Comicio-convivio em Alte – Loulé
Intervenção de Jerónimo de
Sousa, Secretário-geral do PCP
Desenvolver o interior, combater a desertificação da serra algarvia
é o tema e preocupação central que enquadra esta iniciativa
do nosso Partido no Algarve e no esforço e atenção que
todo o nosso colectivo partidário tem vindo a dar aos problemas do desenvolvimento
do interior do país.
Esta é mais uma iniciativa que traduz o inconformismo do Partido Comunista
Português perante as crescentes desigualdades sociais e regionais que
se observam no nosso país e que, de forma muito evidente, se expressam
aqui no Algarve, ao mesmo tempo, que reafirma a sua determinação
de continuar a luta pela promoção do desenvolvimento harmonioso
de todo o território nacional.
Desenvolvimento que deveria ser uma incumbência prioritária das
políticas económicas e sociais de qualquer governo vinculado ao
dever constitucional de promoção da coesão de todo o território
nacional e do objectivo, também constitucional, da eliminação
das diferenças económicas e sociais, entre a cidade e o campo
e entre o litoral e o interior.
E dizemos devia ser uma prioridade, porque na realidade não é
isso que acontece e não é isso que o actual governo do PS, tal
como o PSD no passado, se prepara para fazer no futuro.
O governo do PS acaba de pôr à discussão pública
a sua proposta de Plano Nacional de Políticas de Ordenamento do Território.
Plano que vinha já também do governo anterior e cuja discussão
terminará no final deste mês. Lê-se e não se acredita.
O novo Plano não só aceita como uma fatalidade a manutenção
da ocupação e desenvolvimento desigual do território, assumindo
como inevitáveis a perda de população na maioria das sub-regiões
do interior, o aumento das disparidades territoriais e o agravamento da coesão
nacional, como se adivinha nessa proposta o favorecimento das políticas
que acentuam aquilo a que chamam a “inclinação do país
para o oceano”, ou seja a crescente litoralização do país.
Aquele que devia ser o Plano dos grandes compromissos do Estado visando o desenvolvimento
de todo país, vai traduzir-se num instrumento que assume o abandono de
mais de metade do território nacional.
Quem prometia, ainda não há ano e meio, uma redobrada atenção
aos problemas do desenvolvimento do interior, como o fazia José Sócrates,
tem neste Plano a completa falácia dos propósitos do seu governo
e das suas políticas.
Da nossa parte queremos reafirmar-vos, mais uma vez, que não nos resignamos
perante os inquietantes processos de desertificação humana, de
abandono e declínio social, de estagnação e declínio
das actividades económicas que a desastrosa política de direita
favoreceu.
Realidade que se traduz, numa grande parte desta região algarvia, no
crescente empobrecimento das suas populações e no acentuar das
dificuldades das actividades produtiva regionais com relevo para a agricultura,
a floresta e os produtos silvícolas que são um dos principais
suportes do modo de vida das populações do interior e das zonas
serranas.
Realidade para a qual concorreu um conjunto de factores, tais como a sistemática
omissão e ausência de políticas duradouras de desenvolvimento
regional, mas também as políticas agrícolas nacionais e
comunitárias, uma gestão dos fundos comunitários que apenas
têm reproduzido as desigualdades existentes, as políticas orçamentais
restritivas, os baixos níveis de investimento público e ultimamente
os incêndios florestais.
Factores que, juntamente com o adiamento da implementação da
Regionalização, têm inviabilizado também a elaboração
e concretização de forma integrada e participada pelas populações
de políticas concretas na base de Planos de Desenvolvimento Regional
capazes de expressar o querer, o sentir das populações e não
apenas a vontade do governo da ocasião, dos grandes interesses económicos
nacionais e regionais e da clientela política dos partidos do poder que
mudam de opinião em função da situação do
seu do partido, se está ou não de turno no governo como tantas
vezes vamos vendo.
Naturalmente que não basta a concretização da Regionalização
para garantir justas políticas ao serviço das populações,
é preciso que esse Poder Regional esteja em sintonia com os verdadeiros
interesses do povo, que os órgãos eleitos prestem contas e a participação
das populações seja efectivamente garantida na definição
das políticas regionais.
É para garantir a participação das populações
que continuamos a colocar como uma urgência a concretização
da Regionalização.
Nesta matéria conhecem-se as opções do governo, mas também
do PSD. Manter adiada a regionalização e apostar no reforço
do papel das CCDR’s, garantindo assim os instrumentos de comando das políticas
regionais a partir do governo e ao sabor dos interesses regionais que se movem
na sombra sem controlo e sem prestar contas das suas opções.
