Jornadas parlamentares do PS, sob o lema «o socialismo democrático e a crise económica e social

Sr. Presidente,
Sr.ª Deputada Maria de Belém Roseira,
A sua intervenção teve muitas frases sonantes mas muito pouco de concreto. Olhei para ela como uma espécie de ensaio para uma árdua tarefa que a Sr.ª Deputada, pelas funções que vai ter numa próxima batalha eleitoral, que são públicas, que é a de tentar conciliar um discurso de esquerda com o apoio a uma política de direita.
Esse é um problema que a Sr.ª Deputada não conseguiu resolver bem nesta intervenção. Esperemos que tenha mais sorte noutras tarefas que vai ter a propósito desta contingência.
Quero também dizer-lhe, Sr.ª Deputada, que já vai parecendo certo a toda a gente que o vosso discurso de qualificação do vosso socialismo é apenas definido por exclusão das outras propostas. O que os senhores dizem não é o que querem fazer, o que os senhores dizem é que «como vocês, aí à esquerda, é que não queremos ser». É basicamente este o vosso discurso em matéria de definição de prioridades.
Pelas notícias que li, nas jornadas parlamentares do seu grupo parlamentar — cuja realização aproveito para saudar —, penso que a Sr.ª Deputada falou do modelo social e do seu debate. Claro que, a propósito disso, não disse nada sobre as medidas que o Governo está a aplicar, que não têm nada a ver com o modelo social que a Sr.ª Deputada aqui referiu nesta sua intervenção.
Por exemplo, nas jornadas parlamentares do Partido Socialista, foi debatido se deveria haver tectos ou critérios nas prestações sociais, tendo muita gente dito que devia haver critérios e não tectos. Ontem, o Sr. Ministro das Finanças esteve presente no Parlamento e, em resposta a uma pergunta do PCP, confirmou que não há critérios, que o critério é o tecto. Lá está uma contradição entre o discurso e a prática!
A Sr.ª Deputada falou também da defesa do interesse nacional — penso que em referência à questão do uso da golden share na Portugal Telecom. Ora, o Sr. Ministro das Finanças, perguntado sobre se haveria golden shares nestas privatizações absurdas que o Governo está a preparar, também já respondeu que não vai haver!
Portanto, para o PS, o interesse nacional na REN, na CP, nos Correios, na EDP, na Galp e em empresas estratégicas para o País já não interessa nada!... Interessava na segunda-feira e na terça-feira, nas Jornadas do Partido Socialista, mas já não interessa na quarta-feira, segundo as palavras do Sr. Ministro das Finanças.
Já, agora, Sr.ª Deputada, relativamente à questão da revisão constitucional, porque é que o PS não diz que não está disponível para nada do que o PSD propõe?!
Quanto a revisões constitucionais, já vimos, ao longo de muitos anos, que tudo começa sempre com o PS com solenes afirmações de que não vai ceder ao PSD e, geralmente, tudo acaba com uma capitulação total do PS às intenções do PSD.
Sabemos sempre como começam, mas nunca sabemos como acabam.
Portanto, Sr.ª Deputada, a sua intervenção foi mais um exercício de discurso à esquerda para quem governa com política de direita e com a direita a apoiar essa política. E essa é que é a contradição que não conseguirão resolver enquanto não optarem por fazer uma política de esquerda, que tanto apregoam mas nunca põem em prática.
Muito obrigado pela tolerância, Sr. Presidente.

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