É assim que se prepara a elaboração do novo Quadro financeiro
comunitário para o período de 2007 a 2013, sem a participação
efectiva das autarquias e dos agentes regionais, contribuindo assim para reproduzir
as desigualdades existentes como tem sido prática nestes últimos
anos.
Com a agravante, desta vez, do Algarve sofrer um corte brutal dos fundos comunitários
nos próximos anos, com a diminuição de cerca de 20% já
em 2007 e que chegará aos 75% de cortes em comparação com
os fundos destes últimos seis anos. O Algarve paga o “efeito estatístico”
resultante do alargamento da União Europeia.
Este é um problema sério que o PCP desde o início do processo
negocial tem colocado e tem defendido, através dos seus deputados no
Parlamento Europeu, a necessidade da compensação integral destas
regiões como o Algarve, que são prejudicadas por um falso enriquecimento.
Face à situação criada ao Algarve, vemos dirigentes regionais
dos partidos que habitualmente fazem parte do governo em grandes lamentos pelo
facto de haver nos próximos anos muito menos dinheiro para o desenvolvimento
do Algarve, mas nada dizem em relação ao facto de o corte dos
fundos comunitários ter tido o voto favorável do PS, do PSD e
do CDS-PP, no Parlamento Europeu.
É o truque do costume. O truque de quem se quer apresentar ao mesmo
tempo como governo e como oposição.
Mas a concretização da Regionalização tornou-se
também premente com a decisão de pôr em prática o
PRACE – o novo Programa de Reestruturação da Administração
Central do Estado que o governo do PS quer implementar no imediato e que mais
não é que um novo processo de centralização de serviços
do Estado e de extinção de outros e que se vai traduzir num maior
distanciamento desses serviços das populações. Um processo
que se iniciou aqui no Algarve com a extinção do Instituto Marítimo-portuário
e que não se sabe aonde e como acaba.
Temos visto o que se passa um pouco por todo o país com o encerramento
de certos serviços indispensáveis às populações.
Também aqui no Algarve temos visto pela mão deste governo do PS
e o silêncio do PSD as tentativas e a concretização do encerramento
das urgências dos serviços de saúde. Entretanto, o prometido
novo Hospital Central do Algarve continua a marcar passo e o que se perspectiva
para este hospital é uma solução de gestão privada
na base de uma parceria público-privado.
Se hoje os portugueses já pagam hoje do seu bolso 40 % do total das
despesas em saúde, o valor mais elevado da União Europeia, a situação
da saúde dos portugueses vai piorar com a política de direita
que tem vindo a ser incrementada pelo governo PS que aponta claramente no sentido
da construção do “grande mercado da saúde”
com o processo de privatização em curso e o aumento da promiscuidade
entre o público e o privado.
Todos os pretextos servem para retirar direitos e para atacar conquistas do
povo consagradas na Constituição da República.
As últimas propostas da Segurança Social vão nesse sentido.
Não é para melhorar as reformas de miséria da grande maioria
dos nossos reformados e idosos, o que o governo quer, com a sua proposta de
“reforma” da segurança social, é o aumento da idade
da reforma e a diminuição do valor das pensões para os
trabalhadores de hoje e para as gerações futuras.
Mas, como muitas vezes temos afirmado, não basta concretizar políticas
regionais adequadas à solução dos problemas de desenvolvimento
de cada região, são necessárias políticas nacionais
complementares que favoreçam o desenvolvimento do país no seu
conjunto e tenham em conta as especificidades do desenvolvimento do país
interior e dos graves problemas de desenvolvimento que hoje enfrentam.
Políticas e medidas dirigidas à revitalização das
suas economias debilitadas que só podem ser asseguradas com mais investimento
público e comunitário dirigido à criação
de infra-estruturas de desenvolvimento, ao apoio aos seus sectores produtivos,
à utilização racional dos seus recursos e no seu aproveitamento
para o desenvolvimento de novos sectores de actividade.
As políticas que têm vindo a ser postas em prática pelos
sucessivos governos e agora pelo governo do PS de José Sócrates
vêm ao arrepio de tais objectivos e necessidades.
Desde logo, através das suas políticas orçamentais e de
obsessão pelo défice, impossibilitando a adopção
de políticas de investimento público de modo a favorecer o crescimento
e o desenvolvimento que o país carece e que se têm traduzido em
Orçamentos de Estado restritivos que agravam ainda mais, os problemas
do interior e das regiões menos desenvolvidas do país.
No Orçamento do presente ano de 2006, que a maioria absoluta do PS aprovou,
se vê como se continua a penalizar o Algarve com uma quebra do investimento
público de mais 34,5% relativamente a 2005 no PIDDAC.
Por isso são adiadas as soluções de muitos dos seus problemas,
como o grave problema da falta de água de abastecimento às populações,
cujos preços têm aumentado brutalmente no Algarve, naturalmente
a pensar na futura privatização dos sistemas multimunicipais.
Carências que poderiam ser minimizadas se andassem para frente com a
construção das barragens de Odelouca e da Foupana, bem como o
desenvolvimento de todo sistema de aproveitamento e regularização
dos cursos de água do Algarve e que são fundamentais para garantir
o abastecimento da produção agrícola e na superação
das dificuldades que se têm sentido, por exemplo, no combate aos fogos.
Políticas orçamentais restritivas e de obsessão pelo défice
que têm impossibilitado a adopção de adequadas políticas
de investimento público e favorecendo o congelamento das políticas
públicas de crescimento e desenvolvimento e são, por isso, também
responsáveis pelo mais prolongado período de estagnação
do país dos últimos anos e pelo crescimento do desemprego.
Os trabalhadores não são apenas confrontados com o desemprego,
também com a crescente precariedade das relações laborais
e com a degradação dos seus salários que no Algarve são
em média 14 por cento mais baixos que a média do país.
Situação que terá tendência para se agravar se o
Governo do PS levar para a frente a sua nova proposta de Lei das Finanças
Locais que vem impor uma diminuição da capacidade municipal de
investimento local depois de ter cortado o investimento público nacional.
Nova proposta de Lei das Finanças Locais que é outro inqualificável
instrumento de agudização das desigualdades regionais e locais,
apesar de se proclamar exactamente o contrário.
A proposta do governo do PS confirma as piores expectativas em relação
às soluções que vinha anunciando, não apenas em
relação ao ataque que a nova proposta de Lei consagra relativamente
à autonomia municipal, mas em relação às gravíssimas
consequências limitadoras que a Lei impõe no que se refere à
capacidade de investimento dos municípios no desenvolvimento local.
Esta Lei das Finanças Locais é uma intolerável operação
de demagogia por parte do governo e um evidente esbulho dos meios destinados
ao poder local e ao desenvolvimento dos concelhos.
O que com a nova Lei se pretende é empurrar as autarquias para penalizar
as populações sobrecarregando-as com novos e mais pesados tarifários
e a acentuação da carga fiscal, libertando o Estado Central dos
seus compromissos com a obrigação de promover a coesão
do território nacional.
Esta é mais uma Lei para empobrecer o país e aprofundar as desigualdades
e agudizar os problemas que o país enfrenta – a estagnação,
a regressão económica e social e o desemprego.
Problemas que levaram o nosso Partido a tomar a iniciativa de propor um conjunto
de medidas para dinamizar o investimento e a produção, mas também
o crescimento do emprego através da iniciativa que lançámos
“Portugal precisa, o PCP propõe”.
Propostas e medidas que são também um importante contributo também
para o desenvolvimento das regiões interiores do país.
Medidas que vão desde uma decidida política de saneamento e melhoria
da situação financeira das autarquias, à concretização
de um pacote de medidas no plano financeiro, fiscal e de mercados para as micro,
pequenas e médias empresas, à implementação de uma
política de preços da energia para responder aos presentes estrangulamentos
de um importante conjunto de sectores produtivos, nomeadamente à agricultura.
Mas também o lançamento de medidas fiscais para dinamizar a exportação,
reequilibrar a competitividade fronteiriça com Espanha (redução
da taxa do IVA), tal como a imediata anulação das cativações
ao PIDDAC, em sede de lei do orçamento do Estado para 2006.
Estamos numa região onde muitas pessoas buscam no mar o seu trabalho
e a sua vida. Este é um sector que não deve ser esquecido. São
necessárias medidas urgentes de apoio e revitalização das
pescas, que vivem um momento difícil desde logo, pelo aumento do custo
dos combustíveis. Mas também os mariscadores da Ria Formosa vêem,
a cada ano que passa, a mortandade das espécies acontecer cada vez mais
cedo em resultado da ausência de medidas há muito reclamadas de
despoluição e regeneração da Ria. .
Mas sem dúvida que no desenvolvimento do interior a política
agrícola assume uma grande importância no combate ao processo de
desertificação e aos fenómenos de regressão social
e económica.
Durante quase ano e meio que leva de Governo a maioria PS consolidou uma política
agrícola de inteira continuidade das políticas de anteriores governos
do PSD/CDS-PP e do próprio PS, com poucas excepções.
Uma política agrícola que, pouco atenta aos problemas da pequena
agricultura familiar, cujos rendimentos têm vindo a decrescer, acentua
as dificuldades de sobrevivência do sector. Sector cujas produções,
nomeadamente as de citrinos e os hortícolas continuam a enfrentar graves
dificuldades de escoamento pela falta de apoios, incluindo à exportação.
A mesma falta de apoios à criação de ovinos e caprinos
que interessaria particularmente às zonas serranas, bem como à
apicultura.
E quanto à silvicultura os apoios à reflorestação
tardam, depois dos incêndios dos últimos anos, assim como tardam
as indemnizações aos produtores florestais, como continuam a ser
insuficientes as medidas para conter em limites razoáveis esse drama
dos fogos florestais.
Intervenção que implica também começar a agir sobre
as causas que estão na origem da sua extensão e violência
e que são a consequência directa da aplicação da
Política Agrícola Comum e das políticas agro-florestais
nacionais.
Processos que conduziram ao desaparecimento da actividade agrícola e
que levaram ao êxodo das populações das zonas rurais, mas
também da crónica falta de investimento público dirigido
à promoção de políticas e instrumentos visando um
correcto ordenamento florestal.
Entretanto, com este governo do PS, o que vemos é uma inexplicável
política de hostilidade para com os agricultores como é a situação
criada com o caso do pagamento das agro-ambientais.
Em nome de uma pretendida correcção das injustiças nas
ajudas agro-ambientais, com a distribuição de avultadas verbas
a mil grandes proprietários do Ribatejo e Alentejo o Governo retirou
as ajudas a mais de 25 000 agricultores familiares em todo o país.
É inaceitável o que se está a passar com o não
pagamento das medidas relativas aos anos de 2005 e 2006. Não são
admissíveis, nem razoáveis as justificações para
a fuga ao pagamento por parte do governo e são falsos o conjunto dos
argumentos utilizados.
Mas não ficam por aqui os problemas. São significativas as dívidas
aos agricultores e às suas organizações.
Noutros programas comunitários AGRO e AGRIS, o governo não só
continua a atrasar-se meses e meses a aprovar e a pagar projectos, como vem
a meio do jogo, fazer novas exigências burocráticas, pondo em risco
a viabilidade de muitos projectos, muitos de jovens agricultores.
E já agora porque é que tão preocupado com a burocracia
e os papeis nalgumas áreas e sectores da Administração
Pública, com o “famoso” Simplex, porque mantém uma
complicadíssima teia burocrática no acesso dos agricultores às
ajudas comunitárias?
Mas muitos outros problemas da agricultura continuam sem respostas suficientes.
São os problemas da segurança social dos pequenos agricultores
dando resposta à sua crescente dificuldade em se manterem, por incapacidade
financeira, no sistema público de segurança social. Mas também
o problema da suspensão da electricidade verde o agravamento dos preços
dos combustíveis com a não correcção do preço
do petróleo agrícola, bem como aos elevados custos da solução
dos problemas ambientais dos efluentes das vacarias e suiniculturas.
Num quadro de grave regressão económica e declínio do
mundo rural é preciso não só assegurar a defesa dos sectores
produtivos, nomeadamente a valorização, agricultura regional com
a promoção de produtos com denominação de origem
protegida e a revitalização das economias locais, mas apoiar e
incentivar soluções de desenvolvimento complementar, nomeadamente
com o lançamento de actividades da industria agro-alimentar e outras,
assim como de oferta de bens e serviços, de artesanato e de turismo rural,
de lazer e de conservação do ambiente que permitam a elevação
da qualidade de vida das populações.
Ao contrário do prometido desenvolvimento do interior do país
e do combate às assimetrias regionais o que temos visto por parte dos
governos do PSD/CDS-PP e do PS são anos e anos de bonitas palavras em
defesa do interior, mas abandono efectivo das suas aspirações
de desenvolvimento e de acentuação de crescentes desigualdades.
A construção de um Portugal mais desenvolvido e mais justo, não
depende desta ou daquela medida avulsa, mas tem que assentar numa mudança
profunda, numa ruptura com a política de direita que tem sido seguida
e na concretização de uma nova política voltada para as
necessidades do país e do povo português.
É nossa profunda convicção que Portugal não está
condenado ao atraso. É possível inverter o caminho que tem sido
seguido. É esse o objectivo da nossa intervenção e da nossa
luta.